terça-feira, 17 de dezembro de 2013

De volta a realidade



                Fiquei muito tempo sem escrever simplesmente porque fiquei um bom tempo fingindo que tudo estava bem. Fingi tão bem que me convenci. Mudei-me para Nova York com meu marido, passei quatro meses aqui, trabalhando bastante, conhecendo a cidade, fazendo pequenas compras, e principalmente inventando outros problemas para ocupar minha preocupada cabecinha.
                Ajudou que meu pai passou alguns meses muito bem. Assim que eu sai do Brasil, ele arrumou ânimo não sei de onde. O médico decidiu parar com as quimios, que estavam fazendo mais mal do que bem. Conclusão: a anemia acabou, e meu pai teve alguns meses bons! Independente, saindo para fazer compras, mudando coisas na casa, comprando coisas de decoração. Meu irmão até pode vir me visitar. Isso me deixou muito bem. Percebi que minha decisão de voltar pros Estados Unidos foi certa. Comecei até a pensar na possibilidade dessa doença estacionar de vez, e de ele ir levando por um bom tempo.
                A verdade é que entrei num processo longo e profundo de negação. Me fiz acreditar que tudo estava bem, de verdade. Levei uma vida bem normal nesses meses. Desloquei toda a energia da minha ansiedade para problemas que não são de vida e morte: tentando arrumar mais trabalho, me tornando uma esposa bem ciumenta, gostando novamente de cidade grande e metro cheio, etc etc.
                Até que marquei minha passagem para passar o natal no Brasil. Foi incrível, marquei a passagem, a realidade caiu na minha frente. Não posso negar que coincidiu com o começo do frio (que odeio, e me deixa naturalmente pra baixo) e com uma certa piora do quadro do meu pai. Ele começou a comer menos, ficar anêmico de novo, perdeu o ânimo que tinha.
                Na última semana, de repente ele passou a ter visão dupla. Foi no oftalmo, que descobriu que uma parte do nervo do olho esquerdo está trabalhando menos, e não acompanha o outro olho no foco. Agora ele ficou ainda mais debilitado com isso, não pode dirigir, e fica constantemente tonto, sem equilibrio. Ainda não sei se isso tem a ver com o câncer (infelizmente metástase cerebral é sempre uma possibilidade), ou se é alguma coisa independente. Hoje ele ia no oncologista.
                Na última semana não consigo dormir, e não consigo acordar. Domingo que vem pego o voo pro Brasil, e só de pensar nisso tenho quase uma crise de ansiedade. Encarar a situação de frente não é fácil. E o fato que eu moro em outro país traz MUITAS complicações. Por mais que seja dificil para muitas pessoas entenderem, eu não posso simplesmente ficar no Brasil o tempo que eu quero. Não existe isso da gente poder parar tudo, por mais que a situação seja grave. Tenho trabalho, tenho contas. Minha vontade era sim ficar com meu pai, ajudar, passar tranquilidade, mas largar tudo aqui não vai me ajudar a lidar com o que virá depois que esta história acabar. Isso é racional, mas emocionalmente me sinto muito culpada.
                As vezes eu nem acredito que essa situação toda acontece. Quando eu decidi me mudar para cá foi uma decisão que veio junto com todas as consequências possíveis. Morar em outro país é muito dificil. Aprender como tudo funciona e ficar longe de todas as pessoas da sua vida é dificil. Mas realmente eu não esperava essa situação, ter meu pai com uma doença grave, sem cura, ele precisando de pessoas lá, e eu longe.
                A principio vou passar duas semanas no Brasil. Quero ficar o tempo todo com meu pai. Quero aproveitar qualitativamente esse tempo. Não sei o que vai ser depois. Tenho trabalho na segunda semana de janeiro, pessoas contando comigo. Mas me parece que meu pai piorou muito nas últimas semanas. A vida não é fácil.

terça-feira, 9 de julho de 2013

De volta nos EUA

Já faz um mês que voltei aos Estados Unidos. Desde minha última postagem algumas coisas aconteceram. Lidar com tudo sem ajuda foi impossível e comecei a fazer terapia. Foi muito bom, principalmente para eu entender que não podia parar minha vida para estar com meu pai. E que o processo da doença dele iria acontecer, eu estando lá ou não. Em terapia decidi voltar pros Estados Unidos, antes de completar seis meses de ausência. Sou legalmente uma residente, e ficar muito tempo fora não soa bem. Posso ter problemas com a imigração, o que afetaria drasticamente meu futuro.

