Na sexta acordei as 5h30 com meu pai muito agitado, falando sem parar: "vomitei, queima a mão". Ele tinha vomitado, e visivelmente estava muito pior. Acho que estava querendo dizer "queimação", não sei. Ele vomitou por vários minutos. Logo meu tio Valter chegou, e se assustou. Ele iria passar o dia com a gente, para que eu dormisse um pouco.
Meu pai murmurava palavras difíceis de entender. Num momento parece que falou o nome do meu tio. Os oncologistas vieram bem cedo, e o médico que acompanhou meu pai por todo este tempo, que sempre foi tao carinhoso com meu pai, sempre teve uma atitude tao positiva, me disse bem baixinho: "olha, ele está bem ruim". Eu sabia que estava chegando a hora. Avisei minha tia e meu irmão, e todos foram para o hospital.
Meu pai passou a manhã com sua irmã, seu irmão, um sobrinho, sua mãe, seu filho, seu cunhado. Todos foram se despedir. De alguma forma eu achei que ele podia entender, então a gente falava muitas coisas pra ele. Num momento achei que ele falou meu nome. Outra vez cantei uma das musicas que a gente passou a semana cantando, e em movimentos bem fracos eu conseguia ver sua boca falando algumas palavras da música. Certa hora pareceu que ele disse algo como: "Vou morrer"
Mais a tarde ficamos apenas eu, meu irmão e minha tia. A partir de uma certa hora meu pai parou de falar as palavras sem sentido. Apenas respirava fundo. As enfermeiras tentaram colocar uma sonda de alimentação, para ver se conseguiam deixa-lo mais forte, mas a sonda nao passou. Parece que o estomago e o esofago estavam bloqueados com bile, que ele havia vomitado mais cedo.
Por algumas horas ele parecia dormir, estar descansando. Durante o dia seu corpo foi perdendo calor.
Minha prima leticia foi fazer um intercambio em portugal em Agosto do ano passado. Meu pai e ela eram muitos próximos. Mesmo com a distancia eles se falavam direto no celular. Ela iria voltar no final de fevereiro, mas por alguma razao adiantou o voo para o dia 14 de fevereiro. Ela chegou no Rio sexta a tarde, e ficou sabendo que meu pai estava pior. Seu irmao, meu primo Rafael, foi busca-la no aeroporto, e os dois vieram direto para Guaratingueta. Ela queria ver meu pai. A gente ate achou que ela poderia vir no dia seguinte, e que talvez nao fossem deixar ela entrar tao tarde no hospital. Eles chegaram no hospital 10 e pouquinho da noite.
Quando ela viu meu pai se emocionou muito. Ela ainda conversou um pouco com ele, falou algumas coisas do intercambio. Meu primo e sua namorada tambem estavam ali, e tambem estavam muito emocionados.
Alguns minutos depois meu pai comecou a vomitar de novo, desta vez em grande quantidade. Acho que nem era vomito. Era um liquido bem escuro e liquido. Pegamos lençóis. Olhei para meu irmao, a gente sabia que estava chegando a hora. Depois que parou de sair o liquido, a respiração ficou bem bem calma, com intervalos maiores. A cor dele mudou. Coloquei meus dedos para sentir sua pulsaçao, que ainda estava la, bem fraquinha.
Quando descobrimos o cancer eu sabia que iriamos perde-lo para esta doença. Eu nao sabia quando, nao sabia como. Comecei a viver meu luto desde entao, com tantos conflitos, tantas crises. Fiquei viajando de la pra ca, tentando da melhor maneira conciliar tudo. Foi dificil. Meu pai tinha esperança. Ele nao era do tipo que se beneficiaria em saber objetivamente quanto tempo tinha. Ele vivia. Na semana que saiu da UTI ficou muito bem! Animado. Contava para todo mundo que tinha renascido, que tinha tido outra chance. Ele teve uma maior consciencia de que esta doenca poderia sim leva-lo logo, ele viveu uma semana incrivel com a gente. Passamos tempo em casa, fomos ao mercado comprar frutas e flores (ele adorava o mercado de sabado de manhã). Eu achei que estava muito preparada para o pior. Quando saimos de casa no dia 5 com ele passando mal, peguei alguns documentos dele, porque achei que talvez nao voltariamos, e precisaria daqueles papeis comigo.
Achei que estava preparada. Mas quando parei de sentir sua pulsação, um vazio se abriu dentro de mim. É realmente impressionante ver a vida ir embora de alguem tao proximo, tao amado.
Estavamos ali reunidos em volta do meu pai, algumas das pessoas que ele mais amava. Acho sim que ele esperou minha prima chegar.
Antes das 11 da noite ele descansou, na nossa frente. Foi como se dormisse.
Meus pêsames, você como sempre de uma forca incrível. Muita paz.
ResponderExcluirEdilson
Meus pêsames, um abraco. Muita forca nesse momento.
ResponderExcluirEdilson