quarta-feira, 23 de julho de 2014

A história que não nos define


Leio e escuto muito que a gente não deve deixar a dor nos definir. Concordo. Mas eu ainda caio sempre nesta armadilha. Eu facilmente conto para as pessoas que meus pais morreram, como se essa fosse minha história principal. É quase a minha resposta para "De onde você é?". É definitivamente minha resposta para "Quem é você?".

As vezes eu tento pensar que sou forte, e que ando pra frente. Mas eu sei que ainda deixo essa dor me definir. Estar numa cidade nova ajuda nisso, como se eu sentisse uma necessidade de compartilhar essa história com essas novas pessoas que não me conhecem. Como se essa história ajudassem as pessoas a me conhecerem.  

Esses dias uma pessoa me perguntou se eu tinha irmãos, e onde eles moravam. Ja fui logo respondendo que meu irmão morava em SP, e que éramos somente eu e ele, que meus pais já tinham morrido. Eu falei bem natural, como se contasse que tinha perdido o ônibus de manhã. Contei no meio de um bar, assistindo aquele jogo Brasil e Alemanha. Sim, total falta de senso. Depois me arrependi. A pessoa levou um susto, e parou de fazer perguntas. Acho que ela se sentiu mal, achando que tinha perguntado demais, e tinha me feito lembrar de algo triste. Como se eu esquecesse...

Hoje também estava falando com outra pessoa sobre ter mania de doença, e já fui logo explicando a minha hipocondria pelo fato que meus pais tiveram cancer. Estava eu lá, de novo, aproveitando uma brechinha para contar para as novas pessoas que conheço sobre a verdadeira história que me define. 

"Nós somos moldados por nossas experiências, não definidos por elas. Elas são, de certo modo, parte de nós"

Eu sinto que gastei (e gasto) muito da minha energia remoendo a minha história. E isso é péssimo. Olhando para trás, um pouquinho, percebo que muitas horas que poderiam ter sido gastas com leitura, amizades, momentos alegres, atividades para o meu desenvolvimento como pessoa, foram gastas com emoções pesadas, em momentos de extrema solidão. Como se o luto, a angústia, e o ressentimento fossem uma bagagem super pesada que eu carregasse, me impedindo de ir mais rápido para onde quer que seja.

Ao mesmo tempo, como seria possível fazer o contrário? Aconteceu que grande parte da minha década dos 20 foi muito marcada com essa história, do cancer, da morte, da perda. Eu não quero mesmo que essa dor me defina, mas também não acho ser possível eu ser algo além de alguém que carregue essa dor. Como alguém vai ser meu amigo sem conhecer essa história que faz tanto parte de mim? Como ter um relacionamento 100% aberto com alguém que não aceite a minha dor e história como partes de mim?   

Talvez o certo seja lutar para não ficar estacionado no momento da dor. Talvez o certo seja pegar a dor, com todo o seu peso, colocar na mochila, e seguir em frente. O peso até vai atrapalhar, e vai sim fazer a caminhada mais lenta. Mas la na frente a gente vai ficar mais forte, não vai? 

Essa é minha história, e ela faz parte de mim, não vou apagar, nem quero apagar. A mesma história que me faz pesada, também me faz forte. Que a força e a coragem nos definam!




quinta-feira, 10 de julho de 2014

O peso da alma

A alma pesa diferente em cada dia
Céu azul ajuda a alma a ficar leve, nada toca o chão
Se esquece de tudo, só se olha pra frente
Dias de frio fazem a alma pesar, é dificil andar
Mas as vezes a tristeza é tanta que pesa, não importa o dia
Mesmo de manhãzinha, ao acordar, a alma já pesa
O espelho tem um sorriso forçado
Os olhos pesam
Nada é natural, nada pertence, nada encaixa
O ar pesa
Tanta gente, tanta gente que não importa e não se importa
A saudade quando vira crônica pesa tanto que a alma se arrasta
Não tem a forma certa, se deforma, se dilui, some, mas ainda pesa
Ninguém gosta de alma que pesa
O mundo gosta de superficie
Profundeza assusta
Fingir leveza cansa demais


domingo, 29 de junho de 2014

"Você será completo de novo, mas nunca mais será o mesmo"

"A realidade é que seu luto vai durar para sempre. Você não vai superar a perda de um ente querido; você vai aprender a viver com ela. Você vai se curar e você vai reconstruir-se em torno da perda que sofreu. Você será completo de novo, mas nunca mais será o mesmo. Nem deveria ser o mesmo, nem deveria querer ser o mesmo."

quarta-feira, 25 de junho de 2014

What dreams may come...



"Thought is real. Physical is the illusion. Ironic, huh?"