Decidi voltar, mas decidi adiar o mestrado. Quando existe uma boa razão, eles permitem que você comece no próximo ano acadêmico. Conversei com o médico do meu pai, e conclui que seria a melhor saída. Não posso passar esse ano inteiro no Brasil, mas é bom eu saber que a qualquer momento posso voltar para ajudar meu pai, sem ter compromissos acadêmicos. E quero me dedicar 100% ao mestrado. Solicitei e me concederam o adiamento.

Não foi fácil sair do Brasil. Por mais que eu tenha me preparado, não posso fazer outras pessoas entenderem. Minha familia é inteira de uma cidade pequena, em que poucos tiveram a iniciativa de sair da cidade. A idéia de uma filha deixar o pai com uma doença grave é bem estranha, e sei que sou julgada. Mas venho aprendendo a não me incomodar muito com isso. Só a gente mesmo conhece nossos passos. Se ninguém nunca vai estar nos meus pés, ninguém nunca vai ter qualquer tipo de base para, nem mesmo, tentar me entender. Desde quando comecei este blog minha vida tomou um rumo tão único, que já passou a muito tempo do ponto em que alguém que morou a vida inteira na mesma cidade possa entender. 

Vim, com força e coragem. Nem chorei saindo de Cruzeiro. Nem chorei pegando o avião. Chorei só um pouquinho quando minhas amigas Luiza e Kátia foram se despedir de mim no aeroporto, e uma delas me disse que eu era uma boa filha. Chorei porque a realidade parece dizer o contrario. Apesar de tudo, eu me acho boa filha sim. E me sinto mal por não poder fazer mais. Queria sim poder ficar o tempo todo com meu pai, ajudá-lo, até quando ele precisasse. Mas infelizmente na vida a gente tem que tomar decisões maduras, que não são apenas baseadas no Querer. 

E ainda bem, a vida sempre nos surpreende. Vim pros Estados Unidos com a idéia de voltar para o Brasil, quando meu pai precisar. E eis que ele está muito bem! Talvez seja o intervalo da quimio (que deixa ele bem anêmico). Meu pai está bem mais animado que antes, resolve suas coisas, cozinha, faz compras. A perna e a barriga ainda estão inchando, mas ele está conseguindo se virar. Isso me deixou muito feliz, pois aconteceu bem quando todos nós precisavamos. Quando eu estava lá, eu fazia tudo! Eu quase não conseguia enxergar como seria possivel minha ausencia neste momento, mas eis que novamente descubro, ainda bem, não somos insubstituiveis. 

Mas claro, sr Freud, as coisas não são tão simples assim. Nas ultimas duas semanas venho tendo o mesmo tipo de sonho. Coisas acontecem, e alguém me avisa que minha mãe está morrendo. E eu sinto uma tristeza absurda! E no sonho, vou ve-la e a gente conversa. Em um sonho ela me disse que queria passar o dia das mães comigo. No sonho de hoje eu tinha que pegar um avião, mas estava adiando para estar com ela quando ela morresse. Acho que claramente tem tudo a ver com meu pai, e o fato de eu estar longe.

Para completar meu avô, pai do meu pai, não está bem. Já está sem noção das coisas, e fica mais na cama. Tentei ajudar um pouco quando estava lá, já que era a única neta na cidade. Mas agora não posso mais. Está sendo um momento muito dificil para a família. 

No começo de agosto meu marido se muda para NY, e vou mudar com ele. Vai ser meu endereço nos EUA até meu mestrado no próximo ano. Estou animada para estar em outras ares, explorar uma nova cidade. Mas ter duas realidades tão diferentes é pesado! Esse mês não está sendo fácil, porque é um mês de dupla transição. Passei seis meses no Brasil, e ainda estou me reacostumando aqui. De repente aquela realidade de doença e hospital não está no dia a dia, mas está mais forte dentro de mim. Não vai embora. É dificil não ver a morte como um tema recorrente. É muito dificil não me pegar pensando em como a vida é sensivel.  

Tentando não me preocupar demais com o futuro. Sei que tudo vai acontecer na hora certa para acontecer. E eu estarei no lugar certo também.
 



sexta-feira, 10 de maio de 2013

E ela arrumou algum jeito de me dizer que eu estou bem...


