quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

"Quero meu filho pisando firme, cantando alto, sorrindo livre..."

Tenho andado ocupada, o mestrado tem tomado meu tempo, o que é bom. Descobri que sou viciada em estar ocupada, a cabeça pensa nas coisas que tenho que fazer, à noite fica fácil dormir, a vida parece que toma um sentido. Mas mesmo assim, essa dor vazia insiste em aparecer em momentos que parecem aleatórios. Minha terapeuta me lembrou que ainda é recente a morte do meu pai. Eu sinto que tenho esse luto por anos.

Entrei de férias semana passada, morrendo de medo dos dias livres. É um saco! Está tudo bem, mas as vezes choro escovando os dentes. Não tenho depressão. Além de ser tudo recente, essa época do natal bate forte! Já faz umas semanas que tenho tentado me preparar pra o natal. Quase decidi em não ter natal, ficar em casa sozinha, fingindo ser apenas uma noite de quarta-feira. Esse é sem duvida o natal mais difícil da minha vida. Estou longe da minha familia, primeiro natal sem meu pai, lembranças dos últimos dois natais com ele doente, quando tudo que eu pensava era que aqueles eram meus últimos natais com ele.

Final de ano tem um significado forte de recomeço, e eu venho tentado pensar no que fazer para ter uma vida melhor, para me acostumar mais com essas dores, esses vazios. Já nem consigo falar com ninguém sobre isso, parece que estou presa num ciclo, eu mesma me canso. Acho que ainda estou apegada nessa dor. Parece que meus pais, principalmente meu pai, vive por meio dela. Parece que se eu não sentir mais desse jeito, estarei me despedindo dele com vontade. Não quero. Quero a lembrança dele aqui comigo todo dia, quero lembrar das palhaçadas, das confusões, dele super apegado com a família, do cuidado com os sapatos e as flores. Quero lembrar dele não se conformando de eu ter vindo pros Estados Unidos. Quero lembrar dele reclamando de NY. Quero lembrar todo dia do que eu senti quando levei ele pro hospital sabendo que ele não voltaria, quando vi nos olhos do medico que seria naquele dia. Quero me lembrar das musicas que ele cantava meio sem sentido em suas ultimas semanas. Todo dia eu lembro da sensação de desamparo de quando não senti mais seu pulso. Todo dia eu lembro da tristeza profunda de voltar pra casa dirigindo seu carro, só com meu irmão. Todo dia penso na nossa casa vazia, me culpo por não estar com meu irmão e nossos cachorrinhos. Penso todo dia, não quero esquecer. Tem sempre uns dois dias na semana que choro por um minuto, e passa. Parece que assim seguro ele aqui comigo por mais tempo.

Quase todos os dias, vendo tv, ouvindo alguém contar alguma historia sobre seus pais, penso que nao é muito justo que nao tenho a chance de ver meus pais envelhecerem, ter um porto seguro, ter filhos com avos, tê-los vendo as conquistas minhas, do meu irmão, e meus primos. As vezes me paralisa o constante remoer do que isto significa na minha vida. O tamanho dessas faltas me faz parar e pensar perplexa na tristeza disso tudo, e como foi possível acontecer.

Mas no fim, de verdade, não acho que está certo me paralisar. Não é justo com eles faze-los viver na minha dor. Meus pais ficariam muito tristes com isso. Lembro que meu pai sofria de uma certa nostalgia quando eu estava crescendo. Ele sempre remoeu a morte de uma tia muito querida, em alguns domingos de manha ele ficava ate depressivo. A morte da minha mãe, ele nunca superou, chorava igual criança mesmo depois de anos. Mas ele não gostaria que fosse assim com a gente. Minha mãe cresceu sem a mãe, e era forte. Não era de choramingar, de se colocar de vitima. Ela perdeu pessoas queridas quando eu era adolescente. Ela deveria ser meu exemplo.

Quero muito para 2015 aprender a fazer meus pais viverem nas nossas conquistas, nos dias alegres. Não honro meus pais com dor, com tristeza. A vida é um ciclo, e as vezes sinto que esqueço disso, e vivo num mundo egoista olhando para minha dor.

Natal é dificil, porque sempre foi tão familia e tão feliz. Lembro de ter um lado da minha familia reunida, presentes, decoração, comida, risadas. Para mim e meus primos tudo parecia completo, mas olhando para trás não era. Minha mãe nunca passou natal com a familia dela, meus avos com certeza sentiam falta dos irmãos, dos pais. A gente cresce, e as ausências vão aumentam. As crianças que dão a falsa impressão de completude. Era tão bom.

Um ciclo, pessoas vão, deixam um buraco sem tamanho, que vira cicatriz. Outras pessoas vem, nascem novos membros da familia. A gente transforma as dores em algo mais. Queria que fosse facil me desapegar dessa dor. Quero essa lição pra 2015.



terça-feira, 7 de outubro de 2014

Dói até nos dias felizes

Acordei super cedo, meio que atrasada e lembrei do meu sonho inteiro. Eu estava em Cruzeiro, de repente era Sao Paulo, de repente era aqui. Eu estava com meu pai, que estava doente, a barriga inchada. Mas ele estava feliz. Minha mãe tambem estava la, meio que em segundo plano, meio que cuidando dele. No sonho eu estava preocupada porque estava chegando a hora de eu ir embora, mas não podia deixar meu pai. No final, decidi ficar com ele, mas isso significava que eu iria ficar longe do meu irmão. Baguncei tudo no sonho, mas acordei pensando em como o ultimo ano do meu pai, com ele doente, foi dificil, cheio de ambiguidades, culpas, decisões. Lembrei de um dia, bem no comecinho de janeiro de 2014, quando ele teve que ir numa loja cancelar um cartao, e fui com ele. Ele já estava bem fraco, quase não andando sem ajuda. Andamos um quarteirao da loja até o carro, e encontramos por acaso uma conhecida do meu pai. Eu vi no rosto dela que ela estava chocada com a aparencia do meu pai. Acho que tudo foi só acontecendo, e não tive muito tempo de me chocar. Então as vezes, sem eu perceber, eu me choco por esses dias.

Hoje tive aula/atividades extras das 8 da manhã as 8 noite. Puxado, mas gosto muito das aulas e de tudo mais. É um desafio sempre, mas é também bom quando a gente se supera, e sai da zona de conforto. O mestrado tem sido muito bom, mesmo que puxado, me deixando sem tempo pra nada (meu contato com o Brasil diminuiu muito, simplesmente neste ano isso vai ficar comprometido).

A noite, sentei num banco, no canto da estação, para esperar meu ônibus. Não consegui controlar, só chorei. Um choro com muito sentido, mas sem forma. Parece que dentro de mim tem uma tristeza, que aparece muito espontaneamente, mesmo quando tudo está bem. Não é depressão, não estou deprimida. É como se eu me lembrasse de um filme triste e chorasse, mas o filme aconteceu comigo e minha família. Chorei de lembrar do meu pai. Doente, com tantos medos, tantas angustias, querendo a gente sempre por perto, e a gente tendo que fazer outras coisas. Chorei de lembrar de Cruzeiro, da casa vazia, meus cachorrinhos carentes, de quando tive que me despedir de tanta coisa, do meu quarto de décadas. Tantos vazios nas ruas daquela cidade. Lembrei de como me despedi do meu pai, e de como isso é só mais um pedaço das dores e saudades que não vão embora nunca.

Depois lembrei também que um dia esses vazios viram parte da gente, e não doem da mesma forma.

domingo, 10 de agosto de 2014

Esses dias de agosto...

