terça-feira, 18 de novembro de 2008

Sem tempo...

Estou com muita vontade de escrever aqui...Cada vez que o tempo passa tudo vai ficando muito lá dentro e isso não é bom. Mas final do semestre não está dando tempo de escrever, embora tenha muito para colocar aqui ainda.
Agradeço as pessoas que entram aqui sempre, e que se preocupam comigo e com minha família. Assim que der, escrevo aqui...Tenho muitas coisas para escrever, contar algumas histórias e relembrar algumas coisas. Preciso!

Ontem voltei no hospital, no Instituto do Câncer, revi muitas pessoas, conversei com o médico que acompanhou minha mãe...Chorei o tempo todo, mas me senti bem. Um lugar em que vivi coisas tão intensas. Meu próximo post vai ser sobre isso...

Hoje pensei bastante em como é triste a gente não saber se vai conseguir viver tudo que a gente quer, com as pessoas que realmente importam...

domingo, 2 de novembro de 2008

"Nossos mortos morrem todos os dias"

Achei a frase do título num site, e nada mais verdadeiro. O luto é uma experiência tão dolorosa porque é constante, diária, e a gente sabe que o que está causando a dor não vai mudar. Ela não vai voltar...o tempo não vai voltar...
Todos os dias minha mão morre, várias vezes. Estou fazendo atividades cotidianas, de repente paro, o silêncio toma minha cabeça e automaticamente minha mente é ocupada pela falta. Sinto um choque, uma sensação estranhamente corporal, o peito aperta, sinto vontade de chorar mas não choro, um segundo de desespero me invade. "Isso não pode realmente ter acontecido", penso. A sensação é tão ruim que me esforço ao máximo para pensar em outra coisa, e continuar fingindo. Quando vou dormir, tenho que estar com muito sono, se não o escuro e o silêncio potencializam essa sensação, e é horrível.
Cada vez fica mais dificil ir para Cruzeiro, porque lá a ausência dela é constante, a toda segundo. Eu tento fugir de sentir a dor do vazio, mas sei que quanto mais eu enfrentar essa dor, mais cedo vou me acostumar a senti-la, e mais cedo a ausência vai estranhamente fazer parte.

Esses dias andei pensando nessa experiência de "viver a morte" e ter alguém tirado de nós. Falei para muitas pessoas nesses meses que só não perde alguém quem vai embora cedo. Viver muito é uma dádiva. Quantas experências boas podemos ter, como deve ser legal atravessar periodos da história, ver a sociedade mudar, ter história para contar...Como eu queria que minha mãe vivesse ainda o dobro. Mas quanto mais a gente vive mais pessoas queridas nós vemos ir embora.
Tenho 4 avôs: minha avó paterna, meu avô paterno, meu avô materno e uma bisavó (mãe do pai da minha mãe). Minha bisavó tem mais de 90 anos. Já enterrou o marido com quem viveu por mais que meio século. Já enterrou filho, que nem imagino como deve ser duro. Já enterrou uma neta. Ela é a chefe de uma familia gigante, teve mais de 10 filhos, tem muitos netos, bisnetos, e já tem tataranetos. Pessoas se vão, pessoas chegam...
Meu avô materno perdeu sua mulher há 40 anos, e até hoje chora por ela. Ele perdeu uma filha e agora chora pelas duas. Meu avô paterno tem 82 anos. Perdeu sua mãe com a mesma idade que eu perdi a minha. Ele também chora se falar dela. Ele já perdeu irmãos, e quando vai contar quais dos colegas de trabalho estão vivos, fica triste ao ver que a maioria já se foi. Minha avó paterna perdeu a mãe quando tinha 15 anos. Já perdeu a maioria dos irmãos e o pai. Uma de suas irmãs teve um tumor no cérebro e viveu 20 anos cega. Um outra irmã teve câncer de mama, que foi para os ossos e a fez sofrer muito...

Eu quero viver bastante, tenho muitos planos e sonhos. Quero viver muito para ter filhos, contar a eles sobre minha mãe. Quero que eles entendam o que ela significa para mim. Quero que eles saibam como ela queria estar com eles, porque sei que é assim que as pessoas se eternizam: ficam vivas enquanto há pessoas que foram tocadas por elas.

Mas peço sabedoria para saber ter muitos anos. Que eu saiba mudar, que eu saiba perder. Desejo isso a você também.