E depois da morte? Há um tempo eu não sei exatamente em que acredito. Minha única certeza é que eu não quero que exista  um fim. Depois de ver, de perto, o fim da vida de alguém tão próximo, é dificil colocar dentro da cabeça que não existe nada depois daquele último suspiro. É inconcebível acreditar que a vida, esse jogo de ar, pulsos, sorrisos, pulos, ansiedades, lágrimas, sonhos, planos, acabe quando o coração para. É confuso entender que toda a vida vai embora. É difícil pensar que o amor de mãe vá pra lugar nenhum.

Há quase duas semanas vivi uma situação um tanto quanto impressionante. Foi a segunda vez que tive uma clara percepção de que talvez existe mesmo algo pra lá, não sei onde, não sei como. Era uma segunda-feira. Na parte da manhã passei algum tempo no celular, facebook, notícias, sites variados. Esbarrei num site (http://thenicestplaceontheinter.net/) que tem um video que se propõe ser abraços virtuais. Com 10 segundos de video, parei de assistir, sem prestar atenção nenhuma na música de fundo. Depois disso fiz muitas outras coisas no meu celular.

No meio da tarde tomei banho, me arrumei, e ao olhar pro espelho, comecei a pensar no sonho que meu irmão tinha tido naquela noite. Ele sonhou que conversou claramente com nossa mãe, e ela contava como tinha sido ruim a experiência de morrer, e sobre como não lembrava de seus últimos dias. Comecei a pensar nela, e me deu uma tristeza. Aquele sentimento de como tudo seria mais fácil com ela aqui, como ela era um apoio em nossas vidas. E neste momento meu celular, que estava num criado-mudo começou a tocar uma música. Levei um susto! A primeira palavra que eu entendi foi graveyard, que quer dizer “cemitério”. Susto! O celular só tocou, não acendeu a tela. Prestei atenção na letra, e percebi então que meu celular estava “tocando” novamente o video que eu tinha assistido naquela manhã, mas sem mostrar o video, e sem qualquer intervenção minha. Prestei atenção na letra e comecei a chorar muito, de soluçar.

A parte que tocou diz assim:

“And when I grow to be a poppy in the graveyard 
I will send you all my love upon the breeze 
And if the breeze won’t blow your way, I will be the sun
And If the sun won’t shine your way, I will be the rain
And if the rain won’t wash away all your aches and pains
I will find some other way to tell you you’re okay.”

Tradução bem livre:

E quando eu virar uma flor no cemitério
Eu vou te mandar todo meu amor por meio da brisa
E se a brisa não abrir seu caminho, eu serei o sol
E se o sol não iluminar seu caminho, eu serei a chuva
E se a chuva não lavar todas as suas dores
Vou encontrar algum outra maneira de te dizer que você está ok.

Depois descobri que a música foi realmente escrita por uma mãe, e a primeira parte é sobre como ela vê seu filho e descobre que na verdade nunca tinha amado alguém como ama aquela nova pessoa que veio de dentro dela. “I have never loved someone”, da banda My Brightest Diamond.

            Linda, linda! Assim como minha mãe, que tinha o maior amor do mundo, tão forte que ainda chega até mim.



quarta-feira, 27 de março de 2013

Harvard

Quando eu fui para os Estados Unidos em julho de 2011, fui com muitas dúvidas. Eu e meu marido tomamos a decisão de última hora, depois de uma tentativa frustrada de morar em São Paulo. Eu queria continuar estudando, fazer mestrado. Ele não se adaptou à vida paulistana, de muito trânsito e barulho.

Meu plano inicial era tentar fazer mestrado no USP, já tinha proximidade com uma professora, já estava por dentro do processo de seleção. Mas no final eu decidi por um desafio diferente. E foi por isso que decidi ir para os Estados Unidos. Sem saber se seria possível, sem saber muito bem como fazer, peguei o avião falando para todo mundo que eu iria estudar. Mas eu fui bem sem noção de nada. Sabia que tinha um longo caminho, precisava de tempo para aprender inglês para as provas de seleção, para me regularizar no país e para organizar toda a papelada para minha candidatura para as universidades. Foi 1 ano e meio de MUITA ansiedade e incerteza.

