quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

"Quero meu filho pisando firme, cantando alto, sorrindo livre..."

Tenho andado ocupada, o mestrado tem tomado meu tempo, o que é bom. Descobri que sou viciada em estar ocupada, a cabeça pensa nas coisas que tenho que fazer, à noite fica fácil dormir, a vida parece que toma um sentido. Mas mesmo assim, essa dor vazia insiste em aparecer em momentos que parecem aleatórios. Minha terapeuta me lembrou que ainda é recente a morte do meu pai. Eu sinto que tenho esse luto por anos.

Entrei de férias semana passada, morrendo de medo dos dias livres. É um saco! Está tudo bem, mas as vezes choro escovando os dentes. Não tenho depressão. Além de ser tudo recente, essa época do natal bate forte! Já faz umas semanas que tenho tentado me preparar pra o natal. Quase decidi em não ter natal, ficar em casa sozinha, fingindo ser apenas uma noite de quarta-feira. Esse é sem duvida o natal mais difícil da minha vida. Estou longe da minha familia, primeiro natal sem meu pai, lembranças dos últimos dois natais com ele doente, quando tudo que eu pensava era que aqueles eram meus últimos natais com ele.

Final de ano tem um significado forte de recomeço, e eu venho tentado pensar no que fazer para ter uma vida melhor, para me acostumar mais com essas dores, esses vazios. Já nem consigo falar com ninguém sobre isso, parece que estou presa num ciclo, eu mesma me canso. Acho que ainda estou apegada nessa dor. Parece que meus pais, principalmente meu pai, vive por meio dela. Parece que se eu não sentir mais desse jeito, estarei me despedindo dele com vontade. Não quero. Quero a lembrança dele aqui comigo todo dia, quero lembrar das palhaçadas, das confusões, dele super apegado com a família, do cuidado com os sapatos e as flores. Quero lembrar dele não se conformando de eu ter vindo pros Estados Unidos. Quero lembrar dele reclamando de NY. Quero lembrar todo dia do que eu senti quando levei ele pro hospital sabendo que ele não voltaria, quando vi nos olhos do medico que seria naquele dia. Quero me lembrar das musicas que ele cantava meio sem sentido em suas ultimas semanas. Todo dia eu lembro da sensação de desamparo de quando não senti mais seu pulso. Todo dia eu lembro da tristeza profunda de voltar pra casa dirigindo seu carro, só com meu irmão. Todo dia penso na nossa casa vazia, me culpo por não estar com meu irmão e nossos cachorrinhos. Penso todo dia, não quero esquecer. Tem sempre uns dois dias na semana que choro por um minuto, e passa. Parece que assim seguro ele aqui comigo por mais tempo.

Quase todos os dias, vendo tv, ouvindo alguém contar alguma historia sobre seus pais, penso que nao é muito justo que nao tenho a chance de ver meus pais envelhecerem, ter um porto seguro, ter filhos com avos, tê-los vendo as conquistas minhas, do meu irmão, e meus primos. As vezes me paralisa o constante remoer do que isto significa na minha vida. O tamanho dessas faltas me faz parar e pensar perplexa na tristeza disso tudo, e como foi possível acontecer.

Mas no fim, de verdade, não acho que está certo me paralisar. Não é justo com eles faze-los viver na minha dor. Meus pais ficariam muito tristes com isso. Lembro que meu pai sofria de uma certa nostalgia quando eu estava crescendo. Ele sempre remoeu a morte de uma tia muito querida, em alguns domingos de manha ele ficava ate depressivo. A morte da minha mãe, ele nunca superou, chorava igual criança mesmo depois de anos. Mas ele não gostaria que fosse assim com a gente. Minha mãe cresceu sem a mãe, e era forte. Não era de choramingar, de se colocar de vitima. Ela perdeu pessoas queridas quando eu era adolescente. Ela deveria ser meu exemplo.

Quero muito para 2015 aprender a fazer meus pais viverem nas nossas conquistas, nos dias alegres. Não honro meus pais com dor, com tristeza. A vida é um ciclo, e as vezes sinto que esqueço disso, e vivo num mundo egoista olhando para minha dor.

Natal é dificil, porque sempre foi tão familia e tão feliz. Lembro de ter um lado da minha familia reunida, presentes, decoração, comida, risadas. Para mim e meus primos tudo parecia completo, mas olhando para trás não era. Minha mãe nunca passou natal com a familia dela, meus avos com certeza sentiam falta dos irmãos, dos pais. A gente cresce, e as ausências vão aumentam. As crianças que dão a falsa impressão de completude. Era tão bom.

Um ciclo, pessoas vão, deixam um buraco sem tamanho, que vira cicatriz. Outras pessoas vem, nascem novos membros da familia. A gente transforma as dores em algo mais. Queria que fosse facil me desapegar dessa dor. Quero essa lição pra 2015.