sábado, 1 de novembro de 2008

Sobre a morte

No dia 11 de agosto, um dia antes de minha mão falecer, ela foi transferida do Instituto de Câncer para o Pronto Socorro do Hospital das Clínicas, onde seria avaliada a possibilidade de uma cirurgia de emergência. Entrei no Pronto Socorro com ela aquele dia com muitas lembranças daquele lugar. Foi pelo pronto socorro que ela entrou no HC, no dia 27 de Maio, la no comecinho, quando ela ainda sentia poucos sinais da doença. Ali ela ficou internada por 12 dias, em meados de junho, para tratar a trombose. Ali foi onde ela respirou pela última vez. Ainda vou um dia escrever melhor sobre esse lugar, que para mim resume bem o que é um pesadelo. O que acontece se você coloca muitos pacientes em macas, precisando de atendimento imediado, em um corredor largo e feio, por onde passam pessoas baleadas e vítimas de acidentes graves, com muitos enfermeiros e médicos residentes já sem paciência para atender todo mundo? Um caos.
Mas não vou falar sobre isso hoje. Quero contar uma cena desse dia 11 de agosto. Entrei no pronto socorro ajudando o enfermeiro a empurrar a maca onde minha minha mãe estava. Ela respirava com a ajuda de uma balão de oxigênio, e não estava 100% consciente. A enfermeira que a recebeu a levou para uma das salas de emergência. Esta sala podia receber a qualquer momentos pessoas que precisavam ser atendidas com emergência e por isso eu não podia ficar la dentro o tempo todo. Fiquei na porta, olhando angustiada para minha mãe, que estava com os olhos fechados e respirando com dificuldade. Ao meu lado, uma senhora com uns 60 anos, que vou chamar aqui de Joana, também olhava para a sala com preocupação. Quando as enfermeiras fechavam a porta, nós duas tentávamos enxergar pela fresta. Começamos a conversar. Dona Joana me contou que lá dentro, do lado da minha mãe, estava sua mãe, uma senhorinha de 85 anos, que tinha leucemia. Joana me contou que sua mãe tinha acordado cansada demais naquela manhã, e ela achou melhor levá-la para o hospital. Quando consegui olhar quem era a senhorinha, me supreendi ao avistar uma senhora sentada na maca, se movimentando bem. Ela estava segurando uma máscara de oxigênio. Era uma senhorinha com todos os cabelos brancos. Não consegui não compará-la com minha mãe. Minha mãe, 40 anos mais jovem que ela, tão bonita, com tanto tempo pela frente, estava ali, deitada, sem saber o que estava fazendo ali, não conseguia mais conversar com a gente, os médicos já tinham nos dito que ela tinha pouco tempo. Ela estava ali com sua vida indo embora tão cedo, e aquela senhora com mais de 80 anos, vitima também da mesma doença, estava bem, sentada, conversando. Joana estava muito preocupada com sua mãe, mas eu, de maneira egoísta, pensei que eu tinha mais razões para ficar triste, para me desesperar...
Naquela bagunça de Pronto Socorro, minha mãe acabou indo para outra sala, e a mãe de Joana foi para outra também. Mais tarde meu irmão e meu pai receberam permissão para entrar no Pronto Socorro, pelo agravamento do estado da minha mãe. Por volta de 23 horas, meu pai estava no telefone, eu e meu irmão estávamos sentados em frente a sala onde nossa mãe estava. De repente, levamos um susto com alguns médicos empurrando com pressa uma maca com uma senhora, e Joana estava atrás, chorando, gritando, desesperada. Os médicos entraram com sua mãe na sala, e Joana ficou descontrolada do lado de fora. Eu, meu irmão e mais algumas pessoas que ali estavam corremos para ajudá-la. Pegamos uma cadeira, meu irmão pegou água. Joana só falava: "Não posso perder minha mãezinha! Não acredito que vou perder minha mãe". Ela falava isso sem parar, respirava forte, falava perdendo o ar. Alguém nos disse que sua mãe teve uma parada cardíaca de repente, e foi levada para a sala para reanimação. Uma médica foi falar com Joana, dizendo que os médicos estavam cuidando de sua mãe. Eu e meu irmão tentamos conversar com Joana, acalmá-la, mas ela estava tão descontrolada que não conseguia nos ouvir. Eu e meu irmão nos olhávamos, não dissemos nada sobre nosso mãe, mas pensamos na ironia daquilo tudo. Estávamos consolando uma senhora de 60 anos, que perdia sua mãe de 85, e o médico já tinha avisado que nossa mãe estava indo embora...
Eu com 22 anos, meu irmão com 19. Minha mãe com 46, podendo ainda viver o dobro do que até ali tinha vivido. Como ainda tínhamos planos! Como planejamos coisas achando que tínhamos controle sobre o futuro. Meu pai, com 54 anos, planejou se aposentar, ter mais tempo para viajar com ela, curtir os netos com ela. Eu sei que meu pai nunca pensou na possibilidade de ver minha mãe morrer. Eu sei que ele achava que ia antes dela.
Eu e meu irmão estávamos ali acalmando Joana, desesperada, não acreditando que tinha chegado a hora do que ela com certeza temeu por toda sua vida. Alguns minutos depois uma médica deu a noticia para Joana: sua mÃe teve uma parada cardiaca e não resistiu.
Essa história me fez pensar em duas coisas.
Eu e meu irmão conversamos sobre isso naquele dia. Concluimos que sempre é cedo para se perder uma mãe. Sempre a gente quer que dure mais, sempre a gente perde muito, muito, muito. Minha mãe se foi muito nova, sua ida vai deixar um vazio em todos os momentos das nossas vidas que eram para ser felizes. Joana queria que sua mãe visse seu bisneto nascer, queria que a mãe estivesse no casamento de sua filha mais nova...Sempre é cedo...Sempre a perda é infinitamente gigante...
Pensei também em como nos enganamos com a hora da morte. Quando vi Joana tive certeza que ela estava desesperada, mas que eu perderia minha mãe antes dela. Não foi assim.

Quando descobrimos a doença, minha mãe passou a temer muito a morte. Durante os 81 dias, ela não conseguia dormir, ficava as vezes olhando para o nada, só pensando. Sei que ela pensava na morte, pensava em como ela parecia mais próxima desse momento, em como sua vida estava sendo ceifada, sem dó, sem aviso, sem que pudéssemos fazer nada. Eu sabia que a doença dela era grave, mas eu não pensava que fosse ser tão rápido. Quando a médica me disse que minha mãe tinha poucos dias levei um susto porque não sabia que pudesse ser assim. Achei que ainda estariamos juntos no natal, pensei que ela ainda iria para Cruzeiro, que veria sua casa ainda...
Temos uma certeza na vida, a única certeza, todos vamos morrer. É pessimismo dizer isso, mas estamos todos morrendo, a cada dia um dia a menos...Ter uma doença grave vai diminuir esses dias, mas ainda é vida...
Em abril fui com minha mãe visitar uma pessoa com uma doença grave, para quem os médicos deram pouco tempo. A familia não contou para a pessoa sobre a doença. Chamei meu namorado para um canto e disse a ele: "Estranho pensar que é a ultima vez que minha mÃe está vendo essa pessoa". Hoje quase me arrepio em pensar que foi a última vez que elas se viram, mas quem se despediu da vida foi minha mãe, e a pessoa está viva e bem, e ainda não sabe da doença. Me arrepio não em pensar que esta pessoa está viva. Acredito na vida, e não acredito em previsões médicas, de jeito nenhum. Espero que essa pessoa supreenda mais e mais. Me arrepio em pensar em como naquele momento minha mãe estava bem, em como sua morte não era nem um pouco possível.

Sempre gostei de ter agenda, de escrever todos os compromissos, todas as datas de trabalhos, de provas, escrever meus gastos...Só em outubro consegui voltar a fazer isso. Em agosto e setembro eu olhava minha agenda e me dava uma sensação muito ruim. Que controle nós temos? Quem sou eu para planejar o futuro, se ele realmente pode não chegar?

A verdade é que não podemos fazer nada se chegar a hora, mas ainda bem que nos esquecemos disso. Viver com medo de perder só nos faz viver antes o que será mesmo inevitável...

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

A sorte do meu irmão

Hoje acompanhei meu irmão no hospital. Desde quando minha mãe ficou doente ele vinha sentindo muitas dores na região do estomâgo, emagreceu mais que todo mundo, e apresentou umas alterações intestinais, digamos, "suspeitas". Um dia ele foi num pronto atendimento, e o médico pediu que ele fizesse uma endoscopia, pelas dores que vinha sentindo, e uma colonoscopia, pelo histórico familiar (é estranho falar "histórico". Dá uma idéia de passado distante, mas há 5 meses nada disso fazia parte da nossa vida...E há pouco mais de 2 meses minha mãe estava aqui, com a gente...). O médico disse que câncer na região abdominal tem um fator genético forte e que pode dar em gente nova sim... Médico tranquilizador né?

Meu irmão melhorou das dores, mas fomos hoje fazer os exames. A colonoscopia é exame de gente velha, tanto que os médicos perguntaram para ele o porquê de ele estar fazendo. Nenhum médico pede esse exame antes dos 50 anos, se não tem casos de doenças intestinais na família ou se sintomas específicos não estejam ocorrendo. Ninguém nunca pediu à minha mãe.

Entrei em um hospital de novo, como acompanhante, mas nem recordei muitas coisas. Que diferença! Minha mãe quando fez a colonoscopia quase não conseguiu andar do carro até o hospital. Como estava fraca! A enfermeira teve que dar soro para ela antes, e quase que ela não consegue tomar todo o liquido que eles dão para limpar de vez o intestino. Quando minha mãe fez o exame já sabíamos das metástases, e uma enfermeira me disse que havia aparecido "um tumorzinho" no cólon. Lembro que chorei, mesmo que já esperasse, porque a gente sempre confia que exista uma possibilidade, ainda.