Claro que eu queria muito estudar em uma universidade muito boa, que fosse igual ou melhor que a USP. Mas eu não sabia, de jeito nenhum, se seria possivel. Eu passei algumas semanas pesquisando os programas de mestrado que eu poderia me interessar e descobri a área de Educação Internacional Comparada. Eu tinha feito pesquisa durante a graduação em educação e psicologia, e seria muito legal ganhar essa perspectiva internacional, estando agora em outro país. Duas das universidades que oferecem este programa me chamaram muita atenção: Columbia e Harvard. Comecei a construir esse sonho dentro de mim, estudar em uma das duas. Era um sonho tão grande, e tão impossível, que eu não contei pra quase ninguém. Um dia, em agosto de 2011, no meio da madrugada, precisava compartilhar com alguém e mandei um e-mail pro meu irmão, com um link do programa de Harvard, dizendo que aquele era meu sonho secreto, seguido por risos.

Sonhava, mas meus primeiros meses nos EUA não foram fáceis. Culpa por deixar a família, medo de me arrepender do caminho que escolhi, de acabar não conseguindo estudar, o que seria meu único modo de mais tarde arrumar um bom emprego por lá. Eu arrumei um trabalho de meio periodo em uma padaria brasileira, o que foi muito bom para guardar dinheiro para os gastos que viriam com os documentos e inscrições para o mestrado. Mas eu não queria que aquele trabalho temporário se transformasse em algo permanente.

Assim que cheguei nos EUA,  me matriculei em uma aula de inglês numa Community College. Três vezes por semana eu ia nessa faculdade ter aulas de inglês com alunos americanos do primeiro ano de diversos cursos de graduação. No outro semestre me matriculei em uma aula de inglês como segunda língua (ESL) na Clark University, onde fiz aulas de cultura americana e inglês com alunos internacionais da faculdade. Também me liguei a uma instituição para trabalho voluntário, onde eu ia uma vez por semana brincar com crianças de família que moravam em abrigos. Preenchi meu tempo com o que eu achava poderia me levar onde eu queria.

No meio dos dois cursos, em janeiro de 2012, assinei um papel que era o selo da minha decisão de ficar nos EUA, me casei. Com isso dei entrada nos meus papéis de residência, o que me trouxe muitas angústias por meses, já que burocracia é sempre UÓ, e fiz tudo sozinha, sem pagar advogado. No final, olhando para tráz, posso dizer que foi um caminho rápido. O sistema de imigração americano, tão sobrecarregado, me surpreendeu. O green card chegou depois de 10 meses.

No começo de 2012 tracei um plano do que eu deveria fazer para ter todo o necessário até o final do ano, os prazos de inscrição das Gradschools, os departamentos das universidades onde se estuda mestrado e doutorado.

Estudei algumas meses especificamente para o TOEFL, a prova de proficiência em inglês. Em agosto fiz a prova e tirei 114, acima dos 100 pontos que as melhores universidades pedem. Depois estudei para o GRE, que seria meu grande desafio. GRE é a prova geral que todos os candidatos a mestrado e doutorado tem que fazer, que mede habilidade em inglês e área de exatas. Era meu grande desafio pois eu seria comparada com os alunos americanos, eu tinha uma natural desvantagem. Acabei parando no percentil 83. Não é uma pontuação estelar, mas era o suficiente para ter chances de ser aceita nas univerisdades que eu queria.

No meio de 2012 escolhi as universidades para as quais me candidataria: Harvard, Columbia, UPenn, Boston College, Tufts, Stanford e Universidade de New York. Era uma lista bem ambiciosa. Todas são universidades muito boas, que recebem muitas candidaturas. Mas achei que deveria mirar bem alto, é o que dizem que devemos fazer.

Solicitei meus históricos pra USP, mandei para um tradutor juramentado. Este material foi escaneado e enviado eletronicamente para algumas das universidades. Outras pediam em papel, que foram pelo correio. Outras duas ainda pediam que o material fosse enviado para uma instituição em NY que avalia o histórico transformando tudo para o sistema americano, notas e créditos. Tudo isso foi cansativo, e CARO. Meu irmão ocupadíssimo me ajudou muito, levando e buscando papéis da usp, do tradutor, correio, ufa!

