sábado, 15 de fevereiro de 2014

Dor maior que o mundo

Acordei agora pouco confusa, ja estava escuro, e me surpreendi que o mundo ainda existia. Estou devastada. Hoje enterramos meu pai num cemitério "bonito e tranquilo", quase em cima de uma montanha. Estou com meu irmao agora em nossa casa, e tudo aqui dói. Tudo é meu pai. Até dirigir seu carro dói. Queria que todas essas coisas sumissem.

Meu pai era simplesmente muito presente, falava muito, comentava tudo, participava de tudo. No velório eu achei que estava bem, recebi muitos abraços, ele era muito querido. Mas agora estou sentindo uma dor enorme e um vazio sem tamanho. Foi embora uma segurança, um porto seguro, uma pessoa que nos amava acima de tudo, que queria tanto o nosso bem. Perder meu pai é perder tanto! É entrar numa vida de mais silêncio. Hoje eu sinto que nao vou ter forças. Eu sei que a gente supera, que o tempo cura, faz a gente se acostumar, mas hoje esta dor esta demais!

Meu pai era meu paizinho, tao carinhoso, tao único, tao intenso.

Dói muito.


 

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Que doença...

Hoje não consegui conversar com meu pai. Ele esta ainda falando o tempo todo, escolhe uma frase e repete por um tempão. Mas hoje ele não responde minhas perguntas. Hoje estou bem angustiada. Acho que eu estava sempre muito firme, lidando com tudo de forma muito fria. Mas gente, que dificil! Olho meu pai tao fraquinho, magrinho, mãos tremendo, olhos sempre semi-abertos, repetindo frases sem sentido. Que doença horrivel! Vai levando devagar toda a vida! Meu pai sempre foi super agitado, gordinho, falante. Sempre gostou de viajar, passear, de comentar coisas que via na televisão. É triste demais ver ele assim.

Me revolto comigo mesma por ser uma pessoa tao preocupada com bobagens no meu dia a dia. Mesmo depois da minha mae ter cancer e morrer, eu nao aprendi que na vida ter saúde é tudo. Se você nao pagar uma conta, nao ter a melhor roupa, nao souber as respostas, nao souber esconder suas olheiras, nada disso é razao para se preocupar, pra perder o sono ou o apetite. Se você acordou, teve o que comer, nao tem dor, consegue fazer suas coisas sem ajuda de ninguem, que vida boa!

As vezes eu falo: "Oi pai!", e ele responde:"Oi filha". Ja é o suficiente para mim, ele sabe que estou aqui. Mas hoje a tarde ele ficou super agitado de repente, falando que o sol estava o queimando. Falei com ele que ele estava seguro comigo, e perguntei meu nome. Ele disse: "Maria Dinalva", minha mãe.

Hoje vou passar minha quinta noite aqui no hospital direto. Não é tão ruim quanto parece. Onde eu durmo é confortável, tem TV, eu trouxe meu computador. E meu pai é bonzinho. As enfermeiras mesmo dizem. Ele nao reclama. Amanha meu irmão vem, mas parece que nao quero sair daqui. Ja fiquei tanto tempo longe, quero que meu pai saiba que estou aqui.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Além do Horizonte

Meu pai acordou as 4:30 da manhã, super ansioso, falando coisas meio sem sentido, com a voz fraca. Ficou assim o dia todinho. Todinho! Escuta uma palavra na tv, e repete coisas sobre aquilo por minutos.

Quando seus irmãos estavam aqui, ele repetiu orações com eles.

Mais tarde ele repetiu varias vezes como Deus sabe o caminho que a gente tem que passar.

Ficou um tempão com a musica Alem do Horizonte na cabeça, toquei varias vezes pra ele. (http://www.youtube.com/watch?v=ih-x31pWZFI). Depois ficou repetindo: "que musica bonitinha! que lugar bonitinho".

Agora pouco um trem passou aqui perto. Faz minutos que ele esta dizendo: "Tiago, olha o trem!". Ele lembrou que meu irmão adorava trem quando era pequeno. Ele está dizendo que está com medo de perder o trem.