Hoje fiquei 3 horas com meu irmão, até que "tudo saísse de vez", e até nos divertimos (com certeza eu mais que ele, coitadinho, a preparação do exame realmente não é fácil).

Quando acabou o exame o médico veio me avisar, disse que estava tudo bem, e que queria falar com meu pai, pois a enfermeira disse que ele estava nervoso. Percebi que o médico tinha algo para me falar, mas nem insisti. Acho que procurei que nada me lembrasse tudo que aconteceu, o que minha mãe passou, sei lá, não sei pensar nisso...

Quando meu irmão emfim acordou, quando o efeito do sedativo passou, enquanto a enfermeira verificava sua pressão, um médico muito simpático e atencioso falou com a gente (meu pai, meu irmão e eu). Ele disse que na endoscopia apareceu uma esofagite, uma gastrite e uma pequena úlcera no duodeno, mas que já estava se cicratizando. Ele disse que tudo indica que meu irmão teve essas coisas pelo momento pelo qual estamos passando...muita ansiedade, estresse, etc...Pequenas coisinhas, tudo com solução.
Na colonoscopia apareceu um pólipo, muito pequeno, no reto. Quando o médico falou isso, não me surpreendi. Não sei porquê, mas eu esperava. Faz um tempo que venho alimentando uma certeza que a doença da minha mãe teve uma causa genética muito forte. Tudo que evita câncer de intestino ela fazia, tudo! Comer certos alimentos, não ser sedentária, não beber, etc etc...O pólipo do meu irmão foi retirado durante a colonoscopia, e mandado para biópsia, mas o médico garantiu que é benigno. É importante que meu irmão faça exames anuais, para que se retirem outros possíveis pólipos. O médico disse que não é incomum aparecer pólipos em qualquer pessoa, mas que pelo o que aconteceu com minha mãe, tudo indica que o surgimento de pólipos nesse caso tenha caráter hereditário. Meu irmão tem 19 anos!

O que é um pólipo? Pólipo é uma "semente". Um dia ele pode sumir liberando um pouco de sangue. Um dia ele pode morrer. Um dia ele pode virar um tumor, e se tornar maligno. Quase todos os cânceres colorretais começam assim, e demoram anos para crescer. Hoje quando sai do hospital eu chorei e fiquei muito triste. Sei que agora nós sabemos que temos que fazer esse exame sempre, pois nossos genes tão ai gritando, mas minha mãe não soube, não foi avisada. Um exame tão rápido! Se com minha mâe começou assim, um pólipo pequeno ficou lá em silêncio, cresceu, cresceu, virou câncer e ficou quieto mesmo assim. Mandou células cancerosas para o figado, e lá se alastrou. De repente o corpo dela deu sinal, mas já era tarde...O médico hoje disse: "temos que focar na prevenção, não esperar aparecer sinal para correr atrás". Sim doutor, nós sabemos disso, muito bem, infelizmente. Sabe quanto custa uma vida? Sabe quanto custa ter uma mãe com a gente? Sei que não adianta pensar em por que não fizemos esse exame. Ela nunca faria, não tinha razão. Não teve erro, não tem culpado.

O médico de hoje falou de novo da importância de eu fazer exames, dos irmãos da minha mãe fazerem exames. Sei que é horrível pensar que dentro de nós pode haver algo de ruim crescendo em silêncio, mas temos um alarme tocando aí. Minha mãe não foi em vão... Não é essa doença que vai nos matar. Meu irmão está seguro. E temos que comer mais fibras. Sei que minha mãe me diria isso...
Ai que saudade :-(

domingo, 12 de outubro de 2008

Dois meses...

Faz dois meses que entrei na sala do hospital e te vi respirar fundo. Seus olhos já estavam inchados. A enfermeira disse que você não podia mais me ouvir, mas eu falei. Falei para você ir em paz, descansar, dormir como você vinha pedindo há quatro dias..."me deixa dormir mais um pouquinho”. Falei que seria muito difícil, mas prometi que seguiria em frente, que realizaria tudo que antes de você ficar doente eu te disse que faria. Falei que cuidaria do meu irmão e do meu pai. Falei que você foi um presente para nós...sei que todo mundo acha que tem a melhor mãe do mundo. Para mim, mesmo antes de pensar em te perder, eu sabia que você era a melhor. Eu sempre tive certeza da sorte que eu tinha em ter você. Beijei sua testa, chorando muito, e sai da sala. Vi que você estava calma, só respirava. Naquela manhã eu pedi a Deus que aliviasse seu sofrimento, e Ele agiu. Você não sofre mais, nunca mais vai sofrer. A doença já morreu. Hoje você dorme, um sono sereno, sem dor, sem pesadelos.

Hoje eu sinto uma saudade imensa, uma saudade que beira o desespero, porque sei que nada vai te trazer de volta, nunca mais...Eu penso em você quase o tempo todo, e consigo até ficar feliz, porque sei que tudo sempre deu certo, porque aproveitamos uns aos outros como pudemos. Sei que tivemos muitos bons momentos...E só pensando em você consigo ter forças.

Essa semana eu acordei de um sonho, no qual você tinha morrido. Por 3 segundos eu pensei aliviada: “Ainda bem que era sonho...”. Quando me veio à realidade, pensei: “não acredito que isso realmente aconteceu”.

sábado, 11 de outubro de 2008

Mudanças...

Poucas pessoas gostam de mudanças. Sempre bate aquela insegurança de que qualquer atitude tire você do rumo certo. Perante escolhas, não adianta, acho que sempre vamos tender a ficar como estamos. Nesses dias de eleições pensei nisso: se o prefeito não cometeu nenhum grande erro e tenta se reeleger, não importa quão boas sejam as propostas dos outros candidatos, o atual ganha...Medo de mudanças, é assim...

Como é boa a segurança da rotina, por mais tediosa que seja. Aliás, quem diz gostar de mudanças não gosta de deixar de ser assim, vai sempre querer mudança. Vem o medo de mudar de atitude, o medo de estacionar...Quando a gente muda de escola, muda de casa, muda de cidade, quando a gente decide não ir mais àquele lugar que íamos sempre....difícil mesmo, sempre!

Toda virada de ano eu sentia medo do que poderia acontecer naquele novo ano. Sempre deu tudo certinho, tudo caminhou quase do mesmo jeito, sempre estavam ali às mesmas pessoas....Dai em 2008 aconteceu. O quadrado quebrou. Perdi (não é exagero falar) a pessoa mais importante, a base, onde eu, meu irmão e meu pai nos apoiamos sempre. Embora eu pense sempre que tudo esteja se ajeitando, não está. Sei que tempo é tudo, mas que bagunça!