Hoje foi dia dos pais no Brasil. A vida é estranha! Lembro-me do exato lugar em que eu estava ha exatos seis anos, dia dos pais de 2008, sem comemoração, um 10 de agosto, angustiada, cansada, sem vontade de olhar pra frente, assim como meu pai e irmão. Lembro-me também de onde eu estava cinco anos atras, ansiosa, arrumando malas, últimos detalhes, esperando com muita pressa os meses seguintes. Onde eu estava ha exatos seis meses? Ainda esta bem forte aqui, as vezes lembro daqueles dias de fevereiro, e me dou conta que a gente sempre arruma forças onde não tem. (http://esperanca-sempre.blogspot.com/2014/02/hoje-tarde.html.)

Hoje estou aqui, esperando um capitulo feliz da minha vida começar, e muito esperançosa.

Em alguns momentos dói, dificil assimilar a ausencia. Como assimilar o que nao existe? Meus primos me mandaram uma foto hoje cedo, foram no cemiterio, levaram flores no tumulo do meu pai. Eles eram como filhos dos meus pais tambem, que sempre se preocupou demais com todos os sobrinhos. Tentei esquecer na maior parte do dia todo o simbolismo deste dia. Hoje a saudade dele, que foi embora ha tao pouco tempo, dói mais. Meu pai foi um super pai, daqueles que trabalham muito pela familia, mas que tambem traz muita alegria e amor.  Terça feira faz 6 anos que minha mae foi embora. Amanha começo um desafio, que e é tambem um sonho. As vezes a vida tira muito, mas as vezes a vida dá!

Que eu e meu irmao nunca esqueçamos do orgulho que meu pai tinha da gente, muito maior do que a gente na verdade merecia. Que isso seja sempre a força que nos leva pra frente, que a gente tente ser sempre um pouquinho do que ele via de bom em nós.

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segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Paramos nos 60, ontem seriam 61

Ontem seria aniversário do meu pai. Ele faria 61 anos. Ano passado eu nao estava la com ele, mas ele teve um aniversario especial. Ele recebeu em casa muitos amigos, que trabalharam por anos com ele. Levaram salgadinhos, bolos, refrigerante. Tiraram muitas fotos. Meu pai me contou chorando de alegria, muito feliz. Foi uma despedida.

Eu sabia que as chances de ele repetir um aniversario eram muito poucas, e ano passado escrevi este texto no facebook:


Aniversario é sobre reconhecer a dádiva de mais um ano de vida. Ano passado foi estranho. Quem tem a chance de comemorar a vida, sabendo que ela logo vai acabar?

Este ano nao teve mensagem no whatsapp, nem ligacao, nem nada. A distancia entre nós ficou muito maior, e a cada 3 de agosto, ao inves de comemorar a dadiva da vida, vamos lembrar de como fomos obrigados a parar de contar nos 60. Quanto tempo dura o resto de nossas vidas? Foram seis meses. Muito pouco tempo.

Ontem fui num parque, que estava cheio de pais e filhos. Muitos ensinando seus filhos a andar de bicicleta, outros correndo. Pensei demais no meu pai. Como ele foi um super pai!

Ele ensinou eu, meu irmão e todos meus primos a andar de bicicleta. Ele gostava demais de passear e viajar, não tinha tempo ruim. Meu aniversario é em junho, e quando eu era criança, sempre tinha uma mini festa junina. Meu pai soltava fogos, construía fogueiras, fazia a festa da criançada colocando fogo no bombril e fazendo uma chuva de faiscas.

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Um dia, quando meu irmão era bebê, meu pai teve um dia de folga e me levou pra passear. Foi uma das poucas vezes que me lembro de sairmos só eu e ele. Demos umas voltas pela vizinhanca, e chegamos na casa dos meus avos. La nós tiramos varias fotos. Eu lembro de sentir que ele tinha orgulho de mim, e eu era tao pequena!

Uma das imagens que tenho do meu pai mais novo é de quando ele ia, todo sábado de manhã, alugar fitas de video game com meu irmão.

Quando eu me fui para Sao Paulo, fazer faculdade, meu pai estranhou muito. Ele me deixou na pensao em SP, e foi embora dirigindo chorando, junto com minha tia e minha mãe. Ele sempre dizia que chorava de saudade de quando a gente era pequeno. Ele sempre me contava de como ele sentiu a primeira vez que me viu. Eu olhei pra ele, com olhos arregalados, grandes! Ele achou magico que eu, tao bebe, conseguia olhar daquele jeito pra ele, como se eu tivesse reconhecido meu pai. Foi a primeira vez que nos vimos. Entre a primeira e a ultima vez foram apenas 27 anos. Tao pouco tempo!

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Meu pai escondia frutas nas malas minhas e do meu irmão, quando a gente voltava pra SP. Ele cismava que fruta do interior era mais saudáveis. A gente não queria levar, porque pesava na mala, mas ele, teimoso, dava um jeito de esconder.

Meu pai era mestre em deixar roupas branquinhas, consertar sapatos e botas.

Ele falava bastante, e escrevia mensagens de textos gigantes também.

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Eu queria muito, muito mesmo, que os 60 anos pudessem ser 90. Mesmo que eu morasse longe, mesmo que a gente se visse poucas vezes no ano. Queria poder contar coisas pra ele, mandar fotos minhas quando maquiada ou arrumada pra sair. Queria que ele visse minhas orquideas. Queria ele aqui quando eu terminasse o mestrado, quando eu tivesse filhos, e quando meus filhos se formassem.

Quanto tempo é pouco tempo? Foi muito pouco tempo.



quarta-feira, 23 de julho de 2014

A história que não nos define


Leio e escuto muito que a gente não deve deixar a dor nos definir. Concordo. Mas eu ainda caio sempre nesta armadilha. Eu facilmente conto para as pessoas que meus pais morreram, como se essa fosse minha história principal. É quase a minha resposta para "De onde você é?". É definitivamente minha resposta para "Quem é você?".

As vezes eu tento pensar que sou forte, e que ando pra frente. Mas eu sei que ainda deixo essa dor me definir. Estar numa cidade nova ajuda nisso, como se eu sentisse uma necessidade de compartilhar essa história com essas novas pessoas que não me conhecem. Como se essa história ajudassem as pessoas a me conhecerem.  

Esses dias uma pessoa me perguntou se eu tinha irmãos, e onde eles moravam. Ja fui logo respondendo que meu irmão morava em SP, e que éramos somente eu e ele, que meus pais já tinham morrido. Eu falei bem natural, como se contasse que tinha perdido o ônibus de manhã. Contei no meio de um bar, assistindo aquele jogo Brasil e Alemanha. Sim, total falta de senso. Depois me arrependi. A pessoa levou um susto, e parou de fazer perguntas. Acho que ela se sentiu mal, achando que tinha perguntado demais, e tinha me feito lembrar de algo triste. Como se eu esquecesse...

Hoje também estava falando com outra pessoa sobre ter mania de doença, e já fui logo explicando a minha hipocondria pelo fato que meus pais tiveram cancer. Estava eu lá, de novo, aproveitando uma brechinha para contar para as novas pessoas que conheço sobre a verdadeira história que me define. 

"Nós somos moldados por nossas experiências, não definidos por elas. Elas são, de certo modo, parte de nós"

Eu sinto que gastei (e gasto) muito da minha energia remoendo a minha história. E isso é péssimo. Olhando para trás, um pouquinho, percebo que muitas horas que poderiam ter sido gastas com leitura, amizades, momentos alegres, atividades para o meu desenvolvimento como pessoa, foram gastas com emoções pesadas, em momentos de extrema solidão. Como se o luto, a angústia, e o ressentimento fossem uma bagagem super pesada que eu carregasse, me impedindo de ir mais rápido para onde quer que seja.

Ao mesmo tempo, como seria possível fazer o contrário? Aconteceu que grande parte da minha década dos 20 foi muito marcada com essa história, do cancer, da morte, da perda. Eu não quero mesmo que essa dor me defina, mas também não acho ser possível eu ser algo além de alguém que carregue essa dor. Como alguém vai ser meu amigo sem conhecer essa história que faz tanto parte de mim? Como ter um relacionamento 100% aberto com alguém que não aceite a minha dor e história como partes de mim?   