Meu pai sempre foi falante, e agora esta assim também. Acho que é o jeito dele de organizar os pensamentos. As vezes parece que esta muito ansioso, que esta tentando fazer sentido de sentimentos ruins. Mas algumas vezes fala coisa de tranquilidade. Eu que descanso no silencio, estou tendo dificuldade em lidar com isso. Mas quando ele canta é tao tranquilo e bonzinho, que fica mais fácil.




terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Sétimo dia no hospital

Sétimo dia do meu pai, terceiro dia meu seguido. E um dia quente!

O oncologista avisou que os exames melhoraram, somente a anemia persiste. Ele aconselhou a tentar tomar banho no chuveiro e a sentar um pouco. E assim foi. Meu pai passou o dia na poltrona.
Como alguns exames de proteínas estão baixos, os medicos decidiram colocar uma sonda para alimentação. Assim foi, mas meu pai não gostou. Teve que esperar um tempão sem beber água e isso o deixou muito ansioso. Gritou, gemeu, chorou. Acabei dando um pouquinho, com autorização da enfermeira. Como ele é ansioso! Mesmo confuso, mesmo cansado, ele fala sem parar! Exige resposta. As vezes ele escuta uma frase na tv ou de outras pessoas, e fala aquela frase sem parar, querendo fazer sentido naquilo.

Acabou que ja nao gostei da ideia da sonda, porque ele ficou bem mais ansioso. Reclamando, querendo ir pra casa.

Quando ele estava com sede, começou a cantar: "Bebe comigo, como se bebe na China!". Ele mudou a letra daquela música "baila comigo', da Rita Lee. Mas ele percebeu que estava cantando errado, e que a musica nao fazia sentido. Começou a ficar muito nervoso, repetindo a parte da China.

Outra hora começou a cantar aquela músia: "Eu quero ter um milhão de amigos", do Roberto Carlos. Ate coloquei no celular pra ele cantar direitinho e nao ficar nervoso.

Agora pouco uma enfermeira e eu colocamos ele de volta na cama, e pedimos para ele andar devagarinho igual passarinho. Pronto, só repetia isso. "Devagar igual passarinho".


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Hoje a tarde

De repente meu pai piorou tanto. E eu nem sei o que fazer...
Passou o dia todo pedindo para eu falar para minha vó arrumar a roupa dele, lavar a roupa, tomar água.
Ele disse que tinha um lugar pra ir, que era muito bonito. Perguntou se eu podia ir com ele. Ele disse que era um lugar bem longe. Ele disse que ia dar uma espiadinha e me contar. Dormiu por 2 minutos, acordou e disse que tinha visto um lugar feio. 
Ele disse que nao esta com medo, esta tranquilo, e sem dor.
Outra hora perguntou se quando ele for pra esse lugar, se eu vou encomendar outro. Falei: "encomendar outro pai??!!"

Ha alguns minutos colocaram oxigenio, porque ele estava respirando bem dificil.

Levei um susto agora escrevendo aqui, ele disse assim: "Se a Dinalva fosse viva ela ia estar acordada comigo". Levei um susto, porque foi a primeira vez que ele falou da minha māe.

Deja vu

Dias no hospital

Semana retrasada meu pai teve alta do hospital na quinta-feira, dia 30 de janeiro. Fomos para casa, e ele estava bem melhor. Animado, bem lúcido, fazendo coisas em casa, ate exagerando. Ficou muito bem até terça passada, quando ele acordou com muito sono.

Dia 4 de fevereiro ele teve consulta com o oncologista, que achou ele bem melhor, mas pediu que tomasse soro, e fosse para casa. Assim que chegamos em casa percebi que meu pai estava estranho, falando frases sem nexo, se movimentando bem devagar. Achei melhor esperar o dia seguinte para ver se nao era algo do momento. Durante a noite ele acordou de 1 em 1 hora, falando frases completamente sem sentido, falando com seu irmao, irma, mae, pessoas que nao estavam ai. Assim que amanheceu, liguei no hospital, e o oncologista pediu que fossemos para la, meu pai seria internado de novo.

E estamos ainda aqui, 5 noites já. Nos dois primeiros dias meu pai estava bem confuso, dormindo bastante, falando coisas completamente sem sentido. Na sexta ele melhorou um pouco, ja estava reconhecendo todo mundo. Eu passei tres noites seguidas no hospital. Nem foi tao ruim. Consegui dormir a noite, a poltrona em que durmo é bem comfortavel. Mas no ultimo dia comecei sim a sentir uma exaustão. No sabado meu irmao veio para passar a noite, e meu pai estava melhor. Levantou com ajuda, foi ao banheiro, tomou banho fora do leito, etc.