Mas espera aí, será que nada havia mudado até então? Até meus 7 anos eu morei em uma casa com um quintal imenso, todo gramado, cheio de flores, tinha até abacateiro e bananeira. Quando nos mudamos, quando saímos de lá, lembro de olhar meu quarto, meu quarto de sempre, e pensar: “Como será não dormir mais aqui?”. Lembro também de visitar a nova casa, que nem pronta estava e pensar como seria acordar e olhar para aquela rua. Depois de 11 anos, já com 18 anos, olhei para esta rua querendo não pensar em como seria ficar longe daquela casa e das pessoas que eu mais amo no mundo por 2 ou 3 semanas. Saí de casa naquele dia de 2005 sabendo que nada seria como antes, afinal depois da faculdade dificilmente eu voltaria a morar ali. Pensei em como seria morar em uma cidade grande, sem vizinhos que conhecessem meu nome, sem minha mãe para fazer comida ou cuidar de mim quando eu ficasse doente. Passou-se uma semana eu já estava de volta para passar um final de semana. Passaram-se 4 meses e eu já estava de volta para passar férias, e percebi que as mudanças foram muitas, mas ainda conseguia aproveitar o que me sobrava do conforto do lar.

Passaram-se 4 anos, 2008, meu irmão também se mudou, e mudou minha vida em SP também. Passei a me sentir mais perto de Cruzeiro, mais perto da família. Então passaram-se 3 meses, e novamente eu soube que nada seria como antes. Novamente sai daquela rua, com meu pai, minha mãe, meu irmão, querendo não pensar que não voltaríamos os quatro. Saímos como que fugindo. Na verdade estávamos correndo atrás de ajuda, desesperadamente. Minha mãe saiu fraquinha, chorou. Parentes e amigos que estavam ali no portão choraram. Eu não chorei. Não! Voltaríamos os quatro, como sempre foi. Não foi. Mudou, tudo.

Sempre temi que o próximo ano trouxesse mudanças demais, mudanças que não fossem possíveis de se suportar. Mas muito mudou até 2008. Estudei sempre na mesma escola em Cruzeiro. Convivi 11 anos com as mesmas pessoas. E um dia, lá pelo fim de 2003, nós deixamos a sala de aula chorando. Sabíamos que fomos pegos pelo inevitável. Não tinha como ser para sempre. E desde então, infinitas despedidas já ocorreram, e muitas delas nem percebi. Na verdade eu percebi! Acordava percebendo que as coisas estavam diferentes, mas sempre tentando não tratar como despedida, para não ter a consciência do fim, da grandiosidade daquele momento.
Sempre foi assim: rompimento, tristeza, disfarce, adaptação, sentimento de que nada aconteceu, fingir que sempre foi assim.

Sempre é possível viver. Hoje eu vivo, estudo, acordo, dou risada. Estou vivendo. A vida é a mesma? Não. A vida é pior? Sim. Não tem como não ser pior. Hoje sou muito menos criança. A vida está menos colorida, tenho menos ilusões. E há um vazio na casa, há um vazio dentro de nós. Mas mesmo com isso a gente se acostuma. Acho triste, mas sei que daqui um tempo vou sentir que minha mãe sempre faltou. Desde pequena eu ouço sobre a morte da mãe de minha mãe. Pareceu-me que ela sempre faltou. É difícil pensar em minha mãe e seus irmãos com mãe presente. A dor fica, a saudade só cresce, mas a gente se acostuma com a ausência. A gente se acostuma a fazer as atividades que a pessoa fazia, e parece que com o tempo tudo sempre foi assim. Acho triste pensar isso, mas acredito que acontece desse modo. Vivemos muitas coisas juntos, eu tinha certeza que ainda viveríamos muitas coisas. Mas daqui para frente, vai ser tudo sem ela. Por isso eu vivo, por isso eu fico bem. Quero que minha mãe viva muito ainda. E agora ela só pode viver quando a gente vive. Ela se preocupava muito comigo, com meu irmão, com seus irmãos, com meu pai, com seus sobrinhos, com seu pai, etc...Sei que ela sofreu muito em sentir que iria embora, porque sabia que iríamos sofrer muito sem ela. Por isso muitas vezes lembro dela e sorrio. Lembro dela e levanto da cama, mesmo com muita vontade de ficar dormindo. Ela não pode mais viver. Temos que fazer isso por ela.

E quanto às mudanças? Por mais que a gente tente permanecer como está, elas virão. E por mais dura que sejam, não temos escolha! Temos que vivê-las. Mas como não sofrer com o que fica para trás? Sofrer é necessário. Chorar, mas continuar, sempre!

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos" (Fernando Pessoa)