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Um dia sonhei que eu e meu pai dirigíamos em Nova York, numa rodovia saindo da cidade. Cada um em um carro, acelerávamos muito, numa estrada que levava a uma estrada menor de terra. Eu me sentia otima motorista, e ele era, claro, o melhor motorista do mundo. Eu tive um sentimento parecido com quando eu era criança, e achava o máximo o jeito que ele dirigia. No sonho ele estava quase me ensinando como ser como ele. Quando estacionamos, na tal estrada de terra, encontramos várias pessoas conhecidas, todas de Cruzeiro. Estavam tendo uma festa. Meu sonho ficou confuso, mas logo começou uma confusão, e todo mundo correu. Tentamos nos esconder numa loja, mas logo vi a policia levando meu irmão. Eu então corri atras deles, e pedi para que eles me levassem também. No sonho eu sabia que se eu não fosse junto, eles iriam levar meu irmão embora para sempre.

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Sonhei que tinha chegado a hora de voltar pros Estados Unidos, e meu pai ficou muito bravo. Ele estava numa cama, e muito bravo, começou a gritar que não era para eu ir embora.

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Sonhei que morava numa casa, só com minha mãe. Ela estava super feliz porque meu primo Gustavo estava trabalhando perto da nossa casa, e iria passar uns dias com a gente. Ela estava cozinhando alguma coisa especialmente para ele.

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No sonho eu estava me arrumando para ir num casamento de uma conhecida daqui dos Estados Unidos, e minha mãe e uma outra mulher que nunca vi também estavam se arrumando.  Eu nao conseguia achar meu vestido, nem arrumar meu cabelo. Estava super atrasada, e achando estranho que minha mãe e a tal mulher também queriam ir, uma vez que elas nem conheciam o casal. Mas na minha cabeça a situação mais estranha era que todo mundo sabia que minha mãe tinha morrido, e eu nao sabia como explicar para os outros a presença dela. No final conclui que deveria explicar para as pessoas que minha mãe tinha morrido, mas que as vezes ela voltava.

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Sonhei que estava brincando com a Boli. Ela virou de barriguinha pra cima, e fiquei fazendo carinho nela. Ela estava mais gordinha no sonho. Mas logo parei, e achei engraçado que ela ja tinha morrido, mas ainda estava ali.

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Noite passada sonhei que morava numa casa dentro de um hospital com meu pai. O telefone tocou, e um novo médico do hospital disse: "Dr Fulano, chequei os exames e percebi que houve um engano nos exames do Valdir, ele não teve cancer". Percebi que o novo médico achou que estava falando com o medico do meu pai, e logo desliguei. Fiquei muito confusa. Não sabia se aquilo queria dizer que meu pai não iria mais morrer, ou se ainda teria jeito de fazer alguma coisa. Logo corri para contar para o médico do meu pai, e fiquei indignada como era possível que dois hospitais tenham errado o diagnóstico.  Contei para minha mãe e meu irmão, e eles acharam melhor não contar nada pro meu pai. A gente achou que ele iria ficar muito bravo! Não ficou claro se ele tinha morrido ou não. Decidi visitar uma amiga minha, que de verdade morou comigo em SP, e viajou comigo pra Holanda. Quando cheguei no apartamento dela, ela estava brincando de guerrinha de bexiga de agua, e entrei na brincadeira. Começamos a lembrar de como sempre brincávamos disso (o que nunca aconteceu de verdade), e de como tínhamos saudades daquela época em SP. Foi um sonho sobre voltar no tempo.

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Sonhei que meu avô paterno estava muito doente, e minha família estava muito preocupada. Eu estava andando na rua, e vi um velhinho muito parecido com meu avô andando de mãos dadas com um menininho. Escutei quando ele chamou o menininho de André Rafael (nomes de dois dos meus primos). Fiquei muito admirada, e corri para contar pro meu pai. Ele também ficou muito admirado, e achou que aquilo era um sinal que meu avô ficaria bem.

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PS. Sonho demais! Ultimamente só sonho com meus pais. Engraçado, que meu irmao sonha menos, mas ele tem sonhos super intensos, em que parece mesmo que esta conversando com meus pais. Logo quando minha mãe morreu, eu comecei a ter sonhos muito parecidos uns com os outros, e que foram mudando de acordo com o desenvolvimento do luto e da aceitacao. Tentei achar aqui um texto que escrevi sobre isso, mas nao achei! Se achar posto outro dia.

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"(...)To die, to sleep,                 
No more; and by a sleep to say we end

The heart-ache, and the thousand natural shocks
That flesh is heir to: 'tis a consummation
Devoutly to be wished. To die, to sleep;
To sleep, perchance to dream – ay, there's the rub:
For in that sleep of death what dreams may come,
When we have shuffled off this mortal coil,
Must give us pause – there's the respect
That makes calamity of so long life (...)"