Minhas super amigas Katia e Luiza vieram no sabado ver meu pai e deram carona pro meu irmao. Foi bom que relaxei um pouco, a gente saiu para comer, conversamos, consegui ate esquecer o hospital.

Ontem, domingo, meu irmao voltou pra Sao Paulo, e eu estou aqui de volta.

Tem ficado mais dificil. Na noite em que meu irmao dormiu aqui, meu pai nao conseguiu dormir. Acho que ele teve uma crise de ansiedade. Ontem ele teve um pouco tambem, mas chegou a dormir. Meu pai sempre foi muito ansioso e falante. Ele voltou a ficar bem confuso, fala o tempo todo com minha avó, a mae dele. Agora mesmo ficou repetindo e repetindo que era para minha vó "tomar a do Valter para nao estragar". Quase tudo que ele fala sao coisas de preocupacao, horario de remedio, dinheiro para comprar, pergunta se meu avô comeu, mas tudo fora de nexo. É dificil, porque alem de ver meu pai nesta situação, ele praticamente fala o tempo todo, e espera a resposta. As vezes nao entendo, e ele fica bem impaciente. Agora pouco ele estava querendo sair da cama, pedindo para eu colocar o rosto para cima. Mas quando eu tentei mexer a cabeça dele, ele disse que nao era aquilo, era para colocar o meu rosto. Ou seja, nao tem sentido nenhum.

Ontem ele ficou repetindo que hoje a vida dele ia ficar, que hoje ele ia embora. Hoje ele me disse que era o dia de ele ir embora. Perguntei pra onde ele iria, ele disse que iria para bem longe. Fiquei preocupada de ele estar sentindo alguma coisa, nao sei. Mas perguntei quem morava nesse lugar, ele disse que eu morava, e que a mae dele morava tambem. Ele esta muito querendo ter alta. Hoje rapidinho reconheceu o medico, e ja foi pedindo para ter alta.

O medico disse que os exames de sangue melhoraram um pouco (estavam muito ruins semana passada, tudo, plaquetas, defesas, etc). Mas parece que ele nao esta conseguindo comer o suficiente, e o que come o corpo tem dificuldade de reter nutrientes. Estao pensando em entrar com uma sonda para alimentar, talvez amanhã.

Eu estou sem saber muito bem o que esta acontecendo, sem saber o que pode acontecer. Acho que ninguem sabe. Os medicos estao tentando fortalece-lo com sangue, plaquetas, suplementos, e agora esta sonda.

É muito dificil entrar numa luta que voce ja sabe que perdeu.

Estou tentando fazer o que posso para me sentir bem, para sentir que fiz o que pude. Eu que sou uma pessoa de poucos abraços e beijos, mas tenho tentado dar o maximo de carinho. Eu passei muito tempo longe, ate poderia me sentir mal, mas nao sinto. Sinto mesmo que fiz o que pude. Meu pai mesmo disse para mim e meu irmao, quando estava bem semana passada, pra gente nunca se sentir mal de ter ficado longe.

Cuidar 24 horas por dias tambem nao é facil, mas sei que ter sentimentos ambiguos tambem é normal.  
Meu pai esta falando com a mae dele o dia todo hoje (agora esta pedindo para sua mae amarrar a roupa pra ele, e lavar). Acho estranho que ele nunca fala da minha mae. geralmente pacientes confusos falam de pessoas que morreram e foram importantes, mas ele nao fala. Talvez seja um assunto mais dificil. Ontem de repente ele disse assim: "que vai ser o novo dono das cachorrinhas?". Eu disse que nao tinha novo dono nao, os donos somos nos. Ele disse que estava brincando.

No meio de tanta confusao as vezes ele fala coisas engracadinhas. Ontem eu perguntei se ele estava bem, e ele disse: "Estaria se eu nao estivesse com esta cara de pamonha!". Ontem a noite coloquei umas musicas pra ele, e ele canta uns pedacinhos, Frank Sinatra por exemplo. as vezes ele repete o que a televisao acabou de dizer. As vezes ele escuta um assunto entre eu e a enfermeira e ele comenta alguma coisa, ou pergunta.