terça-feira, 7 de outubro de 2008

21-23 de maio – A angústia de não saber

(Desculpem o post imenso! Tem muita coisa repetida...Mas preciso disso...)
Na manhã do dia 21 de Maio minha mãe fez uma endoscopia, ainda em Cruzeiro. Neste dia eu tive aula de manhã, e na hora do almoço fui para minha casa (em SP), onde meu namorado e minha amiga também estavam. Meu irmão estava indo para Cruzeiro, afinal no dia seguinte seria feriado.
Quando voltei da aula e cheguei em casa estava muito ansiosa. Nunca na vida, até então, eu tinha passado por isso: esperar resultados de exames médicos com tamanha angústia. Eu senti muito medo, porque eu sabia que poderia aparecer qualquer coisa, era medo do total desconhecido. Eu passei horas tentando ter notícias da minha mãe, e fiquei muito nervosa quando percebi que não conseguia falar com ninguém em Cruzeiro. Por que minha mãe ainda não estava em casa? Por que quando falei com minha avó ela parecia estranha? No meio da tarde fiquei sabendo: a endoscopia não mostrou nada de anormal, a não ser uma verruguinha no estômago, mas minha mãe estava tão fraca que o médico a internou e pediu uma tomografia para ver o que estava acontecendo.
Minha tia Sueli a acompanhou nesse dia. Há poucos dias ela me contou que o médico conversou com ela e disse que os sintomas indicavam que poderia haver um tumor na região abdominal, mas que só poderia afirmar alguma coisa depois de ver a tomografia. Naquela tarde meu irmão chegou em Cruzeiro, esperando ansioso passar mais de 10 dias em casa, com meus pais. Seria feriado e na semana seguinte haveria um Congresso na USP, não teríamos aula. Meu irmão chegou em Cruzeiro e foi direto para a Santa Casa para seu espanto, e se deparou com minha mãe extremamente debilitada e fraca, tomando sangue...
Minha mãe sempre foi impressionada com hospital. Embora sempre tenha sido forte, saudável, descobrimos que estar doente e passar por procedimentos médicos, por mais simples que fossem, a deixava bem ansiosa. Tirar sangue já era sacrifício demais! Quando ela começou a tomar sangue, ficou impressionada com aquela situação e implorou que meu irmão não visse aquilo quando chegasse, queria poupá-lo. Não adiantou: ele chegou e viu. Levou um susto!
No final daquela tarde do dia 21 de Maio, ainda em SP, sai de casa, fui para o estágio, e na rua parei em um orelhão para ligar para Cruzeiro. Meu pai e meu irmão estavam já em casa, mas minha mãe não, ficou na Santa Casa. Eles me falaram que ela teria que ficar internada até fazer a tomografia. É horrível ficar longe!!! Imagino como deve ter sido difícil para as pessoas queridas da minha mãe que ficaram em Cruzeiro recebendo noticias pelos 81 dias que ficamos em SP. A angústia de não saber o que está acontecendo, de pensar que podem estar distorcendo as informações para nos poupar, é enlouquecedora. Naquela noite, voltando para casa do estágio, quando eu ainda estava no ônibus, meu irmão me ligou. Disse que minha mãe ligou da Santa Casa dizendo estar bem melhor. Depois de tomar sangue ela se sentiu mais forte. Ela ficou feliz por que achava que seu problema era só a anemia e logo estaria em casa. Ela me conhecia, muito bem. Pediu que meu irmão me ligasse e dissesse que ela estava melhor. Ela com certeza sabia como eu estava nervosa. Recebi essa ligação quando estava dentro do ônibus, 22:00 horas, voltando para casa. Foi a primeira vez que eu chorei dentro do ônibus, ainda muito angustiada.
No dia seguinte eu iria ainda para o estágio antes de voltar para Cruzeiro, mas assim que a Dani, minha chefe, ficou sabendo o que estava acontecendo, me “proibiu” de ir trabalhar. Naquela noite do dia 21 de Maio foi muito difícil dormir. Eu só pensava na minha mãe dormindo na Santa Casa sozinha em Cruzeiro, pensava no que poderia acontecer, no que estava acontecendo e eu não sabia...Na manhã seguinte acordei cedo, e fui para a rodoviária com meu namorado. Só para me deixar mais triste, só conseguimos uma passagem, tive que ir sozinha e deixá-lo ir no próximo ônibus.
Cheguei em Cruzeiro no final da manhã dia 22 de Maio, era feriado. Tudo estava muito estranho. Percebi que minha família tinha se mobilizado muito por tudo que estava acontecendo com minha mãe, e percebi que isso vinha ocorrendo há pelo menos duas semanas, eu não sabia! Surpreendi-me quando ouvi por acaso que ela tomou duas bolsas de sangue. Como assim??? Daí me explicaram que o médico disse que ela vinha perdendo sangue de alguma maneira, por isso a anemia tão profunda...Eu já sabia que não era uma gastrite, não era úlcera, não era nada comum, nada tão simples, mas o que poderia ser?
Naquela tarde fui visitar minha mãe, eu e muitas outras pessoas. Não chorei ao ver ela na cama, embora a cena tenha me impressionado. Ela, com roupa de hospital, rosto pálido, na enfermaria da Santa Casa. Nunca tinha visto minha mãe de cama em casa, quem diria em um hospital! Sempre a vi como uma pessoa muito forte, saudável. Em hospital, ela sempre foi a acompanhante. Assim que ela viu meu avô - seu pai - entrar no quarto, começou a chorar. Disse que estava chorando de alegria, de ver tantas pessoas queridas. Quem tinha a visto antes, percebeu que ela estava melhor, com mais cor. Foi efeito do sangue. Ela estava animada até.
Havia dois horários de visita por dia, e não poderia ter acompanhante para dormir com ela lá. Voltamos no horário da noite. Ela estava muito desanimada, ao contrário da tarde. Disse que não agüentava mais ficar ali, deitada, sem ter o que fazer. Estava também muito ansiosa porque sentia que seu corpo estava diferente. Ela só poderia sair depois de fazer a tomografia. SUS, cidade pequena, feriado, se não ficássemos em cima o exame iria demorar. Tinha que ser rápido, porque queríamos ela conosco em casa e também porque no fundo sabíamos que dependo do que fosse, seria bom descobrirmos logo.
Naquela noite dormimos eu, meu pai e meu irmão sem ela em casa, pela primeira vez os três em casa sem ela... Fiquei muito tempo na Internet procurando tudo possível sobre os sintomas que minha mãe estava tendo, sobre anemia, perder sangue, sobre sentir-se cheia mesmo sem ter comido muito...Aparecia de tudo: infecções, síndromes, tumores...Vi muitas página sobre câncer, muitas muitas...Quando meu namorado via que eu estava em páginas assim, me mandava sair. Fui dormir pensando nisso...
No dia 23, sexta-feira, acordei cedo, e fui com meu pai até a Santa Casa. Queríamos adiantar o quanto antes a tomografia da minha mãe. Conversamos com enfermeiras, com a assistente social...Disseram-nos que já havia começado a preparação para o exame, minha mãe já estava sob a dieta especial necessária. Como estávamos dentro da Santa Casa, sem que ninguém nos notasse, fomos até onde minha mãe estava. Ela se surpreendeu com a gente ali, fora do horário e ficou contente! Disse que estava melhor naquele dia, que sabia que logo sairia dali. Ficamos até que uma enfermeira percebeu nossa presença e nos mandou embora. Quando fomos até o carro, reconhecemos a janela onde minha mãe estava. Não sei se ela nos ouviu (acho difícil, porque ela não ouvia muito bem), não sei se nos viu por acaso, mas de repente ela apareceu na janela, acenou para nós, sorriu. Essa cena ficou muito marcada em mim. Só de escrever aqui consigo ver claramente ela com aquela roupa rosinha da enfermaria feminina. Mesmo da janela eu consegui vê-la sorrir. Meu pai perguntou se ela queria que nós levássemos nossas duas cachorrinhas ali na rua para que ela visse. Ela prontamente respondeu que não...Quase posso imaginar ela dizendo lá da janela: “Tá louco Valdir?"
Quando voltamos para a visita da tarde minha mãe disse que já havia feito a tomografia. Foi mais rápido do que pensei! Ela disse que foi muito ruim fazer, pois tomou contraste e teve que segurar muito tempo a vontade de ir ao banheiro. Ela disse muito ingenuamente que a médica que fez o exame perguntou há quanto tempo ela não fazia mamografia. Como assim??? Que relação tinha a mama com o abdômen? Estranhei, quis perguntar mais, mas achei melhor não deixá-la preocupada.
Voltamos então para a visita do começo da noite. Desde quando esperávamos na recepção para dar a hora de entrarmos, eu estava muito nervosa. Sabia que sairia logo o resultado do exame, eu era só angústia.
Logo que entramos, uma enfermeira disse que a médica responsável queria conversar com meu pai, ele deveria sair da Santa Casa, andar alguns metros até o consultório particular dela. Meu coração disparou! A médica chamou meu pai para conversar? Não tive coragem de ir, pedi que meu namorado fosse junto para que meu pai não fosse sozinho e para que não escondesse nada de nós. Minha mãe ficou sabendo que meu pai foi falar com a médica e ficou muito nervosa também. Falava e já parava de falar de nervoso, só pensava no exame e no que poderia ser. Lembro que havia algumas pessoas da minha família ali, uma vizinha muito querida nossa, e uma moça de nossa igreja. Eu tentei segurar ao máximo, mas não consegui. Sai do quarto, encostei-me no corredor e comecei a chorar muito. Claro que algo ruim tinha aparecido no exame, não tinha como não ser isso. Eu só pensava em câncer, pensava nas situações em que o médico fala que o paciente tem pouco tempo de vida, pensava se minha mãe teria que fazer alguma cirurgia...Hoje posso dizer que eu pensei nessas possibilidades, mas realmente eu não achava possível. Minha mãe não tinha sintomas há poucas semanas!!! Sempre comeu coisas saudáveis, não bebia, não fumava, não era sedentária, não ficava doente fácil. Mesmo pensando em tudo isso, eu não estava pronta para o que viria.