Talvez o certo seja lutar para não ficar estacionado no momento da dor. Talvez o certo seja pegar a dor, com todo o seu peso, colocar na mochila, e seguir em frente. O peso até vai atrapalhar, e vai sim fazer a caminhada mais lenta. Mas la na frente a gente vai ficar mais forte, não vai? 

Essa é minha história, e ela faz parte de mim, não vou apagar, nem quero apagar. A mesma história que me faz pesada, também me faz forte. Que a força e a coragem nos definam!




quinta-feira, 10 de julho de 2014

O peso da alma

A alma pesa diferente em cada dia
Céu azul ajuda a alma a ficar leve, nada toca o chão
Se esquece de tudo, só se olha pra frente
Dias de frio fazem a alma pesar, é dificil andar
Mas as vezes a tristeza é tanta que pesa, não importa o dia
Mesmo de manhãzinha, ao acordar, a alma já pesa
O espelho tem um sorriso forçado
Os olhos pesam
Nada é natural, nada pertence, nada encaixa
O ar pesa
Tanta gente, tanta gente que não importa e não se importa
A saudade quando vira crônica pesa tanto que a alma se arrasta
Não tem a forma certa, se deforma, se dilui, some, mas ainda pesa
Ninguém gosta de alma que pesa
O mundo gosta de superficie
Profundeza assusta
Fingir leveza cansa demais


domingo, 29 de junho de 2014

"Você será completo de novo, mas nunca mais será o mesmo"

"A realidade é que seu luto vai durar para sempre. Você não vai superar a perda de um ente querido; você vai aprender a viver com ela. Você vai se curar e você vai reconstruir-se em torno da perda que sofreu. Você será completo de novo, mas nunca mais será o mesmo. Nem deveria ser o mesmo, nem deveria querer ser o mesmo."

quarta-feira, 25 de junho de 2014

What dreams may come...



"Thought is real. Physical is the illusion. Ironic, huh?"


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Um dia sonhei que eu e meu pai dirigíamos em Nova York, numa rodovia saindo da cidade. Cada um em um carro, acelerávamos muito, numa estrada que levava a uma estrada menor de terra. Eu me sentia otima motorista, e ele era, claro, o melhor motorista do mundo. Eu tive um sentimento parecido com quando eu era criança, e achava o máximo o jeito que ele dirigia. No sonho ele estava quase me ensinando como ser como ele. Quando estacionamos, na tal estrada de terra, encontramos várias pessoas conhecidas, todas de Cruzeiro. Estavam tendo uma festa. Meu sonho ficou confuso, mas logo começou uma confusão, e todo mundo correu. Tentamos nos esconder numa loja, mas logo vi a policia levando meu irmão. Eu então corri atras deles, e pedi para que eles me levassem também. No sonho eu sabia que se eu não fosse junto, eles iriam levar meu irmão embora para sempre.

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Sonhei que tinha chegado a hora de voltar pros Estados Unidos, e meu pai ficou muito bravo. Ele estava numa cama, e muito bravo, começou a gritar que não era para eu ir embora.

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Sonhei que morava numa casa, só com minha mãe. Ela estava super feliz porque meu primo Gustavo estava trabalhando perto da nossa casa, e iria passar uns dias com a gente. Ela estava cozinhando alguma coisa especialmente para ele.

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No sonho eu estava me arrumando para ir num casamento de uma conhecida daqui dos Estados Unidos, e minha mãe e uma outra mulher que nunca vi também estavam se arrumando.  Eu nao conseguia achar meu vestido, nem arrumar meu cabelo. Estava super atrasada, e achando estranho que minha mãe e a tal mulher também queriam ir, uma vez que elas nem conheciam o casal. Mas na minha cabeça a situação mais estranha era que todo mundo sabia que minha mãe tinha morrido, e eu nao sabia como explicar para os outros a presença dela. No final conclui que deveria explicar para as pessoas que minha mãe tinha morrido, mas que as vezes ela voltava.

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Sonhei que estava brincando com a Boli. Ela virou de barriguinha pra cima, e fiquei fazendo carinho nela. Ela estava mais gordinha no sonho. Mas logo parei, e achei engraçado que ela ja tinha morrido, mas ainda estava ali.

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Noite passada sonhei que morava numa casa dentro de um hospital com meu pai. O telefone tocou, e um novo médico do hospital disse: "Dr Fulano, chequei os exames e percebi que houve um engano nos exames do Valdir, ele não teve cancer". Percebi que o novo médico achou que estava falando com o medico do meu pai, e logo desliguei. Fiquei muito confusa. Não sabia se aquilo queria dizer que meu pai não iria mais morrer, ou se ainda teria jeito de fazer alguma coisa. Logo corri para contar para o médico do meu pai, e fiquei indignada como era possível que dois hospitais tenham errado o diagnóstico.  Contei para minha mãe e meu irmão, e eles acharam melhor não contar nada pro meu pai. A gente achou que ele iria ficar muito bravo! Não ficou claro se ele tinha morrido ou não. Decidi visitar uma amiga minha, que de verdade morou comigo em SP, e viajou comigo pra Holanda. Quando cheguei no apartamento dela, ela estava brincando de guerrinha de bexiga de agua, e entrei na brincadeira. Começamos a lembrar de como sempre brincávamos disso (o que nunca aconteceu de verdade), e de como tínhamos saudades daquela época em SP. Foi um sonho sobre voltar no tempo.

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Sonhei que meu avô paterno estava muito doente, e minha família estava muito preocupada. Eu estava andando na rua, e vi um velhinho muito parecido com meu avô andando de mãos dadas com um menininho. Escutei quando ele chamou o menininho de André Rafael (nomes de dois dos meus primos). Fiquei muito admirada, e corri para contar pro meu pai. Ele também ficou muito admirado, e achou que aquilo era um sinal que meu avô ficaria bem.

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PS. Sonho demais! Ultimamente só sonho com meus pais. Engraçado, que meu irmao sonha menos, mas ele tem sonhos super intensos, em que parece mesmo que esta conversando com meus pais. Logo quando minha mãe morreu, eu comecei a ter sonhos muito parecidos uns com os outros, e que foram mudando de acordo com o desenvolvimento do luto e da aceitacao. Tentei achar aqui um texto que escrevi sobre isso, mas nao achei! Se achar posto outro dia.

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"(...)To die, to sleep,                 
No more; and by a sleep to say we end

The heart-ache, and the thousand natural shocks
That flesh is heir to: 'tis a consummation
Devoutly to be wished. To die, to sleep;
To sleep, perchance to dream – ay, there's the rub:
For in that sleep of death what dreams may come,
When we have shuffled off this mortal coil,
Must give us pause – there's the respect
That makes calamity of so long life (...)"

(Shakespeare - Hamlet)

"Morrer; dormir,
Só isso; E com o sono - dizem - extinguir
Dores do coração, e as mil mazelas naturais
A que a carne é sujeita; eis uma consumação
Ardentemente desejável. Morrer, Dormir;
Dormir, talvez sonhar. Ai está o obstáculo;
Os sonhos que hão de vir no sono da morte,
Quando tivermos escapado ao tumulto vital
Nos obrigam a hesitar - e é essa a reflexão
Que dá à desventura uma vida tão longa (...)"
(Hamlet - tradução Millôr Fernandes) 

quinta-feira, 19 de junho de 2014

"...the world keeps turning, the seconds keep ticking..."

“The weird, weird thing about devastating loss is that life actually goes on. When you're faced with a tragedy, a loss so huge that you have no idea how you can live through it, somehow, the world keeps turning, the seconds keep ticking.” 
― James PattersonAngel

Hoje vi uma foto dos meus pais de 2007 e por alguns segundos perdi a noção do mundo e da vida. Tão surreal que eles ja estiveram aqui, tao surreal que eles nao estejam mais aqui. Dificil encaixar tudo. Estranho demais que meu irmao e eu sobrevivemos. Se tivessem me falado no dia daquela foto de 2007 que em 7 anos os dois teriam cancer, que os dois iriam embora, que iriamos passar por tudo o que passamos com essa doença, que tudo em nossa casa iria acabar, eu nunca acreditaria que seria possivel continuar depois disso.