Depois solicitei para três professores da minha graduação cartas de recomendação, que deveriam ser detalhadas sobre meu desempenho em suas aulas ou em pesquisa que fizemos juntos. Pedir favor não é comigo, e me da nervoso de atrapalhar as pessoas. Imagina ter que pedir que um professor universitário escreva uma carta, entre em SETE sistemas eletrônicos de universidades, responda SETE formulário e faça upload da carta. Pois é, mas tive que fazer, e os professores foram muito prestativos. Contei com a ajuda da minha amiga Kátia também, no acesso aos professores.

A última parte foi escrever meus Statements of Purpose. Para cada universidade, eu teria que escrever o que já fiz na área, o porquê eu queria estudar naquele programa naquela universidade. Escrevi, reescrevi, meu marido leu corrigindo erros de gramática. Eu não sabia ao certo como fazer, mas segui o que as universidades pediam.

Passei as primeiras semanas de dezembro nos sites das universidades, preenchendo formulários, pedidos de bolsa, carregando os documentos (histórico, currículo e statement of purpose), pagando as taxas, arrumando erro de envio do ETS (quem organiza as provas TOEFL e GRE). Quando vim para o Brasil eu tinha quase terminado tudo, ainda bem, porque ai começou as mil idas a hospitais com meu pai, e não teria muito tempo.

Eu planejei passar sete semanas no Brasil, voltar, trabalhar para guardar um dinheiro e em agosto começar o curso, onde quer que fosse. Mas ai adiei meu retorno, para não sei quando. No começo de março comecei a receber minhas aceitações e negações. Stanford não me aceitou. Mas todas as outras me aceitaram! Fiquei muito surpresa e feliz! Particularmente feliz por eu ter tentado, mesmo sem saber se seria possível. Dia 8 de março cheguei em casa a noite, depois de passar a tarde com o meu avô no hospital. Foi um dia dificil, cansativo, em que eu estava particularmente triste. Vi no celular que recebi um e-mail de Harvard, dizendo que a decisão da minha candidatura estava online. Meu pai estava assistindo TV e me contando alguma coisa. Abri o computador muito rapidamente, ele nem sabia o que estava acontecendo, meu coração estava na boca. Assim que coloquei minha senha, uma página abriu e começava assim: Congratulations! Comecei a chorar, na frente do meu pai. Era a realização de um grande sonho, em meio a coisas tão dificeis.

Já pensei VÁRIAS VEZES em como eu estaria tão feliz se nada disso estivesse acontecendo com meu pai. Mas claro, nada é perfeito. Baseada em minha vida nos últimos anos, acredito que existe um certo tipo de balanço na vida. A vida tira, a vida dá. Sabe aquela história que quando tudo está muito bem você pode se preparar que algo ruim está a caminho? O contrário também vale. Vindo para o Brasil eu tinha quase absoluta certeza que eu iria conseguir em uma universidade muito boa, uma vez que as coisas andavam bem ruins. A vida iria me recompensar.

Mas agora me vejo numa situação muito dificil. Preciso ir embora antes de agosto, para o curso. Até existe a possibilidade de eu pedir para adiar um ano o começo do curso, mas de qualquer jeito não posso ficar muito tempo longe dos EUA por conta do Green Card. Mas não me vejo deixando meu pai aqui. Pensar nisso tudo tem sido motivo de grande angústia. Odeio isso, mas ficar martelando tudo no cabeça o tempo todo é inevitável.

Sou grata a vida por me dar um presente tão bom, que é uma super dose de esperança na vida. Mas as vezes me pego brigando demais com ela, por ter colocando meus planos em suspenso. Quero muito que toda essa situação fique mais clara nas próximas semanas, e eu possa tomar uma decisão. Muitas coisas em jogo.

Escrevi tanto, tanto. Precisava organizar aqui dentro.

terça-feira, 12 de março de 2013

Meu pai está com câncer, estágio IV

Quando eu conto, as pessoas dizem: "Mas de novo?". Também me perguntei isso por algum tempo, hoje já passou. Estou vivendo cada dia, um por vez.

Apareceram nódulos no fígado do meu pai em um ultrassom do começo de 2012. Fiquei com muito medo. Eu estava nos Estados Unidos, e estando longe o medo fica mais assustador. Quando ele levou os exames para um gastro de Cruzeiro, foi um alívio. O médico disse que não era nada preocupante. Alguns meses depois, meu pai voltou no médico, reclamando de um certo mal estar abdominal. Novamente o médico disse que não era nada preocupante, mesmo tendo agora o resultado de uma tomografia. Então meu pai decidiu ver um médico de outra cidade, e dessa vez ele se assustou. Já era novembro de 2012. O médico pediu então uma ressonância.