Quando acabou o horário de visita, minha mãe pediu que eu ficasse para levá-la ao banheiro. Ela havia estado com o intestino preso há alguns dias, mas naquele momento ele soltou. Ela disse que estava muito nervosa pelo resultado do exame, pediu que eu não escondesse nada dela. Fui com ela ao banheiro, fiquei segurando o soro. Lembro de ter pensando estar vivendo algo nunca pensando, ajudando minha mãe em um hospital. Foi a primeira vez de muitas que viriam....
Assim que deixei ela na cama, corri para o consultório da tal médica com meu irmão e nossa vizinha.
Quando chegamos lá, a secretária disse que a médica estava conversando com um senhor e um rapaz já fazia um tempo. Pedi para entrar, mas ela disse que não podia interromper. Ainda esperamos uns 10 minutos. Eu estava tremendo, estava rindo, falando muito, estava visivelmente descontrolada. Sentia como se estivesse em uma casa escura, sabendo que havia um perigo ali, e que daqui poucos minutos alguém iria abrir uma porta que poderia mudar tudo. Chegamos a ouvir a voz do meu pai, tentei ver se ele estava chorando, mas não conseguimos.
Quando os dois saíram, logo vi que não estavam chorando, mas seus olhos estavam bem abertos, assustados. Perguntei o que a médica disse, eu nem me levantei, tive medo de levar um susto. Acho que as vezes a gente tem tanto medo de uma notícia que chega a temer mais a reação que vamos ter. Acredito que ninguém sabe a reação que vai ter perante os problemas até que passe por ele, somos imprevisíveis.
Meu pai enrolou um pouco e disse que “apareceu uma coisinha no fígado”. No fígado? Achei que poderíamos excluir qualquer problema hepático por que os exames de sangue de função hepática estavam normais. Perguntei o que apareceu no fígado. Meu pai disse que a médica iria conversar conosco. Insisti e ele repetiu que a médica iria conversar conosco. Meu pai disse ainda que ela iria dar alta para minha mãe para ela passar o final de semana em casa. Saímos do consultório, andei uns 10 passos em direção a Santa Casa de novo, perguntei a meu namorado o que ela tinha dito. Ele só me falou: “Amor, só te falo uma coisa, é muito grave”. Foi essa a hora em que tomei coragem de falar com a médica. Levei um susto com o MUITO GRAVE, voltei os 10 passos correndo, peguei a médica saindo do consultório falando com meu pai. Chegamos eu, meu irmão, nossa vizinha, meu namorado. Meu pai disse a médica que éramos os filhos. A médica disse, com muita calma, e me olhando bem no olho, que havia aparecido um tumor no fígado da minha mãe, que pelas características era um tumor secundário, uma metástase, e que por isso teríamos que descobrir onde estava o primário. Perguntei se isso era uma certeza, se haveria outra possibilidade. Ela disse que nada é 100%, mas que tudo indicava que era isso sim. Até aqui eu ouvi atentamente, prestei muita atenção, quis me mostrar forte, mas quando ela começou a falar que deveríamos levar minha mãe para um hospital melhor, onde ela pudesse passar por um oncologista e que não poderíamos esperar muito tempo, comecei a chorar compulsivamente. Meu namorado me abraçou, vi que meu pai começou a chorar, meu irmão também, minha vizinha também. Entendi a sensação de ter o chão tirado de seus pés...acontece quando você demora a acreditar que realmente está acontecendo aquilo, que é com você e sua família, que é sobre a sua mãe e não a de outra pessoa, sempre é com os outros, sempre...Agora era com a gente.
Depois meu namorado me contou que dentro do consultório, ao ver o Egidio a médica perguntou quem era ele. Ao ouvir que ele era namorado da filha da paciente, ela disse: “Ah que susto, achei que fosse filho”. Nisso meu pai já perdeu a fala. A médica começou perguntando: “Vocês sabem o que é metástase?”. Meu namorado, o Egidio, sabe muito bem o que é isso. Há alguns anos o pai dele vem lutando contra essa doença, contra o câncer...Ele vem sendo vitorioso, Graças a Deus! Sei que o Egidio, por mais acostumado que estivesse com a palavra metástase nunca pensou ouvi-la ali naquele dia, com minha mãe. Meu irmão disse que na hora não entendeu, não sabia o que era metástase. Claro que não! Não fazia parte de nós essa realidade. Eu sabia por acaso: algumas revistas, um livro do Drauzio Varella sobre a morte a partir de relatos de pacientes com câncer...
A médica não disse que era câncer, mas a gente sabia. Metástase? Quem descobre um caroço na mama, faz biópsia, vê que é maligno, faz cirurgia, faz quimioterapia, tudo com o objetivo único de não dar metástase. O câncer dá metástase quando o tumor avança, quando a doença progrediu a ponto de espalhar...e era com a gente...
A médica disse que na tomografia foi possível ver uma densidade diferente na mama esquerda, e que o tumor primário poderia estar ali. Daí a pergunta da médica da tomografia para minha mãe. Acabou que não foi nada disso...(Aliás, a médica não disse, ficamos sabendo depois que na verdade eram metástases, no plural, várias, tomando conta do fígado da minha mãe).
Ainda na rua, indo para a Santa Casa, meu pai chorando me disse: “Como sua mãe vai lidar com isso? Ela sempre odiou hospital” Nós sabíamos que aquilo iria mudar nossa vida para sempre, sabíamos que passaríamos por situações horríveis em hospital. É estranho lembrar de como falamos disso, e pensar em tudo que passamos mesmo. E é duro pensar que tudo foi muito mais rápido do que pensamos...Juro, naquele momento eu não pensei que minha mãe não passaria o Natal com a gente...Eu não pensei que podia ser assim.
Combinamos com a médica que falaríamos para minha mãe que ela estava com uma insuficiência hepática e que teríamos que levá-la para outra cidade para ver o que estava causando aquilo. Queríamos ter um final de semana com ela, sem que ela soubesse, sem que tudo fosse tão duro.
No caminho pelo qual andamos rápido do consultório da médica até a Santa Casa, só choramos, falamos algumas coisas. Demos um tempo antes de entramos no hospital, para dar tempo da médica arrumar a alta e para que não parecesse que havíamos chorado.
Quando paramos de andar, senti uma sensação horrível no corpo todo. Não tinha como ficar calma, me tranqüilizar, senti alguma coisa quente da cabeça aos pés, senti que se era para passar por aquilo passaríamos com força, iríamos lutar, eu nao podia perder minha mãe, não, e não consegui parar de andar e lembrei de ligar para minha tia. Minha tia Valéria também mora em SP, e ela e meu tio com certeza ajudariam a gente a arrumar vaga para ela em algum hospital. A médica disse que a assistente social da Santa Casa poderia conseguir uma vaga em Guaratinguetá ou Taubaté. Mas logo dissemos que não. Eu sabia que se existe algo a ser feito, seria em SP.
Eu tremia muito com o celular na mão. Minha tia estava em Ubatuba, com sua família, minha avó, meu avô, meu primo Rafael e sua namorada Amanda. Demorou até que eu conseguisse falar com minha tia. Ela estranhou minha ligação. Logo que atendeu perguntou se estava tudo bem. Lembro de ter falado, com a voz trêmula, pausando a cada letra. Falei: “Tia, minha mãe tem que estar segunda-feira em SP. A médica disse que apareceu uma metástase no fígado dela”. Minha tia ainda pediu que eu repetisse. Ela ouviu, mas acho que era uma coisa tão absurda que ela preferiu não entender. Minha tia também sabia bem o que era aquilo...Sei que aquilo acabou com o passeio deles. Sei que aqueles que estavam em Ubatuba não acreditaram ao ouvir a explicação da minha tia sobre o que tinha dado o exame da minha mãe. Sei que depois disso meu tio pegou no telefone e não sossegou até conseguir falar com alguém que pudesse ajudar. Foi o começo de uma grande ajuda que recebemos deles nesses 81 dias...
Quando nos recuperamos subimos até a enfermaria. Todos com aquela cara de coragem. Vagamente lembro que ficamos nos encorajando, falando que para tudo tinha jeito hoje em dia, que a medicina estava avançada...
Ao entrarmos no quarto, foi difícil olhar para minha mãe...Ela parecia muito frágil, e muito mais doente. Ela arregalou os olhos, perguntando do exame, pedindo que não escondêssemos nada dela. Falamos que tinha dado uma insuficiência hepática, e que talvez teríamos que ir para outra cidade para investigar melhor o que seria. Ela percebeu que alguma coisa estava errada. Perguntou "o que era uma insuficência hepática". Descobri desde esse dia que perto dela eu não conseguia chorar, que perto dela eu ficava muito forte, perto dela eu não pensava em perdê-la, eu só pensava que estávamos ali, juntos!
A médica veio até nós, explicou a minha mãe a história da insuficiência hepática. Não foi uma mentira. Era mais ou menos isso. Mais que ela nós só sabíamos que havia o tal tumor...ainda precisaríamos investigar algumas coisas. Fiquei com ela no quarto e a ajudei a trocar de roupa. Descemos todos nós com ela as escadas da Santa Casa, fomos até o carro. Contentes por fora por levá-la para casa e querendo mostrar tranqüilidade; por dentro cada um vivia momentos de solidão e silêncio, algumas palavras estavam pulsando, gritando, desconexas ainda – METÁSTASE, TUMOR, CÂNCER - havia dúvidas, medos – COMO SERIA BOM SE FOSSE OUTRA COISA. Era tudo novo, era tudo tão impossível, mas era real... Meu Deus, não com minha mãe...
(cont.)