Mas estamos ai! Vivendo do jeito que dá, aprendendo a ter essa dor o tempo todo, mas nao deixar que essa dor nos reduza a ela.

Nesses dias tem muitas pessoas que conheço tendo filhos ou ficando gravida. Ver tantas fotos e momentos de familia assim tem me deixado triste. Pode ate soar como inveja, mas nao é, é tristeza mesmo. Fico pensando como nunca vou ter aquilo, e isso é uma das razoes pelas quais nao tenho certeza se quero ter filhos. Eu tenho medo mesmo de ficar muito triste. A situacao ainda piora porque nao moro perto de tias nem primos.

As vezes eu ainda me pergunto o porquê. As vezes ainda fico admirada do tamanho das nossas perdas. Me assusta demais que os dias se passem assim, como se tudo fosse normal.

Um dia feliz em 2007.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Uma longa historia com muitos cachorros (Hoje a Boli foi embora)

Hoje estou muito triste. Minha cachorrinha mais velha, a Boli, morreu. Estou muito chateada porque se tem uma coisa me deixando muito angustiada recentemente é a situação das minhas cachorrinhas. As três ficaram na minha casa, que agora está vazia, porque onde meu irmão mora nao tem espaço. Logo logo ele terá esse espaço, mas por enquanto elas estao la em casa, sozinhas, e minha tia toma conta delas.

Nao gosto de pensar muito nelas, porque me angustia demais. É como se de tudo que formasse nosso lar naquela casa tivesse indo embora, e elas ficassem, quase que abandonadas. Não literalmente porque minha tia vai la todo dia, dar comida e limpar, e meu irmao anda indo visitar. Mas cachorrinhos sao bem sociáveis, gostam de gente, e as minhas sempre foram muito apegadas a nossa familia.

Minha família sempre adorou cachorros, acho que por culpa da minha mãe. Quando eu tinha 3 anos (e meu irmão 6 meses!) ganhei a Susi, nossa primeira cachorrinha. Ela foi criada mais no quintal, e eu e meu irmão brincávamos demais com ela! Mudamos de casa, a Susi mudou com a gente. Ela teve filhotinhos, uma época que ficou marcada pra sempre na historia da minha familia. Ate hoje e eu meu irmao lembramos de cada filhotinho, de cada nome, de cada dia que eles foram embora de casa. Em 2005, quando eu estava no primeiro ano da faculdade,  a Susi morreu, com quase 17 anos. Eu chorei por quase 2 dias, e acho que foi minha primeira grande perda. Nós perdemos uma parte da familia. Meu irmao nem sabia o que era a vida sem a Susi.

Quando a Susi morreu, sua companheira era a Mili, uma Dachshund pretinha, muito meiga e carinhosa. A mili ficou doente uma epoca, e descobrimos que era diabetica. Ela tomava insulina e tudo. Minha mae se apegou demais a Mili. Todo dia a noite, na hora de comer, minha mae chamava a Mili e ela vinha toda feliz, pulando igual um boizinho. É uma das cenas felizes da minha familia que nunca vou esquecer. A Mili ficou sozinha um tempo, sem a Susi.

Um dia minha mae apareceu em casa com uma cachorrinha tambem dachshund pretinha, mas muito pequena e magrinha. A cachorrinha estava muito doente, maltrada. Tinha uma forte pneumonia! Fiquei ate brava porque achei que ela podia passar alguma doenca pra Mili. A cachorrinha nova era a Boli. Veio de uma outra casa em que a maltratavam. A chamavam de bolinha, mas ela era tao magrinha que cortamos uma parte do nome, virou so Boli. Ela tinha tanto medo que quando a gente a pegava no colo, ela nao se mexia. Se a gente colasse ela de novo no chao, tambem nao se mexia. Aos pouquinhos minha mae e meu irmao trataram a pneumonia, e ela virou uma cachorrinha super carinhosa e alegre. Ela ficou tao agradecida que queria ficar perto da gente o tempo todo. Lembro muito bem das vezes em que ela se aconchegava com a gente, olhando em nossos olhos com olhar de agradecimento. Aos poucos ela fez da nossa casa sua casa. A Mili e a Boli ficavam muito dentro de casa, nos sofas, de manhã iam nos acordar, uma fase muito boa! Meu irmao sempre lembra que quando fazia cursinho, todas as noites minha mae ia no portao esperar ele chegar. Quando ele aparecia na esquina, a Boli corria em sua direcao.

Por conta da Mili ser diabetica, uma vez levamos as duas para uma de nossas viagens de final de ano para Ubatuba. Uma viagem tambem cheia de cenas da nossa familia que ficam guardadas aqui com a gente.

Um dia de 2007 a Mili de repente morreu. Ela tinha uma doenca cronica, e sabiamos que a expectativa de vida era menor. Mas minha mae levou um susto! Nao lembro de ter visto minha mae tao triste antes! Ela chorou um final de semana inteiro. Eu cheguei de SP numa sexta a tarde, e meu irmao me encontrou no portao para contar. Tinha sido naquela manha. Ao entrar em casa, me deparei com minha mae chorando sem parar. Lembro que a Boli tambem ficou meio sem entender quando viu a Mili ali, paradinha, sem vida. Nao sei ate onde eles entendem.

No final daquele ano, minha mae voltou do mercado (feira de frutas) com um filhotinho. Essa é outra historia classica da minha familia.  Meus pais foram ao mercado e viram um homem bebado na rua vendendo um filhotinho. Ele pediu 5 reais, mas minha mae so quis dar 2,50. Era a Piti, uma viralatinha, comprada por 2.50. Nao sei se o bebado deu pinga para a Piti, mas desde pequena ela era muito doidinha. Tambem foi pra praia com a Boli uma vez, e destriu o sofá da casa em que ficamos.

No final de 2008 meu pai, eu e meu irmao nos preparávamos para passar nosso primeiro natal sem minha mãe. Meu pai teve uma ideia para o verão ser mais feliz : e se a boli tivesse filhotinhos? Sempre achei que a Boli era doentinha, por ter umas crises de asma as vezes. Mas a danadinha deu conta do recado! Arrumou um namoradinho (o irmao da Mili, o Tobias), e logo ficou gravida. Passamos o ano novo na praia, e tivemos que levar ela, com medo de ela precisar da gente para o parto. Temos muitas fotos dessa viagem, da Boli muito barriguda! No dia que chegamos de Ubatuba ela comecou a dar sinais que logo seria o parto. Fiquei com ela toda a madrugada! Por volta das 4 da manha ela escolheu um cantinho, e teve 5 lindos filhotinhos! Ela foi uma super mãe, e teve a ajuda da tia Piti. Resolveu ficar com uma das filhotinhas, uma que era vesguinha e muito dengosa! Assim chegou a Bel.

A Bel é talvez a cachorrinha mais carinhosa que ja tivemos. Ela deixa de comer para ficar com a gente! E sempre sempre foi muito apegada a Boli. Sempre dormiram juntas, comiam juntas. A Bel passava horas lambendo a maezinha. Hoje vi varias fotos e foi dificil achar alguma em que a Boli estivesse sozinha.

Entao desde 2009 temos a Boli, a Piti, e a Bel. Boli e Bel sempre juntas, tomando sol. Piti as vezes com elas, e muitas vezes pulando sem parar. E as tres que estavam la tambem quando meu pai ficou doente. Foi uma fase dificil, em que elas dependiam mais do carinho delas mesmas do que nosso. Meu pai ja nao podia dar tanta atencao. E nesse tempo a Boli tambem ficou doente.