No começo de dezembro comecei a ouvir de algumas pessoas que meu pai estava mais magro. Faltavam 5 dias para eu chegar ao Brasil para passar natal e etc quando meu pai pegou o resultado da ressonância, e eu já sabia. Magreza sem explicação, os nódulos tinham crescido de um exame para outro. Neoplasia. Inflitração. Lesão secundária. Minha maior sensação foi de repeteco, as mesmas palavras de 4 anos atrás martelando. Minha única tranquilidade era saber que eu estava vindo para o Brasil.

Meu primeiro mês no Brasil foi bem ruim. Fiquei muito sozinha em casa, sem vontade de ver ninguém, querendo fugir do assunto. Eu tinha esperado TANTO minha vinda, queria matar a saudade de tanta gente, aproveitar ao máximo. Mas nossos planos seguem seus próprios caminhos. Meu pai não queria contar para ninguém, e eu não queria ver ninguém.

Passamos vários dias de janeiro em SP fazendo exames, muitos e muitos. Até hoje não se concluiu exatamente onde começou o câncer, possivelmente em algum lugar entre o pâncreas e a vesícula. Tem metástases no figado e uma pequena lesão pulmonar. O médico disse que a quimioterapia pode controlar a doença, mas não curar. Ele está bem magro, com acúmulo de líquido no abdomen.

As quimios estão sendo feitas numa cidade mais próxima de Cruzeiro, já se foram 2 sessões. Ainda não sabemos se elas fizeram algum efeito.

Tento preencher meus dias o máximo possível. Limpo, cozinho, dou aulas de inglês, lavo roupa, resolvo coisas pro meu pai. Não posso parar para pensar que entro num estado de estresse insuportável. Acho que resolveu, tanto que não choro, de jeito nenhum, estranhamente.

Um dia eu cai. Na primeira quimio, sai da sala para comprar um lanchinho. Quando fechei a porta de vidro, parei 5 segundos para olhar meu pai, magrinho, rindo com as enfermeiras, sentado na cadeira branca recebendo os medicamentos e me deu uma terrivel sensação de deja vu. Uma cena que eu nao esperava fosse voltar para minha vida, jamais. E tantas coisas parecidas com a história da minha mãe em 2008, o liquido no abdomen, a falta de cirurgia, os olhares dos médicos, a quimio paliativa.

Não acho que seja por acaso, a vida acha que eu ainda não aprendi.

Agora estou por tempo indeterminado no Brasil. Estou tendo a chance de passar mais tempo com minha família e ajudar meu pai. Por outro lado, eu sai completamente do meu planejamento de preparação para começar o mestrado nos EUA no segundo semestre e larguei meu marido lá.

E então semana passada uma coisa muito boa aconteceu para minha vida, um sonho muito grande se realizou. Mas escrevo sobre isso outro dia. A vida tira, a vida dá...

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Nota em 2018: Muita gente chega neste blog por esta postagem. Agradeço às pessoas que deixam mensagens! Vejo que minha história é tão parecida com a de muita gente, com amigos, pais, irmãos com câncer. É uma batalha, cheia de dor, ansiedade, esperança. Força pra vocês! Na minha história perdi meu pai e minha mãe para esta doença, e hoje alguns anos depois, cheia de saudade, e dias doloridos, ainda tenho também vários dias felizes, de realizações e vitórias. A vida nos ensina a sermos fortes, em meio a dias de fraqueza. Seja paciente com sua dor. Desejo força, sempre! 

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Agora pode ser lindo, mesmo com todo o cinza



                Sonhei que estava em uma excursão, num lugar montanhoso. Era uma mistura da Capadócia (claro, veio da novela Salve Jorge haha) com o Grand Canyon (o livro que eu estou lendo fez alguma referência às montanhas americanas).

                O lugar era lindo, mas eu estava cansada. Queria ir embora. Não me lembro exatamente qual grupo estava comigo, mas tenho a sensação de que eram pessoas conhecidas. E fiquei muito irritada quando alguém disse que ainda faltava um último lugar para visitarmos. Talvez durante o dia de hoje eu me lembre do nome desse lugar, porque no sonho o nome era repetido, toda hora, todo tempo. Era um nome meio grego. Era um nome muito parecido com a palavra AGORA. Talvez não fosse exatamente isso, mas o fato de eu me lembrar desta exata palavra, quer dizer alguma coisa.