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Imprevisível...

Eu sempre achei que se nós os tratássemos bem, eles não iriam embora logo...
Eu cresci ouvindo minha mãe dizer que não ter mãe faz a vida ser mais dura, mas nunca imaginei que isso fosse possível. Vou ter que falar o mesmo a meus filhos...
Ontem mesmo ela estava aqui preocupada com a gente, como pode agora não estar em lugar nenhum?

É triste pensar que vamos ser obrigados a deixar as pessoas para trás quando elas mais precisarem da gente..."jogá-los do penhasco sem estar lá para segurá-los"...

domingo, 28 de setembro de 2008

"A vida continua e se entregar é uma bobagem..."

Quando arrumo a casa, quando estudo, quando vejo meu irmão estudando, fazendo planos, quando faço planos, quando vejo meu pai varrendo o quintal e arrumando as contas, fico bem, sinto uma paz...
Acho bonito como a vida continua, sinto que somos fortes, apesar de um buraco imenso ter sido aberto na família e dentro de nós. O que passamos foi e está sendo muito duro...nas muitas idas ao hospital, nas esperas de exames, nas noites em que minha mãe não dormia, nas conversas angustiantes sobre morte que tínhamos com ela, na última semana quando nos deparamos com a realidade de que não havia muito tempo e iríamos perdê-la, na ausência dela em nossa casa, na visita ao cemitério, tudo muito triste! São situações que sempre me desesperei em pensar acontecer com a gente, mas aconteceu, e ainda estamos vivendo. Agora sinto que consigo enfrentar quase tudo na vida, consigo ver menos problemas nas pequenas coisas, e não tenho mais tantas ilusões. Ainda acredito que temos momentos muito bons, dá para ser feliz, mas ninguém está livre de nada, nada! E tudo tem um fim, temos que aproveitar tudo mesmo, tudo tem seu tempo de ser, e desperdiçar isso com coisas sem importância só nos faz perder chances...Clichê né? Na verdade assim sempre pensei, mas só agora sinto assim...

Hoje estou bem. Sei que minha mãe temia que nós não fôssemos para frente se ela fosse embora, então ficar bem é necessário, me faz sentir que vivo por ela.
Mas sei que por muito tempo vai ser duro sentir sua ausência. Sempre que fico triste e choro é de pensar que há tão pouco tempo tudo estava tão bem, e ninguém poderia imaginar o que aconteceria...
É duro saber que não adianta chorar, nada vai mudar...
Agora sei o que realmente é sentir saudades, dói, e só vai acabar quando for a minha vez...O tempo ajuda a convivermos com isso, a por os verbos no passado...
O mais estranho é sentir que ela só existe dentro de nós...

(PS. Vou continuar a contar tudo que aconteceu, cronologicamente...Não estou achando tempo, mas quero fazer isso...Logo posto de novo)

sábado, 20 de setembro de 2008

Quem a ensinou a ser mãe?