Estamos no Hospital Frei Galvao em Guaratingueta. Estou muito satisfeita com o atendimento, as enfermeiras sao muito boas e prestativas. Nutricionista, fono, as mocinhas da limpeza, todo mundo.

Estou com bastante tempo para escrever agora. logo volto.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

De madrugada tudo piora

Ai a vida é tão tão difícil...

Eu nem sei se devo usar este espaco de maneira tao pessoal, mas nao consigo dormir.

Acho que acabei de ter uma crise de ansiedade, meu ar sumiu

Nao sei porque algum tempo atras eu resolvi complicar minha vida. Eu mudei, criei outras crenças, outros principios. Tudo fica tao confuso agora. Vontade de desistir de uma parte, nao estou consigo lidar com as duas. Nesta minha busca de outros horizontes me transformei em uma pessoal tao mais individualista e egoista. Fiquei tao mais sozinha.




quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Pai na UTI, volta urgente ao Brasil!

De um dia pro outro, tudo muda!
Terminei meu último post feliz, com meu pai animado, e eu conseguindo ficar bem nos Estados Unidos.
No sábado a tarde liguei para meu pai, e minha avó atendeu. Estava uma confusão! Meu pai tinha acabado de cair no banheiro, minha avó estava esperando meu tio chegar para ajudar meu pai a se levantar. Eu fiquei sem entender! Tentei falar com meu pai, mas ele não estava conseguindo falar. Minha avó fazia perguntas para ele, mas ele não respondia direito. No final ele pegou no telefone, mas ele não falava coisa com coisa. Começou a contar histórias sem nexo, a chamar todo mundo de mãe, a misturar os sintomas dele com sintomas da minha avó. Fiquei desesperada! Eu perguntava X, ele respondia Y. Comecei até a achar que era problema na ligação, mas logo minha tia chegou, pegou no telefone, e consegui conversar com ela normalmente.
Em poucas horas meu pai ficou completamente sem noção! Liguei para ele algumas vezes, falei com minha tia, e conseguia ouvir ele falando frases sem sentido. Falei pra ela levá-lo ao hospital.
Tia Sueli, tio Valter, e o Seu Martins (uma pessoa excepcional, que dirigiu meu pai ao hospital várias vezes na minha ausência, que nem é da família, nem pede nada em troca) levaram meu pai até Guaratinguetá, onde fica o hospital.
O primeiro médico o dispensou, disse que tudo era problemas da doenças. Minha tia insistiu. O segundo médico viu gravidade, e mandou ele para a UTI. O quadro tinha piorado e estava causando confusão mental.

O tempo todo me comuniquei com minha tia por meio do Whatsapp. Gente, que dificil! Não dormi, coração ficou apertado! Meu pai na UTI, com risco, e eu longe! Fiquei com medo de acontecer o pior e eu estar longe! Domingo às 10 da manhã marquei um voo para às 10 da noite. Eu tinha tomado a decisão de voltar para os Estados Unidos depois do ano novo, porque achei mesmo que ele iria ficar firminho por um tempo. Acabou que três semanas depois estava eu de novo no aeroporto vindo para o Brasil. Ainda bem que a viagem foi confortável, extra espaço no avião, recorde de tempo na imigração e pegar malas.

Encontrei com meu irmāo no aeroporto, e fomos direto para o Hospital. Chegamos exatamente na hora da curta visita da UTI. Eu nunca tinha entrado numa UTI. Assim que entramos meu pai abriu bem os olhos e disse: "Cade meu povo?". Quando ele reconheceu que era eu e o Tiago ficou espantado e disse: "Não acredito que vocês estão aqui! Não acredito!" Repetiu, e repetiu isso. Chorou! Logo reparei que ele tinha dado uma melhorada, já sabia onde estava. Fez perguntas do que tinha acontecido com ele, o porquê de estar ali. Admirou-se de eu estar ali! De ter voltado tão rápido.

O médico conversou comigo, disse que quando ele entrou na UTI fizeram exames para avaliar metastases cerebrais ou mesmo trauma causado pela queda. Os exames da cabeça estavam ok. Mas as metástases no fígado e pulmão tinham aumentado muito. Além disso, todos os exames de sangue estavam ruins, anemia, poucas plaquetas, etc. O médico queria mandá-lo para o quarto, pois assim teria mais tempo de visita e poderia ter acompanhante. Então eu cheguei, e ele já passou para o quarto.