                Entramos numa caverna, um lugar feito de mármore. Passamos por uma passagem muito estreita, alguns degraus cortados geometricamente, e chegamos num lugar que não consigo descrever, mas vou tentar. Um lugar aberto, todo meio cinza. Acho que tinha um lago. Mas a parte linda da paisagem era o céu. Não era azul, não era claro. Era preto, cinza e branco. E do céu vinham feixes de luz e uma música, e as nuvens passavam muito rápido com o vento. Escutei alguém dizer que a lua estava linda, mas eu não vi a lua. A sensação que eu tive ao olhar para o céu foi indescritível. E eu comecei a chorar. E escutei outras pessoas chorando. E abracei pessoas ali que eu não me lembro quem eram. Eu só pensava em como aquele era o lugar mais bonito do mundo, e em como qualquer um que chegasse ali acharia lindo e choraria de emoção.

                Sai do lugar, não me lembro pra onde fui. Mais coisas aconteceram, não me lembro.

                Mas ao escrever aqui, e depois de pensar um pouco, consigo ver muito significado neste sonho. Nas ultimas semana tenho estado chateada demais com minha estadia no Brasil. Eu planejei por muito tempo, que viria pra cá, passaria algum tempo em Cruzeiro, algum tempo em São Paulo. Veria amigos, familia, passearia com meu pai e irmão. Já tinha feito um pacto comigo de aproveitar cada segundo para ver pessoas. Mas as coisas acontecem fora do nosso controle.

                Meu pai está doente, fiquei sabendo uma semana antes de eu vir. Não vou embora no dia 7 de fevereiro, como planejado. Não sei quando vou embora. Estamos indo em hospitais, fazendo exames. Ainda não sei o que vai acontecer, mas a melhor opção seria um tratamento demorado e sofrido. A outra opção seria uma repetição do que aconteceu com minha mãe. Uma situação incerta. Muitas angústias. E minha sensação é de que a situação não é nada boa.

                Por conta dessa situação, essa incerteza, a mudança de planos total do que eu faria aqui e do que eu faria neste semestre nos Estados Unidos, uma adaptação as coisas daqui, as últimas semanas não foram fáceis. Não consegui ver ninguém. Minha vontade de conversar estava zero. Passei muitos dia em casa, martelando minha vida, sozinha. Meu interesse em outras pessoas foi embora, estava muito afundada em mim mesma.  

                Mas no último final de semana as coisas começaram a mudar. Não sei porque, mas comecei a ser mais positiva. Passei mais tempo com família, já marquei de ver amigos. E ai vem esse sonho.

                Acho que o sonho é sobre aproveitar AGORA. Sobre como existem coisas bonitas, mesmo neste momento tão estranho. Como aproveitar aqui, Cruzeiro, minha casa, meu pai, é o que eu devo fazer. Preocupar-se demais com o futuro e o que ele vai trazer nos impossibilita de ver o que há de bom agora, mesmo que não seja muita coisa. Existem coisas belas mesmo nas nuvens cinzas. Até acho que existe muita poesia no medo da morte, na sensação tão gritante de finitude de tudo que me rodeia, que fica me assombrando todo dia.    
                A vida é curta mesmo. Eu já devia ter aprendido a dar valor ao que tenho hoje, e nada mais. AGORA pode ser lindo, mesmo com todo o cinza.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Sobre o peso do passado nos objetos