Quase todas as noites sonho com a morte da minha mãe. Já sonhei muito com alguém vindo me contar que ela estava morta e eu dizendo que já sabia. Mas por duas vezes sonhei com ela viva. Viva, depois da morte. E nas duas vezes, embora a situação e o cenário fossem diferentes, o conteúdo foi o mesmo: contei para ela como foi seu velório. Fiquei pensando na razão disso, por que sonhar com isso duas vezes? Cheguei a conclusão que sonho com isso pois queria muito que minha mãe visse quantas pessoas estavam lá, e como poucos acreditavam no que tinha acontecido... Queria que ela se sentisse querida.
Minha mãe e seus irmãos tiveram uma história de vida muito triste. A mãe deles morreu muito jovem, 30 e poucos anos. Minha mãe tinha apenas 7 anos. Dos 7 aos 22 anos, a idade com que se casou, minha mãe não teve uma casa para chamar de sua. Na última semana de Maio, já na casa da minha tia em São Paulo, deitei ao lado da minha mãe na cama, com a luz apagada e ficamos conversando muito tempo, pela madrugada. Ela me falou que não havia se perguntando o porquê de sua doença, pois não era melhor que ninguém. Podia acontecer com qualquer um, por que não com ela? Mas ela estava tentando ver propósito naquilo. Se não existe um porquê, existe um para quê? Ela começou a me contar sua história, grande parte eu já sabia, mas ela acrescentou alguns fatos novos para mim.
Minha avó materna morreu muito jovem, deixando 7 filhos, todos ainda crianças. Logo meu avô se casou, com uma mulher que, embora hoje tenha um bom relacionamento com os enteados, (claro) não cuidou deles como uma mãe faria. Os irmãos mais novos de minha mãe, que eram praticamente bebês, foram morar com pessoas da família que os criaram quase como filhos. Os mais velhos ficaram e passaram por coisas bem ruins. Minha mãe, quase que por acaso, aos 11 anos, foi morar com uma família desconhecida, trabalhando para eles como empregada doméstica. Teve que sair da escola, na quarta série. Ela sempre me disse que chorou muito quando não pôde mais estudar. Por isso sempre incentivou muito que eu e meu irmão estudássemos. As pessoas da tal casa falavam que ela era da família, mas ela não participava de festas e comemorações, só ficava na cozinha trabalhando. Ela nunca ganhou salário, embora tenha se surpreendido quando saiu de lá com uma quantia em dinheiro que a mulher da casa guardou para ela durante os anos. Às vezes ela queria passar o final de semana na casa de seu pai ou de seu avô, mas todos já cuidavam de muita gente, já havia irmãos seus nesses lugares, e ela não era bem vinda...
Na madrugada em que conversamos, minha mãe me contou alguns acontecimentos pelos quais passou que mostram nitidamente como ela se sentiu sem família por um tempo, mostram como ela não tinha praticamente ninguém que se dedicasse a ela, como lhe faltou uma mãe! Coisas que só mãe faria, ela não teve...
Quando ela começou a namorar meu pai, teve que sair da casa da família em que morava, porque “era responsabilidade demais” ter uma “menina solteira em casa namorando”. Por intermédio de algumas pessoas, como seu avô e dois tios, ela passou um tempo na casa de seus avos, até casar.
Naquela madrugada ela me disse que começou a ser feliz depois que casou, quando teve uma casa para chamar de sua, para cuidar do seu jeito, quando começou a morar com alguém que a tratava bem. Ela poderia recomeçar, ter uma família.
Minha mãe estava tentando entender qual o sentido de agora, 23 anos depois, se ver com uma doença tão grave. Naquela madrugada eu fiquei muito triste, chorei e ela não percebeu porque a luz estava apagada. Que mundo injusto! Já não basta tudo que sofreu na vida, ainda tinha que passar por tudo que passou...Em Maio eu não sabia, mas hoje sei por quanto sofrimento e angústia ela ainda passaria antes de ir embora...
A mulher que cuidava da minha mãe morreu com câncer, logo depois que minha mãe se casou. Minha mãe foi um dia visitá-la enquanto ela estava doente, conversaram muito, a mulher pediu perdão por alguma vez ter deixado minha mãe triste, as duas choraram. Minha mãe me disse que naquela semana de Maio havia sonhado muito com ela, com essa mulher, pois se viu com o mesmo destino.
Quando minha mãe recontou sua história agradeci a Deus a chance que ele deu a mim, a meu irmão e a meu pai de tornarmos a história da minha mãe mais feliz. Minha família era feliz, mesmo quando tínhamos dificuldades, que Graças a Deus foram poucas. Sei que minha mãe trazia consigo muito ainda do que aconteceu em sua vida, mesmo que às vezes tentasse negar. O que mais a deixava triste na vida era perceber pequenas situações em que pudessem estar excluindo-a, mesmo hoje em dia. Lembro de várias vezes ela falar que tinha medo de envelhecer e ficar sozinha, de eu e meu irmão termos nossa vida e esquecermos dela. Nunca fizemos nada que demonstrasse que isso pudesse acontecer, mas sua história a fazia temer a solidão, mais que tudo.
Acho que já falei isso aqui...Todas as noites, desde meados de junho de 2008, depois de chegar do estágio ou da faculdade, eu dava banho na minha mãe. Tinha dias que eu estava muito cansada. E ela sempre estava me esperando chegar para ajudá-la. Mesmo cansada, eu ia ao banheiro com ela, às vezes me molhava inteira, às vezes meu braço doía de ficar segurando o chuveiro super potente da minha tia que massageava as costas da minha mãe por vários minutos...Mas eu pensava: “Quando alguém deu banho na minha mãe, mesmo quando ela era criança?” Nunca, tenho certeza! E eu ficava feliz em poder fazer isso com ela. Havia dias em que ela estava melhor e que com certeza ela conseguiria ir sozinha tomar banho, mas se sentia insegura. Hoje agradeço a Deus Ele ter me permitido ir todos os dias com ela. Todas as noites meu irmão fazia massagem nos pés da minha mãe, por vários minutos, e ela ficava com os olhos fechados e a boca em "formato de sorriso". No hospital, quando ficou internada em junho, ou quando fazia quimio ou tomava sangue, muitas vezes não era permitido que a acompanhássemos o tempo todo. Mas ela dava um jeito, conversava com uma enfermeira, fazia um charme (a gente brincava que ela seduzia os enfermeiros, pegando na mão, falando com voz de pena), e deixavam que a gente ficasse. Meu irmão, que teve férias em julho, ficou todos os dias ao lado da minha mãe. Ainda bem que pudemos fazer isso. Como é triste ver pessoas no hospital que não têm acompanhantes, mesmo quando é permitido! É triste ver mães, que se dedicaram tanto a seus filhos não terem, no momento em que mais precisavam, carinho e amor das pessoas que elas mais amavam...Vi muitas situações assim no hospital nessas semanas!

Eu queria que hoje minha mãe soubesse como ela está fazendo falta para tantas pessoas! Claro que ela sabia que essas pessoas a amavam, mas eu queria que ela tivesse uma certeza absoluta, uma certeza sem furos, sem pingo de dúvida. Por isso sonho com eu contando a ela do velório. É estranho falar, por mais triste que seja a situação: o velório foi bonito. Estava cheio! Foi na igreja, como ela gostaria, tenho certeza. Muitas pessoas hoje me falam como minha mãe era boa, como ela fazia diferença. Isso me deixa bem, me faz pensar muito no sentido de estarmos aqui, de vivermos, pensar no que realmente deixamos na Terra, o que vale a pena acumular. Minha mãe se foi, muito cedo, de maneira inesperada, mas deixou tanto, que vai ficar aqui dentro de nós, seus filhos, amigos, irmãos, tios, por muito e muito tempo.....
Pergunto-me como uma pessoa que não teve referência nenhuma de mãe conseguiu ser uma mãe tão única, tão sábia. Dedicou-se demais a nós. Se existe missão na Terra, a dela foi nos criar. Foi só os dois filhos saírem de casa, que ela se foi.