Meu irmão passou a primeira noite com ele, noite passada fui eu.

Agora estou aqui, e já cheguei no limite de ir e vir dos Estados Unidos (caro caro!). Meu pai deu uma melhorada, mas simplesmente não posso ir embora. Cada dia é diferente. Amanhã ele pode ter outra crise, acontecer alguma coisa. Infelizmente é uma doença progressiva. E a verdade é que ele está precisando de cuidados 24 horas, e não tem ninguém para fazer isso. Todo mundo tem trabalho, tem sua própria vida. Mas se alguém vai abrir mão dessas coisas, parece-me que tem que ser os filhos.

Na segunda-feira eu estava me sentindo bem! Cheguei, meu pai já teve alta, estava melhor, vi como ele ficou feliz de me ver. Senti em paz comigo, algo que eu já não estava sentindo estando longe.

Esta noite passei a noite no hospital, e já comecei a ter sentimentos negativos por estar aqui. Embora acho que tudo dentro da normalidade. Quem mora em algum lugar longe da familia, acaba sempre sentindo que falta algo, nao importa onde você esteja. E a verdade verdadeira, que talvez pareça individualista e egoísta, é que eu me acostumei muito em fazer as coisas para mim mesma no dia a dia. Mesmo estando muito preocupada com meu pai, eu estava contente com minha vida em NY. Eu estava extremamente satisfeita com meus dois trabalhos. Dar aulas de português estava sendo muito divertido e desafiador, eu estava aprendendo muito. E TODOS os alunos são muito legais! Além disso, eu estou muito acostumada a fazer tudo com meu marido, a passar horas juntos, mesmo que os dois estejam estudando/trabalhando em silêncio na mesma mesa. A gente precisa um do outro. Ficar longe é extremamente difícil.  

Meu marido me disse uma coisa que estou tentando fazer. Ja que estou aqui, tenho que me concentrar em estar aqui. Estou tentando. Nao posso ficar pensando no que estou perdendo, dos trabalhos que joguei pro alto, de levar minha vida normalmente. Tenho que me concentrar em ajudar meu pai nesta hora em que ele precisa de mim. Eu tenho absoluta certeza que a longo prazo esta minha segunda "parada" na minha própria vida vai ser apenas um momentinho, mas a sensação de que eu fiz o que tinha que fazer vai durar muito e muito tempo.




quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Racionalização



              (Já aviso, texto longo, sem nexo, sem organização, talvez amanhã eu edite)

              Já faz duas semanas e meia que voltei do Brasil. Passei 15 dias por lá, todos em Cruzeiro. Foi bom e estranho. Fiquei o tempo todo quase com meu pai. Ele realmente tinha dado uma piorada. Estava dormindo mais, com a voz mais fraca. Eu tinha prometido para mim mesma que iria aproveitar cada minuto, ficar de bom humor, ajudá-lo. Mas a realidade não é bem assim. É dificil ficar bem quando alguém perto de você está com dor, mal estar, dorme pouco. E relacionamentos humanos são tão complexos e intrincados em tantos fatores, que as vezes a gente nem entende a gente, quem dirá entender o outro.

                A primeira semana foi boa! Calor, shortinho, havaianas! O natal passamos na casa nova da minha tia, que eu estava ansiosa para conhecer. No final, o natal foi estranho!( Aqui é meu blog, e posso ser sincera, bem sincera!) Em 2012 descobrimos a doença do meu pai uma semana antes do natal. No dia mesmo da ceia eu estava convencida que seria o último natal do meu pai, entrando no meu mecanismo de defesa favorito, a racionalização. Foi dificil, e tudo me levou a decisão de ficar no Brasil por seis meses. O resto eu já escrevi aqui.

                Mas a vida surpreende, ainda bem! Meu pai ficou firme, aguentou bem, e estava la com a gente passando o natal em 2013! Que alegria deveria ser não? Mas estranhamente eu não senti nem alegria, nem tristeza. Eu não senti nada! Estava completamente anestesiada de qualquer coisa. Acho que eu não estava querendo muito era pensar em nada.