Talvez ela precisasse de cirurgia, talvez ate quimio. Infelizmente nao demos conta de cuidar, por toda a situacao do meu pai. Mas ela se manteve forte. Comia bastante, corria, pulava. Ano passado, perto de novembro, ela ficou muito ruim. Meu pai e meu irmao me disseram que ela iria morrer logo, e eu fiquei muito triste porque eu nao lembrava de como tinha sido a ultima vez que tinha visto ela. Eu sabia que tinha sido em junho, quando eu voltei pros EUA. Mas eu nao lembrava do rostinho dela me dando tchau. No final ela melhorou e tive outra chance.

Esse tempo que passei no Brasil depois da morte do meu pai fiz questao de aproveitar mais a Boli. Brinquei mais, deixei ela mais dentro de casa. Ela dormia tanto, gostava do sofa. Um dia a levei na veterinaria, e ela ficou deitadinha tao boazinha na maca, deixando ser cuidada. Uma gracinha de cachorrinha!

Quando me despedi dela em abril eu sabia que nao a veria mais. Ela era mais uma das coisas que eu deixava para trás para sempre.

Uns dias atras meu irmao me disse que ela tinha piorado. E hoje ela morreu. Ate ontem comeu. Hoje quando minha tia chegou, ja encontrou ela descansando para sempre.

Sei que ela precisava desse descanso. Ela tambem tinha cancer, uma doenca que ja tirou tanto e tanto da gente. Mas ainda assim fico triste. Fico com pena de nao estarmos la, de nao poder ter dado mais conforto pra ela nesse momento. A gente sempre construiu laços muito fortes com os cachorrinhos que passaram por nossa familia. Tanto meu pai e minha mae, nos momentos em que ficaram em hospitais, longe delas, choraram de saudade e preocupação. Eles sempre foram tao bem tratados. Infelizmente ultimamente nao pudemos fazer muita coisa por eles. Nao vejo a hora de meu irmao ter elas de novo todo dia com ele. E espero que a Bel saiba se adaptar no mundo sem sua maezinha. Infelizmente de novo nao estarei la pra ajudar.

Mais um buraquinho foi feito hoje em nossas vidas.

Esta foto foi tirada em 2009. Meu irmão, meu pai e eu, segurando a Piti, a Bel e a Boli. Lá no fundo tem um porta retrato com minha mãe segurando a Mili.



É uma foto com minha família, quatro pessoas, segurando quatro cachorrinhos que fizeram parte da nossa alegria do dia a dia! Saudades sempre, de tudo, de todos! E escrevo aqui, dessa forma tao baguncada e sem muita preocupacao com a escrita. Escrevo mesmo pra colocar essa saudade no papel, e tirar um pouco esse peso aqui dentro. Tanto foi perdido nos últimos meses, que ainda nao consegui dar conta de entender tudo.








terça-feira, 10 de junho de 2014

Luto e Estresse pós-traumatico

Hoje estava lendo que é comum uma pessoa passando por um luto experimentar sintomas de estresse pos-traumatico. É mais comum quando acontece a morte de um ente querido de repente, de modo trágico, como um acidente, violência, etc. Se por um lado eu não gosto de diagnósticos que encapsulam pessoas tao complexas em rótulos, eu gosto de ter alguma explicação que organize o que eu vivo e sinto.

Algumas vezes na semana tenho de repente uma cena que vem na minha cabeça, e nao vai embora. Fico lembrando, remoendo, pensando no que nao fiz, pensando como meu pai pode ter sentido. Fico triste, angustiada, falta ar, e tento escapar de qualquer coisa que possa me fazer pensar na cena.

Hoje foi assim: eu estava vendo TV, e passou um comercial de remedio pra queimacao. Na hora lembrei da manha do dia em que meu pai descansou, em que eu acordei com ele tendo vomitado uma coisa muito estranha - acho que bile- , e dizendo que estava com queimacao. Como ele ja estava confuso, falava "queimacao" sem parar. Fiquei umas duas horas hoje pensando nisso, angustiada que ele possa ter sentido dor, pensando em tudo que ele possa ter sentido naquele dia. Decidi escrever aqui pra ver se sai de dentro de mim.

domingo, 8 de junho de 2014

"...experimentar inteiramente o que quer que encontremos"

Recebi esse texto por e-mail de uma pessoa muito querida. Por sinal é de uma autora budista de quem sempre encontro texto sobre como lidar com a vida quando as coisas não vão bem. 

“Em relação ao nível interior de obstáculos, talvez nada realmente nos ataque exceto nossa própria confusão. Talvez não exista um obstáculo sólido exceto nossa própria necessidade de nos proteger de sermos tocados. Talvez o único inimigo seja que nós não gostamos do jeito que a realidade é agora e então desejar que ela vá embora rápido. Mas o que nós descobrimos como praticantes é que nada jamais vai embora até que tenha nos ensinado o que precisamos saber. Mesmo se corrermos a mil quilômetros por hora até o outro lado do continente, encontraremos o mesmo problema lá nos esperando quando chegarmos. Ele fica retornando com novos nomes, novas formas e novas manifestações até que aprendamos o que ele tem pra nos ensinar: Onde estamos separados da realidade? Como estamos nos retraindo ao invés de nos abrindo? Como estamos nos fechando ao invés de nos permitir experimentar inteiramente o que quer que encontremos?”
~ Pema Chödron, em “Comfortable With Uncertainty: 108 Teachings on Cultivating Fearlessness and Compassion” (2003)

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Sobre os lutos

Esses dias li um texto sobre como superar a tristeza (http://tinybuddha.com/blog/7-steps-to-move-through-sadness-and-what-we-can-learn-from-it/) que falava que o luto é um processo físico que ocorre em nosso cérebro depois de uma grande mudança. A energia necessária para reconstruir uma outra imagem da nossa vida faz a gente ficar em um estado de choque, de tristeza, de letargia. Tentar pular os sentimentos ruins do luto pode trazer sofrimento la na frente, pode fazer com que a reconstrução dentro de você não seja completa.

Cada pessoa reage às mudanças e perdas da vida de um jeito. E ainda além, a mesma pessoa reage de forma diferente em cada momento da vida.

Meus lutos foram/são bem diferentes. Venho no processo de luto pela morte do meu pai desde 2012. Quando eu soube da doença já sabia que era terminal, já comecei a me preparar.  Foi muito diferente do choque que senti quando descobrimos o câncer da minha mãe. Era uma daquelas historias que a gente ouve por ai, que acontece com os outros, que acontece nos filmes que faz a gente chorar sem parar. Como assim era real? E em choque continuamos por quase três meses, em que quase nos enganamos, acreditando que do mesmo modo que o pesadelo podia acontecer na vida real, o milagre também podia. Mas ai aprendi que milagres são bem mais raros.

O luto da morte da minha mãe foi muito dificil. Meu cérebro (assim como do meu pai, e do meu irmao) teve muita dificuldade em criar uma nova imagem pra vida. Por muito tempo eu não conseguia dormir no silêncio. Fiquei muito mais preguiçosa, menos animada.

Meu pai vinha ficando doente desde então. Todo mês ia em medico, cada vez era uma coisa diferente. Ele ja vinha apresentando sintomas da doenca por meses (e por erro medico nao foi diagnosticado antes!). Quando apareceu no exame que era uma neoplasia maligna secundaria eu chorei muito, mas foi quase como uma tragedia anunciada. Os sinais estavam la. O luto pela minha mae ainda estava la tambem. Foi como se a vida me jogasse bem pra baixo, depois levantasse um pouquinho, e então jogasse pra baixo de novo. O tombo foi menor.

