terça-feira, 17 de dezembro de 2013

De volta a realidade



                Fiquei muito tempo sem escrever simplesmente porque fiquei um bom tempo fingindo que tudo estava bem. Fingi tão bem que me convenci. Mudei-me para Nova York com meu marido, passei quatro meses aqui, trabalhando bastante, conhecendo a cidade, fazendo pequenas compras, e principalmente inventando outros problemas para ocupar minha preocupada cabecinha.
                Ajudou que meu pai passou alguns meses muito bem. Assim que eu sai do Brasil, ele arrumou ânimo não sei de onde. O médico decidiu parar com as quimios, que estavam fazendo mais mal do que bem. Conclusão: a anemia acabou, e meu pai teve alguns meses bons! Independente, saindo para fazer compras, mudando coisas na casa, comprando coisas de decoração. Meu irmão até pode vir me visitar. Isso me deixou muito bem. Percebi que minha decisão de voltar pros Estados Unidos foi certa. Comecei até a pensar na possibilidade dessa doença estacionar de vez, e de ele ir levando por um bom tempo.
                A verdade é que entrei num processo longo e profundo de negação. Me fiz acreditar que tudo estava bem, de verdade. Levei uma vida bem normal nesses meses. Desloquei toda a energia da minha ansiedade para problemas que não são de vida e morte: tentando arrumar mais trabalho, me tornando uma esposa bem ciumenta, gostando novamente de cidade grande e metro cheio, etc etc.
                Até que marquei minha passagem para passar o natal no Brasil. Foi incrível, marquei a passagem, a realidade caiu na minha frente. Não posso negar que coincidiu com o começo do frio (que odeio, e me deixa naturalmente pra baixo) e com uma certa piora do quadro do meu pai. Ele começou a comer menos, ficar anêmico de novo, perdeu o ânimo que tinha.
                Na última semana, de repente ele passou a ter visão dupla. Foi no oftalmo, que descobriu que uma parte do nervo do olho esquerdo está trabalhando menos, e não acompanha o outro olho no foco. Agora ele ficou ainda mais debilitado com isso, não pode dirigir, e fica constantemente tonto, sem equilibrio. Ainda não sei se isso tem a ver com o câncer (infelizmente metástase cerebral é sempre uma possibilidade), ou se é alguma coisa independente. Hoje ele ia no oncologista.
                Na última semana não consigo dormir, e não consigo acordar. Domingo que vem pego o voo pro Brasil, e só de pensar nisso tenho quase uma crise de ansiedade. Encarar a situação de frente não é fácil. E o fato que eu moro em outro país traz MUITAS complicações. Por mais que seja dificil para muitas pessoas entenderem, eu não posso simplesmente ficar no Brasil o tempo que eu quero. Não existe isso da gente poder parar tudo, por mais que a situação seja grave. Tenho trabalho, tenho contas. Minha vontade era sim ficar com meu pai, ajudar, passar tranquilidade, mas largar tudo aqui não vai me ajudar a lidar com o que virá depois que esta história acabar. Isso é racional, mas emocionalmente me sinto muito culpada.
                As vezes eu nem acredito que essa situação toda acontece. Quando eu decidi me mudar para cá foi uma decisão que veio junto com todas as consequências possíveis. Morar em outro país é muito dificil. Aprender como tudo funciona e ficar longe de todas as pessoas da sua vida é dificil. Mas realmente eu não esperava essa situação, ter meu pai com uma doença grave, sem cura, ele precisando de pessoas lá, e eu longe.
                A principio vou passar duas semanas no Brasil. Quero ficar o tempo todo com meu pai. Quero aproveitar qualitativamente esse tempo. Não sei o que vai ser depois. Tenho trabalho na segunda semana de janeiro, pessoas contando comigo. Mas me parece que meu pai piorou muito nas últimas semanas. A vida não é fácil.