sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Receita de família

Pega todas as ambiguidades da vida. Junta com crianças que são sempre crianças mesmo com 60 anos, e pega dependência, e pega ciúmes, e pega controle, e pega cobrancas, e pega amor. E coloca aí ter um ser que cresce dentro de outro. E tanto amor que não cabe numa pessoa. E mistura tudo isso num contínuo de tempo que de tão velho, não tem começo nem fim: são gerações e gerações. E tudo é quase que um jogo de sorte: quem nasceu primeiro, quem precisou mais da mãe, quem nasceu na época das vacas gordas ou magras; não faz muito sentido quem vai ser o que, quem vai ser vilão, quem vai ser mocinho. Uma mistureba só!

E adiciona aos poucos novos membros, que vem de outras famílias, carregando suas próprias bagagens, que ocupam papéis novos: talvez noras nem tão queridas, genros não preferidos, e sogros e sogras, e afilhados, e divórcios, e segundos casamentos, e segundo genros e noras. E todas as relações se misturam, se entrelaçam, de década em década. Com tantas mudanças no mundo. Com individuos tentando ser gente, cada um de uma forma, cada um dando valor diferente ao tempo, ao dinheiro, á carreira. Traumas são repassados, ou não. Curas acontecem, ou não. Alguns se desprendem de ciclos doentios, e criam do nada ciclos tão saudáveis que parecem até de mentira.

E acrescenta ainda heranças, e genética, e mudanças, e distâncias. E saúde, e perdas gigantescas, e envelhecer, e todos os obstáculos da vida. E todos os sentimentos que são tão claros de se ler, e um tantão de outros que só sabe mesmo quem sente. E joga um bocado de culpa, remorso, churrascos, obrigações, preferências, risos, sopa quente, cemitérios, igrejas. Quem era cuidado vira cuidador. Nomes. Laços tão fortes que causam danos e curas irreparáveis. Te fazem chorar igual criança mesmo já sendo marmanjão. E também dão sentido pra vida. Qualquer família nesse mundo dá um livro, drama, romance, intriga, mistério, comédia.

E mesmo com todas as ambiguidades, com guerras e amores, ainda assim sempre se quer o bem. Porque família é quem divide com você o passado, desde seu abrir dos olhos. Quem viu você crescer, quem conheceu sua bisavó e sua mãe. Quem você viu engatinhar, e vê se formando na faculdade. Quem era crianca com você. São aquelas histórias que não importa a distância estarão sempre misturadas na sua. Quem vai dividir com você as melhores festas e as piores dores, não por empatia, mas sim porque são também as festas e dores deles. Vão te chatear, e vai parecer que não gostam de você, ou que não se importam, ou que você não se importa. Mas sabe? Há amor. Mesmo que na intensidade haja sofrer, vale a pena o esforço de quebrar os ciclos de erros e rancores que se repetem geração após geração. Vale o esforço de aceitar quem é tão diferente, mas tão parte de você. Vale também você poder ser você, com qualquer defeito ou qualidade. Com suas escolhas sérias ou inconsequentes que deixariam seu avô de cabelo em pé. Ou escolher outra religião, ou escolher ser único. Não importa. Mesmo quem tenta correr. Mesmo quando te fazem correr. Há amor, ás vezes disfarçado de qualquer outra coisa. Há amor. Quebre os ciclos apenas, porque os laços, esses aí não dá não, pode tentar, pode se esforçar: os laços não se quebram.





"No one fights dirtier or more brutally than blood; only family knows it’s own weaknesses, the exact placement of the heart. The tragedy is that one can still live with the force of hatred, feel infuriated that once you are born to another, that kinship lasts through life and death, immutable, unchanging, no matter how great the misdeed or betrayal. Blood cannot be denied, and perhaps that’s why we fight tooth and claw, because we cannot—being only human—put asunder what God has joined together." -Whitney Otto

8 de dezembro, dia da familia

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