Meu pai ficou doente mais tempo. Tempo suficiente para a morte dele ficar menos escancarada na nossa frente. Tempo para mais arrependimentos. Me arrependo de não ter insistido em conversar com ele sobre a morte, nas vezes em que ele desconversou.  O fato de eu estar morando em outro país trouxe tambem muitos outros fatores. Muitas decisoes, muitas incertezas. Tive ate tempo de brigar com meu pai, de ter aqueles sentimentos contraditorios super normais de cuidadores. O luto da morte do meu pai tem muito mais remorso que o da minha mae. Quando minha mae morreu eu realmente nao senti nenhum remorso, nao tinha nada que podia ser feito que nao fizemos. Nada na nossa relacao me fazia ter sentimentos ambiguos ao lidar com sua ausencia. Mas deixei sim de fazer muitas coisas pro meu pai. E isso nao quer dizer que eu faria coisas diferentes. A verdade é que a gente so pode fazer o possivel ne?

Eu passei o natal e o ano novo com meu pai, mas na primeira semana de janeiro peguei o aviao de volta pra NY. Dois dias antes nós discutimos! Recebemos a visita de um casal amigo da familia, e meu pai comecou a reclamar que eu teria que ir embora. Eu perdi o controle, e falei muitas coisas. Fiquei brava mesmo! Eu ficava chateada que ele nao entendia que eu nao podia simplesmente ficar la em Cruzeiro com ele. Ele queria que eu ficasse pra aproveitar com ele enquanto ele ainda estava bem. E eu deixei bem claro que ele ainda ia precisar mais de mim, quando ficasse pior. Eu e ele estávamos errados. O momento que ele precisou de mim era aquele, e ele nao teve mais forças para aproveitar nada. Na mesma semana ele teve uma internação, a primeira de três.

Quando eu voltei para o Brasil, na ultima semana de Janeiro, no meio da segunda internação, ele estava na UTI. No mesmo dia saiu. Ele teve alguns dias de muita energia e risadas, antes da ultima internação. Sou muito grata a ele por ter falado com todas as letras para mim e meu irmao que a gente nunca se sentisse culpado por não ter ficado mais com ele, que ele entendia os nossos motivos, e que estava feliz de ter a gente ali com ele, naquele momento. Os olhinhos dele, quando viu eu e o Tiago na UTI, nunca vamos esquecer! Sou muita agradecida a vida também, de ter permitido que eu ficasse com ele em suas ultimas semanas. Tudo isso diminuiu um pouco o remorso das minhas ausências.

No luto que comecei em 2008 eu tinha muitas pessoas comigo! Minhas amigas em SP, na faculdade e em casa, me ouviam muito! Eu tinha uma rede de pessoas que estavam sempre prontas e me ouvir. Desta vez meu luto esta bem mais meu. Estou longe, as poucas vezes que falo sobre isso é com meu irmão, que compartilha dessas dores comigo. Acho que aqui nos EUA existe mais uma cultura de esconder a dor, com a qual não concordo.

Ando até com medo de estar disfarçando muito minha dor, pra ninguém achar que estou depressiva (tristeza no luto é normal!). Tenho medo de reprimir angustias, e deixa-las maiores! Ultimamente eu ando tendo crises de tristeza. São meio estranhas. Num dia comum, em que pareço bem, de repente me vem uma tristeza profunda, que tira meu ar. Vem cenas do meu pai doente, coisas bem aleatórias. Tenho que respirar profundamente, e parece que passa. Alguns dias tenho umas mais fortes, que me fazem chorar por dois minutos, e passa. Essas ultimas são sempre desencadeadas por algum coisa, as vezes bem nada a ver: uma musica do Frank Sinatra, um video de um casamento de uma conhecida com depoimento dos pais dela, um artigo na internet sobre organização de gavetas (um exemplo de uma coisa nada a ver que me fez sentir muitas saudades do cotidiano de anos atras), etc.

Na ultima semana tenho tentado deixar essas crises de lado. Fujo de qualquer coisa que possa me fazer lembrar meus pais, cancer, hospital. Quase todo dia finjo que nao vejo titulos de videos no facebook, como: "Pai com cancer terminal deixa mensagem para a filha", "Mulher com doenca terminal recebe homenagem dos amigos", etc etc. Tenho certeza que sao videos muito bonitos, que fazem as pessoas pensarem que devem ser mais gratas pela vida. Eu nao assisto. Lembro bem quando eu gostava de ver filmes tristes. Mas de repente tudo ficou tao real. Tenho cenas desse filme na minha cabeca o tempo todo.

Eu lembro bem que o mesmo acontecia com minha mae. As cenas se repetem na cabeca. Ainda parece impossivel que foi tudo de verdade, e que meu pai ja nao existe. Mas acredito sim no poder do tempo.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

quinta-feira, 8 de maio de 2014

A história de um oncologista que perdeu a mulher para um cancer

Estou adiando para escrever aqui, embora ja tenha um texto pronto na minha cabeça, vindo de varios pensamentos aleatórios durante os dias em que tudo pode ser resumido em: saudades de um tempo.

Por enquanto vou colocar o link de uma historia que acabei de ler. É o texto de um oncologista que escrevia para o New York Times em 2011, sobre como era acompanhar a própria mulher num tratamento de cancer de mama. Acredito que ele parou, assim que o tratamento parou. Ela parecia curada. Ano passado uma metástase apareceu, e ele conta neste texto como foi lidar com a mulher, agora com um cancer terminal, em seus últimos meses.

O texto me fez chorar em vários momentos, porque é profundamente familiar. Várias cenas, procedimentos, os momentos de esperança e desesperança. Os sentimentos contraditórios. Estranho como neste mundo tao grande podemos estar ligados a pessoas que a gente nem conhece. Quantas pessoas por ai estão cantando musicas antigas, sorrindo ao lado de alguem querido, tentando disfarçar o terror da imagem dos ossos saltando nas costas e do abdomem cheio de liquido? Quantas pessoas estao saindo do consultorio medico com uma pergunta entalada na garganta? Quantos acompanham um pai no hospital, sem conseguir dormir imaginando como será o ultimo minuto? Tantas pessoas passam por tudo que minha familia passou. Outras pessoas com outras dores, tao proximas a de outras pessoas, mesmo distante. No velório do meu pai havia pessoas que no mês seguinte estavam la velando seu proprio pai. Neste outro velorio estavam pessoas que ontem estavam la velando uma sobrinha.

No final somos todos ligados pela mesma mistura de dores, alegrias, surpresas e medos.

O texto:

http://nymag.com/news/features/cancer-peter-bach-2014-5/#comments

quinta-feira, 17 de abril de 2014

"...Indo e vindo infinito"

A maior lição da vida talvez seja aprender a lidar com a finitude. Tudo vai acabar, tudo vai mudar. A tentativa de manter tudo do mesmo jeito geralmente traz mais sofrimento. Esses dias andam estranhos porque a finitude ta escancarada.

Há dois meses foi meu pai. Há duas semanas foi o pai do meu tio, um senhor muito forte e festeiro, que de repente foi vencido por um cancer agressivo. Fui no enterro, e não consegui ficar ate o fim. Vi os filhos e netos - pessoas com quem eu geralmente me encontrava em festas de natal, ano novo, dias das mães ou dias dos pais - tristes, em silencio.

Meu avô, pai do meu pai, está acamado. Ha um tempo sofre de um tipo de demencia, e umas semanas atras caiu, quebrou o femur. Teve que fazer uma cirurgia. Alguns dias eu vou la no final da tarde, e me sinto bem. Gosto de conversar com ele, mesmo quando a conversa nao parece ter sentido. Acho triste que ele tenha chegado ao fim da vida assim. Ele sempre disse: "so nao quero um dia ficar na cadeira de rodas, dando trabalho". E acabou acontecendo. Mesmo sendo triste, acho tao bonitinho o jeito dele, o jeito da minha vó cuidando. Ele sempre agradece, muitas vezes diz que esta tudo bem, que a comida esta boa, que esta bem. Parece que ele quer agradar, deixar a gente tranquilo. As vezes ele fala coisas sem sentido. Alguns dias ele chama muito meu pai. Nao sei porque, nao sei se ele entendeu a morte do filho.

