sábado, 22 de março de 2014

Vencer a morte com VIDA



The Laughing Heart (Charles Bukowski)
your life is your life
don’t let it be clubbed into dank submission.
be on the watch.
there are ways out.
there is light somewhere.
it may not be much light but
it beats the darkness.
be on the watch.
the gods will offer you chances.
know them.
take them.
you can’t beat death but
you can beat death in life, sometimes.
and the more often you learn to do it,
the more light there will be.
your life is your life.
know it while you have it.
you are marvelous
the gods wait to delight
in you.

Sempre gostei deste poema, que conheci logo depois da morte da minha mãe. É sobre ser positivo, sem negar os problemas. É sobre focar nas chances que a vida dá, ao invés de se desesperar com o que perdeu. O poema diz: “Você não pode derrotar a morte, mas pode derrotar a morte durante a vida, algumas vezes”. É tão simples, e tão complexo! A morte é certa, perder pessoas importantes na vida é certo. Nossa única certeza absoluta é a morte. Mas a gente pode sim vencer a morte em vida, COM vida. Quem foi embora deixou para trás tanto futuro não vivido, deixou tanta vida, que quem fica precisa viver em dobro. Vive por quem foi embora.

Como meu pai gostava da vida! Ele se deliciava em pequenas coisas. Amava ir ao supermercado, gostava da feira de sábado (que no interior a gente chama de Mercado rs). Mesmo doente, ele se arrumava, colocava uma roupa disfarçando sua magreza, e ia feliz da vida fazer suas comprinhas. Recentemente, já em 2014, ele me forçou a ir com ele. Eu não queria que ele fosse, estava muito quente, e ele já estava bem fraco. Andei com ele se apoiando em meus braços por algumas barracas de frutas. Ele estava feliz da vida!

Ele adorava passeios, mesmo os mais simples, em lugares próximos. Ubatuba, São Lourenço. Gostava de andar em Sao Paulo, nas lojinhas na Teodoro Sampaio. Ainda foi além do que sempre sonhou, conheceu Nova York. Ele curtiu muito a viagem! Tirou centenas de fotos, conversou com várias pessoas, andou pra caramba. 

Ele gostava muito de televisão. Brigava com o sono. Quantas vezes a gente acordava para desligar a tv, com ele já roncando, e ele brigava, dizendo que estava ainda assistindo. Gostava de Jô Soares. Assistia Globo news quase o tempo todo, e sempre vinha com algum assunto do Saia Justa, Manhattan Connection, Estudio I. Ele gostava de aprender a falar coisas em inglês.

Curtia suas plantinhas, as orquídeas. Decorava a casa com detalhezinhos no banheiro, e nas paredes. Ficava feliz demais com novas aquisiçōes, e enchia nosso whatsapp de fotos.
Arrumar sapatos e tirar manchas de roupas brancas eram passatempos.

Meu pai trabalhou dupla jornada até se aposentar, em 2010. Ele acordava às 5 da manhã, pegava ônibus para ir dar aulas. A tarde começava no outro trabalho, e ia até o começo da noite. Ele trabalhou bastante! Quando eu era criança ele chegava a trabalhar nos três períodos, dando aula. Ele sempre foi muito estressado! Na minha cabeça eu achava que meu pai iria embora um dia durante uma aula, teria um ataque de coração, e pronto. Eu nunca, nunca achei que ele iria assim, de forma tão calma, tão lenta, tão anunciada.

Ele teve quase quatro anos depois de se aposentar para acalmar. Mesmo doente, ele queria viver muito mais! Ele sempre dizia que pedia para Deus dar a ele um pouco mais de tempo, tempo com qualidade, para ele aproveitar mais as coisas. O  tempo foi curto! Mesmo com as dores e mal estar, ele nunca quis desistir. Ele gostava demais da vida, e das pessoas que compartilharam com ele este mundo.

Esta semana fui em Ubatuba. Acredito que tenha sido a primeira vez nos meus 27 anos que fui sem ele. Não chorei nem uma vez. Não consegui ver a ausência. Me lembrei sim da última vez que eu tinha ido, no comecinho de 2013. Fomos só eu e ele, logo depois de passar por São Paulo, onde ele fez os primeiros exames no Hospital do Cancer. A gente já sabia que ele estava doente, mas ele estava bem. Meu irmão foi também se encontrar com a gente, e aproveitamos! Esta semana voltei para o mesmo lugar, e vi muita vida. Vida por todos os lados. Muito sol, azul, paz. Não havia silêncio, havia o mar, bonito do mesmo jeito. Lembrei que uma amiga me mandou uma mensagem dizendo que o mar pra ela é renovação. É estranho, porque é renovação, mas também continuação.

Então lembrei de um outro texto que achei há poucos dias: “Somos como crianças construindo um castelo de areia. Enfeitamos com belas conchinhas, galhos e pedaços de vidro colorido. O castelo é nosso, fora do alcance de outros. Somos capazes de atacar se outros ameaçarem destrui-lo. Ainda assim, além de qualquer apego, nós sabemos que a maré vai inevitavelmente subir e destruir nosso castelo de areia. O segredo é aproveitá-lo, mas sem extremo apego, e quando for a hora, deixá-lo se dissolver de volta ao mar”. (Ani Pema Chodron).

Como é dificil aceitar mesmo, de verdade, as mudanças, e a dissolução do nosso castelo! A gente constrói, planeja, acreditando que tudo vai seguir um plano. Bobagem! Coisas ruins vão acontecer. Se a gente estacionar, se entregar à escuridão, desistir, acaba a nossa vida. O tempo que nos foi dado é precioso. Minha mãe teve 46 anos, meu pai 60. A mãe da minha mãe teve pouco mais de 30. O sobrinho da minha amiga teve 3 anos.

Eu quero realizar muitos sonhos! O maior dele é ser feliz no tempo que me for dado. Não quero ficar num trabalho sem sentido, que me faça infeliz. Não quero mais viver me preocupando com o que vão achar se eu dizer não. Não quero juntar roupa, nem papel. Não quero viver na ilusão de que algo aqui me pertence. Não quero esperar tudo estar 100% para poder dar uma festa. Hoje eu gargalhei algumas vezes, nem lembro o porquê. Não é fácil gargalhar, mas é preciso. É estranho pensar em ser feliz sem meu pai e minha mãe, morando longe de toda minha família. Mas não tenho outra escolha!

Algumas pessoas me olham estranho, e não sabem o que dizer. Não sei se é pena, ou espanto. Quase quero dizer: “Calma, eu sou forte. E você também é”.

Durante o dia sou mais forte ainda. O barulho de carros, cachorros, conversas, tudo preenche um pouco o silêncio que meu pai deixou. Meu pai falava bastante, escrevia bastante mensagens. A vida perto dele era barulhenta! Mas a noite, na hora de dormir, o silêncio grita alto! Ai parece que quero dormir com a TV ligada, quero fazer como ele fazia. 

Quero plantar as orquídeas que ele não pode plantar.
Quero preencher a estranha solidão que a ausência deles traz, com luz, com todas as conchinhas e vidros coloridos possíveis. E que a maré leve tudo de volta ao mar quando for a hora.

Para ser feliz de verdade mesmo temos que aceitar que a vida é difícil, que as coisas vão mudar, que a inconstância é a única constante.

Esperança que a vida prevaleça sempre!





Um comentário:

  1. Lindo demais, Lindinha! Sem palavras...vc e seu irmão preenchem de vida tds os lugares em que estão! Sinto um privilégio indescritível por ter conhecido a sua família! Amo mto vcs!

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