                No final da noite um dos meus queridos primos ficou meio pra baixo. Ele conversou comigo que andava triste, achando o natal muito sem graça, pensando em como de repente nossa familia começou a ter problemas, e de como sempre por muitos anos tudo deu muito certo! E é verdade isso!!! Por anos e anos nos reunimos na casa da minha tia, com a familia do meu tio (marido dela), e era sempre muito legal! Claro que também tem o fato de sermos crianças, quando o natal tem sempre mais graça. Com o tempo não ganhamos mais brinquedos, algumas pessoas vão casando e comemorando com suas próprias famílias, outras pessoas vão embora, outras ficam doente.

E estavamos ali, natal de 2013, sem minha mãe, sem a irmã dele que está fazendo intercâmbio, sem meu avô que esta tão doente que nem pode sair da cama, com meu pai bem doente, o sogro da minha tia também doente, e assim vai. Crescer não é divertido não! Meu primo estava bem sentido. Eu não estava sentindo nada. Comecei a chorar, chorar de tristeza por não sentir.

Meu tempo no Brasil foi tomado de racionalizações. Como é díficil morar longe da família, ainda mais quando as pessoas precisam de você, quando você cresce numa cultura em que estar com os pais doentes é esperado. Sinto mesmo uma terrível culpa! Uma culpa tão grande que talvez me consumisse se eu não racionalizasse tudo! Coloco tudo numa lógico bem explicadinha de que tudo tem sua hora, de que preciso trabalhar, preciso construir minha carreira, que escolhi ficar aqui e preciso ir em frente com isso. Na verdade tudo é verdade mesmo! Moro aqui, tenho contas, imposto, coisas que todos tem. Não posso simplesmente ficar no Brasil 6 meses todo ano. Esse mundo não existe para mim.

Acontece que o que a gente pensa, nosso caminho, nossas escolhas, nossas dores, são nossas! Não são de mais ninguém. Como alguém vai entender minhas decisões se não andam nos meus pés? É dificil! As vezes até acho que exijo muito esperando que me entendam. Esse foi um dos meus conflitos no Brasil. Eu fui durante meu periodo de recesso. Muitas pessoas estranharam eu ja voltando dia 6 de janeiro. Inclusive meu pai.

Ele sempre foi uma pessoa muito carente! Gosta de pessoas por perto, de conversar. Ele na verdade nunca entendeu minha vinda para cá. Nunca! Nem quando estava bem. Logo a primeira vez que vim passear e conhecer meus sogros, passei pouco mais de um mês. Foi muito dificil ele aceitar que eu nao passaria o natal com ele! Quando vim meio sem saber se ficaria ou não, tive que pisar em ovos para contar a novidade! Imagina agora com ele nessa situação?

Os últimos 3 dias no Brasil foram cheios de conflitos! Meu pai fazendo mil comentários sobre minha vinda, dando indireta, e eu dando minhas razões racionais. Choramos, até discutimos! Sei que na verdade ele não me entende. Eu tenho medo de um dia sentir remorso por isso, mas a verdade final para mim é isso: a gente toma decisões que tem consequências. Maturidade é saber levar as consequências. Minha consequência é passar menos tempo com minha família, e vir a sentir remorso por isso.

                O problema maior, além do que eu sinto, ou meu pai sente, é que ele piorou! Desde o começo eu já estava pensando como eu conseguiria ir embora deixando meu pai lá daquele jeito. Ele estava andando com dificuldade, falando com dificuldade. Dei sorte e consegui ir numa consulta com meu pai. O médico estava ainda esperando o resultado da ressonância do crânio (por conta da visão dupla). Ele receitou um remédio novo para dar mais ânimo. No final me disse para voltar pros Estados Unidos tranquila que meu pai ainda iria ficar firminho por um tempo. Ele deixou escapar que o fato de meu pai ter ficado tanto tempo bem sem a quimio foi uma surpresa.

                Tive outra sorte que no dia de ir pro aeroporto a ressonancia ficou pronta, e consegui ver o resultado. Nada de metástase cerebral (ufa!). Acabou que deixei meu pai relativamente bem, mais conformado com minha volta.