               
                Meus pais construiram esta casa do chão. Em 1994 nos mudamos para cá, com a sala, a cozinha, um banheiro e um quarto prontos. Por algum tempo, meus pais, meu irmão e eu dormiamos no mesmo cômodo. Até que a escada e um quarto foram construidos, e meus pais se mudaram para lá. Depois mais um quarto, para onde eu e meu irmão nos mudamos. Depois, com os três quartos prontos, cada um já tinha seu cantinho. Depois de todos os cômodos já habitados, ainda faltavam muitos detalhes. Eu dormia sob telhas. E o chão era só cimento. Depois de alguns anos, colaram piso e os forros de madeira. Cresci numa casa em construção!
                A casa ficou pronta em passos de formiga. Por alguns momentos, por falta de dinheiro, meus pais paravam a obra. Em outros momentos, era só bagunça, pó, tinta, cimento, pedreiros, pintores.
                Minha casa ficou pronta, 100%, quando enfim foi pintada por fora e a área da churrasqueira no quintal ficou pronta. Em 2007, treze anos depois de nos mudarmos para ela. Naquele ano, o natal e o ano novo foram na minha casa. A primeira e última vez. Em 2008 minha mãe foi embora.
                Em 2005 eu tinha ido morar em São Paulo, e já comecei a construir uma estranha relação com minha casa. Meu quarto estava la, inteirinho, cheio de tranqueiras que eu guardei por anos para servirem de lembrança algum dia. Mas eu dormia ali 4 noites no mês.
                Em 2008 meu irmão foi estudar em Sao Paulo também. E consigo imaginar a angustia da minha mãe em ver a casa vazia. Vejo hoje como os pais do interior precisam aprender a lidar com isso, quartos vazios, que são ocupados por alguns dias no mes, e só.
                No fim meu pai ficou sozinho aqui, nesta casa grande. E nada mais mudou. O que foi quebrando, ficou quebrado. Nada foi repintado.
                Cheguei a pouco dia dos Estados Unidos, depois de um ano e meio fora. Como minha casa me causa estranheza! Tem, claro, o silêncio, terrivel, que ficou depois da morte da minha mãe, com o qual até hoje não me acostumei. Além disso, minha casa é uma representação física da perda, da passagem do tempo, das mudanças.
                Ontem revirei meu guarda-roupa e separei muitas roupas que eu tenho por anos. Ainda preciso jogar fora muita coisa por ali. Minha familia tem aquela mania de não jogar coisas foras (O que não é tão ruim, quando não se tem a mania de comprar muita coisa também). Isso faz minha casa e tudo dentro ter muito significado, muita história, marcada em cada cantinho. Ainda temos a mesma mesa, o mesmo sofá, o mesmo fogão, de quando nos mudamos para esta casa em 1994! Além disso, muitas coisas que nem são usadas foram ficando, aquário vazio, esteira, quadros, televisões, rádio.
                Ando com vontade de pegar tudo que nao tem utilidade, e jogar fora, doar. Começando pelo meu quarto. Sempre guardei tudo que pudesse um dia servir de lembranças, roupas, objetos, papéis, coisas que já tem 10, 15, 20 anos. Como uma criança nostálgica, mesmo com pouco passado, eu sempre achei que um dia eu iria me deliciar, sentada com filhos ou antigos amigos, olhando para todos aqueles objetos que contavam minha história.
Mas eu não sabia que o passado poderia pesar demais. Registrar assim tão fortemente o caminho das mudanças, enchergar como fomos perdendo amigos, pessoas, fé, coragens, é doloroso.
Ando com uma super inveja boa das pessoas que, ao contrário de mim, ficaram. Pessoas que moram em Cruzeiro, crescem, trabalham, tudo por aqui. Alguns se mudam da casa dos pais, mas estão sempre por perto. Alguns acabam criando suas novas famílias na própria casa onde cresceram.
Mas minha maior inveja boa é das pessoas que foram em busca de seus sonhos, se mudaram, mas tem lá, uma casa, com seus pais juntos, envelhecendo. Tem, talvez, uma caixa com coisas que deixou por ali mesmo, para serem guardadas.
            Acho que quem me vê, de fora, deve me achar bem desapegada. Até de país me mudei. Mas na verdade, sofro demais com esse processo de deixar para trás, sejam histórias, sejam pessoas, sejam objetos. A vida tem constantemente tentando me ensinar a deixar ir embora o passado. Acho que a vida está agora querendo que eu me desapegue desta casa, de vez.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Déjà vu

Estou lutando para não escrever aqui. Sabe quando a gente se engana e acha que se não conta uma coisa para todo mundo, aquela coisa não existe? Varrer a sujeira pra baixo dos panos.

Contei para pouquíssimas pessoas. Mesmo pessoas muito próximas ainda não sabem. Ainda estou na batalha para que não vire o único assunto, para que não vire novela. Não estou preparada para ter que responder perguntas com as mesmas respostas. Ainda não quero ver pessoas tão próximas chateadas, com pena. 

Mas está começando a pesar. Por isso logo logo ressuscito este blog, infelizmente. 

Ele nos pegou, de novo.