Esta é minha ultima semana aqui, e a casa esta mais vazia. O carro esta quase vendido. Ja fechamos as contas do meu pai, uma delas tinha 23 anos. Já doamos quase todas as roupas da casa. Vou ainda cancelar o telefone, tv, internet. Vou cancelar o número de telefone que temos desde a década de 80!

Ainda bem que tem um monte de bebê nascendo por ai, gente ficando grávida!

"Não chore não, dona Senhora, uma criança nasceu, o mundo começou outra vez."
(Um trecho do Grande Sertão Veredas, sempre dito por minhas amigas).




domingo, 13 de abril de 2014

Sonhos nos empurram pra frente


Devemos sempre colecionar muitos e muitos sonhos. Em alguns momentos da vida são eles que vão nos forçar a seguir em frente. Nossos sonhos estão la pra nos salvar.

Os últimos dias têm sido difíceis. Semana que vem já vou embora, e queria ter feito mais aqui, ter arrumado mais coisas. Mas a verdade é que esvaziar esta casa é MUITO difícil. É a dissolução de um porto seguro, é o corte de uma raiz muito grande e forte. Dói.

Minha vontade agora neste momento é de ficar aqui, nesta casa, cuidando dela, arrumando os móveis, cuidando das plantas e dos cachorrinhos. Ficar mais próxima do meu irmão. Ficar aqui pra sempre. Seria uma forma desesperada de manter alguma coisa mais comigo. Mas eu sei que seria também uma estagnação, quase uma paralisia. 

Há um tempo já aprendi que minha vida não é aqui em Cruzeiro, pelo menos por enquanto.

Ai que entram meus sonhos. E me salvam. Eles me fazem olhar pra frente, e me desvencilhar dessa força que me pede pra parar e desistir.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Instabilidade

Acabei de perceber: nos últimos cinco anos eu não morei por mais de um ano na mesma casa. Um treinamento e tanto para mim, que cresci praticamente na mesma casa. Ando me sentindo tao ansiosa, angustiada, dor nos braços, dor pulsante na testa, falta de ar, pressão mais alta, sensaçao de dor no peito. Talvez seja estresse. Pensei aqui que eu ja deveria estar acostumada com mudanças, com casas se desfazendo, depois desses cinco anos de treinamento. Mas na verdade por trás de cada mudança, havia aqui, sempre aqui, uma casa, bem firme no chão, com as mesmas plantas de 15 anos atrás, com meu quarto de parede rosa, com minha prateleira de bonequinhas.

Por vinte anos a casa esteve aqui. E agora ela também vai se desfazer, se diluir. Estou jogando fora quase tudo que guardei, agora ja nao tenho espaço para o permanente. Vou ter que reduzir tudo a duas malas.

Abril ja chegou. Logo vou, recomeçar.

 

domingo, 23 de março de 2014

Oi Pai!


Um video que achei no meu celular, que meu pai me mandou no final de 2013. Que bonitinho!



Fiquei um tempo agora a noite vendo fotos e videos, tentando diminuir um pouco a saudade que bateu super grande de repente. Vi vários videos que fizemos na viagem a NY. Lembro que eu achava chato fazer videos. Meu pai queria gravar para mostrar para a familia dele. Um dia eu disse pra ele não fazer, porque ninguém gostava de ver videos. Mal sabia eu que um dia seria eu mesma que estaria aqui, torcendo pra achar mais um videozinho, qualquer palavrinha! Ainda bem que ele nem me ouviu, e gravou varias coisas!!!!

sábado, 22 de março de 2014

Vencer a morte com VIDA



The Laughing Heart (Charles Bukowski)
your life is your life
don’t let it be clubbed into dank submission.
be on the watch.
there are ways out.
there is light somewhere.
it may not be much light but
it beats the darkness.
be on the watch.
the gods will offer you chances.
know them.
take them.
you can’t beat death but
you can beat death in life, sometimes.
and the more often you learn to do it,
the more light there will be.
your life is your life.
know it while you have it.
you are marvelous
the gods wait to delight
in you.

Sempre gostei deste poema, que conheci logo depois da morte da minha mãe. É sobre ser positivo, sem negar os problemas. É sobre focar nas chances que a vida dá, ao invés de se desesperar com o que perdeu. O poema diz: “Você não pode derrotar a morte, mas pode derrotar a morte durante a vida, algumas vezes”. É tão simples, e tão complexo! A morte é certa, perder pessoas importantes na vida é certo. Nossa única certeza absoluta é a morte. Mas a gente pode sim vencer a morte em vida, COM vida. Quem foi embora deixou para trás tanto futuro não vivido, deixou tanta vida, que quem fica precisa viver em dobro. Vive por quem foi embora.

Como meu pai gostava da vida! Ele se deliciava em pequenas coisas. Amava ir ao supermercado, gostava da feira de sábado (que no interior a gente chama de Mercado rs). Mesmo doente, ele se arrumava, colocava uma roupa disfarçando sua magreza, e ia feliz da vida fazer suas comprinhas. Recentemente, já em 2014, ele me forçou a ir com ele. Eu não queria que ele fosse, estava muito quente, e ele já estava bem fraco. Andei com ele se apoiando em meus braços por algumas barracas de frutas. Ele estava feliz da vida!

Ele adorava passeios, mesmo os mais simples, em lugares próximos. Ubatuba, São Lourenço. Gostava de andar em Sao Paulo, nas lojinhas na Teodoro Sampaio. Ainda foi além do que sempre sonhou, conheceu Nova York. Ele curtiu muito a viagem! Tirou centenas de fotos, conversou com várias pessoas, andou pra caramba. 

Ele gostava muito de televisão. Brigava com o sono. Quantas vezes a gente acordava para desligar a tv, com ele já roncando, e ele brigava, dizendo que estava ainda assistindo. Gostava de Jô Soares. Assistia Globo news quase o tempo todo, e sempre vinha com algum assunto do Saia Justa, Manhattan Connection, Estudio I. Ele gostava de aprender a falar coisas em inglês.

Curtia suas plantinhas, as orquídeas. Decorava a casa com detalhezinhos no banheiro, e nas paredes. Ficava feliz demais com novas aquisiçōes, e enchia nosso whatsapp de fotos.
Arrumar sapatos e tirar manchas de roupas brancas eram passatempos.

Meu pai trabalhou dupla jornada até se aposentar, em 2010. Ele acordava às 5 da manhã, pegava ônibus para ir dar aulas. A tarde começava no outro trabalho, e ia até o começo da noite. Ele trabalhou bastante! Quando eu era criança ele chegava a trabalhar nos três períodos, dando aula. Ele sempre foi muito estressado! Na minha cabeça eu achava que meu pai iria embora um dia durante uma aula, teria um ataque de coração, e pronto. Eu nunca, nunca achei que ele iria assim, de forma tão calma, tão lenta, tão anunciada.

Ele teve quase quatro anos depois de se aposentar para acalmar. Mesmo doente, ele queria viver muito mais! Ele sempre dizia que pedia para Deus dar a ele um pouco mais de tempo, tempo com qualidade, para ele aproveitar mais as coisas. O  tempo foi curto! Mesmo com as dores e mal estar, ele nunca quis desistir. Ele gostava demais da vida, e das pessoas que compartilharam com ele este mundo.

Esta semana fui em Ubatuba. Acredito que tenha sido a primeira vez nos meus 27 anos que fui sem ele. Não chorei nem uma vez. Não consegui ver a ausência. Me lembrei sim da última vez que eu tinha ido, no comecinho de 2013. Fomos só eu e ele, logo depois de passar por São Paulo, onde ele fez os primeiros exames no Hospital do Cancer. A gente já sabia que ele estava doente, mas ele estava bem. Meu irmão foi também se encontrar com a gente, e aproveitamos! Esta semana voltei para o mesmo lugar, e vi muita vida. Vida por todos os lados. Muito sol, azul, paz. Não havia silêncio, havia o mar, bonito do mesmo jeito. Lembrei que uma amiga me mandou uma mensagem dizendo que o mar pra ela é renovação. É estranho, porque é renovação, mas também continuação.