                No dia seguinte ele fez um exame de punção lombar (a ressonancia apontou uma alteração que pode ter ligação com infecção). E ele começou a passar mal! Foi só eu vir embora, ele piorou mais ainda! Um dos meus queridos primos levou meu pai para o Hospital, ele estava fraco, comendo pouco. Fizeram uma retirada de liquido do pulmão (há um tempo estava acumulando liquido), e o internaram. Ele ficou internado quase uma semana! E dormiu sozinho quase todos os dias. Minha tia foi todos os dias, meu irmão passou o final de semana. Mas o resto do tempo ele ficou sozinho.

                Foi uma semana dificil, em que a distância só faz tudo piorar. Se eu estivesse lá poderia ficar o tempo todo com ele, por exemplo! Pensei em tantas coisas. Quando eu ficava no hospital com minha mãe eu sempre achava triste as pessoas que não tinham ninguém lá. A gente julga muito sem saber, sem se colocar no lugar. A verdade é que ter alguém doente na família envolve sempre muita gente, de formas diferentes. Se alguém fica doente por 3 meses (como foi minha mãe) é mais fácil pessoas deixarem o trabalho, familia, casa, se virar em mil e dar um jeito de ficar lá com a pessoa. Minha mãe ficou doente de maio a agosto, julho inteiro eu e meu irmão estávamos de férias! Ela estava na mesma cidade que a gente. Nós estavamos em choque! Não deu tempo de incorporar a doença a vida.

                Com meu pai não. É tudo ao contrário.

               
                Uma pessoa encontrou um dia meu pai na rua e chorou pra ele, talvez com pena, e disse algo do tipo: “Não acredito que sua filha de largou aqui assim”. Essa mesma pessoa disse algo parecido para uma de minhas tias. Até entendo que esta pessoa não goste de mim, e não me incomoda o comentário em si. O que me incomoda é a resposta das pessoas que gostam de mim. Sou contra dramatizar o que já é dramático. Ouço muitas coisas: “Não da pra você ficar mais?”. Se desse, eu ficava!  “Ai que pena, seu pai gosta tanto de você aqui”. Sim, eu já sei. “Nossa Aline, seu pai ta tão magro!”. Eu sei, ele também sabe. Uma outra pessoa muito querida um dia me disse: “Ah, mas seu pai não dura muito, ne?”. Quem sabe né? Um colega do meu pai levava o sogro com câncer no hospital toda semana, e as vezes nos encontrávamos. O sogro morreu ontem, um radialista de Cruzeiro. O genro,colega do meu pai, morreu meses atrás!  Quem sabe quem morre quando ne? Concordo que as chances do meu pai ir antes de mim são muito altas. Mas quem sabe? Ningúem!

                Meu pai fica chateado comigo as vezes porque ele acha que eu não tenho fé, que eu não acredito. A verdade é que eu acredito e muito que a gente pode se surpreender com o andamento de doenças. Acredito sim que existe mais do que a gente vê. Mas também leio muito sobre câncer, sei os tratamentos usados para canceres como do meu pai, sei as estatísticas, todos os numerozinhos de um dígito. Minha racionalização é: simplificar tudo! Sem drama, sem lágrimas desnecessárias, sem querer adivinhar o futuro, saber quando, quem, onde. No fim a gente tem mesmo que viver um dia por vez! Hoje estar feliz, sobreviver por hoje, viver sem culpa por hoje.

                Meu pai saiu da internação bem melhor. Mudou-se pra perto da minha vó e minha tia, trancou nossa casa. Eu sei que foi melhor pra ele, ele está já bem melhor e animado, tendo mais pessoas por perto, mais assuntos. Começou de novo as quimios. Fiquei melhor também! Esta semana, quando ligo pra ele, ele sempre está animado, falante, com a voz forte, cheio de assunto. Isso é vida, não?

sábado, 18 de janeiro de 2014

Semana dificil

Estou precisando escrever aqui urgentemente. Voltei pros Estados Unidos ha quase duas semanas  e esta semana tem sido muito dificil, meu pai piorou, não estou la e tenho pensando em muitas e muitas coisas. Pra resumir, culpa. Muitos conflitos dentro de mim! Hoje, depois de muito tempo, chorei muito, de doer o peito e faltar o ar. Dificil! Ainda vou escrever mais outro dia. Vim aqui rapidinho porque nao quero esquecer algo que acabei de pensar. Nao posso estar la agora, e nao quero mais me martirizar por isso. Eu so quero ter a chance de ainda cuidar do meu pai. Espero que o tempo dele seja tbm o meu.