Então lembrei de um outro texto que achei há poucos dias: “Somos como crianças construindo um castelo de areia. Enfeitamos com belas conchinhas, galhos e pedaços de vidro colorido. O castelo é nosso, fora do alcance de outros. Somos capazes de atacar se outros ameaçarem destrui-lo. Ainda assim, além de qualquer apego, nós sabemos que a maré vai inevitavelmente subir e destruir nosso castelo de areia. O segredo é aproveitá-lo, mas sem extremo apego, e quando for a hora, deixá-lo se dissolver de volta ao mar”. (Ani Pema Chodron).

Como é dificil aceitar mesmo, de verdade, as mudanças, e a dissolução do nosso castelo! A gente constrói, planeja, acreditando que tudo vai seguir um plano. Bobagem! Coisas ruins vão acontecer. Se a gente estacionar, se entregar à escuridão, desistir, acaba a nossa vida. O tempo que nos foi dado é precioso. Minha mãe teve 46 anos, meu pai 60. A mãe da minha mãe teve pouco mais de 30. O sobrinho da minha amiga teve 3 anos.

Eu quero realizar muitos sonhos! O maior dele é ser feliz no tempo que me for dado. Não quero ficar num trabalho sem sentido, que me faça infeliz. Não quero mais viver me preocupando com o que vão achar se eu dizer não. Não quero juntar roupa, nem papel. Não quero viver na ilusão de que algo aqui me pertence. Não quero esperar tudo estar 100% para poder dar uma festa. Hoje eu gargalhei algumas vezes, nem lembro o porquê. Não é fácil gargalhar, mas é preciso. É estranho pensar em ser feliz sem meu pai e minha mãe, morando longe de toda minha família. Mas não tenho outra escolha!

Algumas pessoas me olham estranho, e não sabem o que dizer. Não sei se é pena, ou espanto. Quase quero dizer: “Calma, eu sou forte. E você também é”.

Durante o dia sou mais forte ainda. O barulho de carros, cachorros, conversas, tudo preenche um pouco o silêncio que meu pai deixou. Meu pai falava bastante, escrevia bastante mensagens. A vida perto dele era barulhenta! Mas a noite, na hora de dormir, o silêncio grita alto! Ai parece que quero dormir com a TV ligada, quero fazer como ele fazia. 

Quero plantar as orquídeas que ele não pode plantar.
Quero preencher a estranha solidão que a ausência deles traz, com luz, com todas as conchinhas e vidros coloridos possíveis. E que a maré leve tudo de volta ao mar quando for a hora.

Para ser feliz de verdade mesmo temos que aceitar que a vida é difícil, que as coisas vão mudar, que a inconstância é a única constante.

Esperança que a vida prevaleça sempre!





quinta-feira, 6 de março de 2014

As pessoas não ficam nos objetos

Como é estranho uma pessoa sumir de repente. Assim como todo mundo, meu pai se foi e deixou tudo para trás. Todas as coisinhas que ele gostava - as plantinhas, os tênis e bermudas moderninhas, os óculos de sol (sua mania), o aparelho de medir pressão, os enfeites do banheiro - tudo ficou para trás, no mesmo lugar em que ele deixou.

Passei uma semana nos Estados Unidos, onde comecei a aprender uma grande lição, desapegar. Fui pra la porque vamos nos mudar de Nova York para Boston, mas pela falta de onde deixar as coisas precisamos nos desfazer de muitas coisas. Tivemos poucos dias para arrumar a mudança, entao no susto me desfiz de roupas que eu guardava por mais de uma década, que eu nem usava, guardava por guardar.

Lá tive sentimentos muito ambiguos com relacao a tudo que aconteceu com meu pai. As vezes eu sentia meu coracao parar quando eu me lembrava que meu pai nao estava mais aqui, mas ao menos tempo sentia um alivio de nao existir mais aquele preocupacao gigante que eu tinha estando longe. Estranhamente eu me senti muito próxima dele, como se ele realmente estivesse ido comigo.

Chegar de volta na minha casa em Cruzeiro foi dificil. Minha cada dói. Com a morte do meu pai vai com ele uma casa inteira. Meus pais contruiram esta casa e colocaram tudo que está aqui dentro. Escrevi um post sobre isto ano passado, quando eu já me preocupava com este momento, desfazer de quase tudo que faz parte da minha vida (http://esperanca-sempre.blogspot.com/2013/01/sobre-o-peso-do-passado-nos-objetos.html)

Semana passada, durante o carnaval, meu irmao esteve aqui, e ja separamos muitas coisas! Juntamos 10 sacos de lixo, separamos as coisas de cozinha que vamos guardar e o que vamos doar, ja fizemos mentalmente uma separacao entre os moveis tambem. Tiramos tudo do guarda-roupas do meu pai, ja doamos algumas roupas. É um processo dolorido. A gente nao tem espaco para guardar muitas coisas. Meus pais gostavam das coisinhas que tinham, nao eram muito de comprar coisas novas, eram mais de conservar o que tinham. É estranho desfazer das coisas que ele guardavam por tanto tempo. Mas ai vem a maior verdade de sempre: as pessoas nao ficam nos objetos.

Nao ficam!

Vamos sim manter coisas que vamos usar. Alguns moveis, coisas de cozinha, algumas roupas. Mas a maior parte da casa vai embora para outras pessoas usarem.

Amanhã ja faz 3 semanas que meu pai descansou. Estou aqui na nossa casa. Acho que estar lidando com esta ausencia 24 horas por dia esta me ajudando a acostumar com a dor, porque dói o tempo todo. Meu pai gostava muita de coisinhas do dia a dia, assistir certos programas, ficar num certo lugar, dormir naquele horario. E ele se comunicava bastante! Expressava tudo que sentia, contava das coisas que gostava, do que nao gostava. Por isso sua presenca é tao forte em cada cantinho daqui.

Estou perdida no meio de burocracia, decisoes, buracos, silencios. Hoje a tarde parei para colocar tudo num papel, parece que nao vou dar conta. Espero que eu consiga usar o tempo que tenho no Brasil, e tentar deixar tudo da melhor maneira possivel.

Quero realmente fazer o melhor possivel desta situacao. Eu e meu irmao, enquanto arrumavamos as coisas, falamos muito sobre como realmente é a maior bobagem nossas preocupacoes com as coisas materiais. Meus pais se preocupavam bastante em nao ter como pagar contas, ou ficar sem dinheiro. Fizeram milagre com o salario de professor do meu pai. Fico com pena em pensar que eles foram embora, e deixaram tudo aqui. Ate queria que eles nao tivessem se preocupado tanto. Que tivessem aproveitado mais para eles mesmos. Os dois foram embora muito cedo, podiam ainda ter vivido decadas mais, sem preocupacao em criar os filhos, viajando, vendo eu e meu irmao mais velhos.

Não deu. Acho muito triste que com menos de 30 anos ja nao tenho meus pais, que eram tao tao presentes. Quero muito que eu e meu irmao sigamos em frente, que a gente consiga ir atras dos nossos sonhos, que a gente viva da melhor maneira possivel. Nao é facil. No dia a dia, ocupados, resolvendo problemas, tudo é mais facil. A dor aparece quando a gente esta sozinho, na hora de fechar o olho pra dormir.

Pai, a saudade já está imensa! Saudade de ouvir sua voz. Às vezes acho que la do seu quarto você vai me chamar. Até deixo a TV ligada na hora de dormir, como você fazia.

Mas o tempo ajuda, eu sei.