(Shakespeare - Hamlet)

"Morrer; dormir,
Só isso; E com o sono - dizem - extinguir
Dores do coração, e as mil mazelas naturais
A que a carne é sujeita; eis uma consumação
Ardentemente desejável. Morrer, Dormir;
Dormir, talvez sonhar. Ai está o obstáculo;
Os sonhos que hão de vir no sono da morte,
Quando tivermos escapado ao tumulto vital
Nos obrigam a hesitar - e é essa a reflexão
Que dá à desventura uma vida tão longa (...)"
(Hamlet - tradução Millôr Fernandes) 

quinta-feira, 19 de junho de 2014

"...the world keeps turning, the seconds keep ticking..."

“The weird, weird thing about devastating loss is that life actually goes on. When you're faced with a tragedy, a loss so huge that you have no idea how you can live through it, somehow, the world keeps turning, the seconds keep ticking.” 
― James PattersonAngel

Hoje vi uma foto dos meus pais de 2007 e por alguns segundos perdi a noção do mundo e da vida. Tão surreal que eles ja estiveram aqui, tao surreal que eles nao estejam mais aqui. Dificil encaixar tudo. Estranho demais que meu irmao e eu sobrevivemos. Se tivessem me falado no dia daquela foto de 2007 que em 7 anos os dois teriam cancer, que os dois iriam embora, que iriamos passar por tudo o que passamos com essa doença, que tudo em nossa casa iria acabar, eu nunca acreditaria que seria possivel continuar depois disso.

Mas estamos ai! Vivendo do jeito que dá, aprendendo a ter essa dor o tempo todo, mas nao deixar que essa dor nos reduza a ela.

Nesses dias tem muitas pessoas que conheço tendo filhos ou ficando gravida. Ver tantas fotos e momentos de familia assim tem me deixado triste. Pode ate soar como inveja, mas nao é, é tristeza mesmo. Fico pensando como nunca vou ter aquilo, e isso é uma das razoes pelas quais nao tenho certeza se quero ter filhos. Eu tenho medo mesmo de ficar muito triste. A situacao ainda piora porque nao moro perto de tias nem primos.

As vezes eu ainda me pergunto o porquê. As vezes ainda fico admirada do tamanho das nossas perdas. Me assusta demais que os dias se passem assim, como se tudo fosse normal.

Um dia feliz em 2007.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Uma longa historia com muitos cachorros (Hoje a Boli foi embora)

Hoje estou muito triste. Minha cachorrinha mais velha, a Boli, morreu. Estou muito chateada porque se tem uma coisa me deixando muito angustiada recentemente é a situação das minhas cachorrinhas. As três ficaram na minha casa, que agora está vazia, porque onde meu irmão mora nao tem espaço. Logo logo ele terá esse espaço, mas por enquanto elas estao la em casa, sozinhas, e minha tia toma conta delas.

Nao gosto de pensar muito nelas, porque me angustia demais. É como se de tudo que formasse nosso lar naquela casa tivesse indo embora, e elas ficassem, quase que abandonadas. Não literalmente porque minha tia vai la todo dia, dar comida e limpar, e meu irmao anda indo visitar. Mas cachorrinhos sao bem sociáveis, gostam de gente, e as minhas sempre foram muito apegadas a nossa familia.

Minha família sempre adorou cachorros, acho que por culpa da minha mãe. Quando eu tinha 3 anos (e meu irmão 6 meses!) ganhei a Susi, nossa primeira cachorrinha. Ela foi criada mais no quintal, e eu e meu irmão brincávamos demais com ela! Mudamos de casa, a Susi mudou com a gente. Ela teve filhotinhos, uma época que ficou marcada pra sempre na historia da minha familia. Ate hoje e eu meu irmao lembramos de cada filhotinho, de cada nome, de cada dia que eles foram embora de casa. Em 2005, quando eu estava no primeiro ano da faculdade,  a Susi morreu, com quase 17 anos. Eu chorei por quase 2 dias, e acho que foi minha primeira grande perda. Nós perdemos uma parte da familia. Meu irmao nem sabia o que era a vida sem a Susi.

Quando a Susi morreu, sua companheira era a Mili, uma Dachshund pretinha, muito meiga e carinhosa. A mili ficou doente uma epoca, e descobrimos que era diabetica. Ela tomava insulina e tudo. Minha mae se apegou demais a Mili. Todo dia a noite, na hora de comer, minha mae chamava a Mili e ela vinha toda feliz, pulando igual um boizinho. É uma das cenas felizes da minha familia que nunca vou esquecer. A Mili ficou sozinha um tempo, sem a Susi.

Um dia minha mae apareceu em casa com uma cachorrinha tambem dachshund pretinha, mas muito pequena e magrinha. A cachorrinha estava muito doente, maltrada. Tinha uma forte pneumonia! Fiquei ate brava porque achei que ela podia passar alguma doenca pra Mili. A cachorrinha nova era a Boli. Veio de uma outra casa em que a maltratavam. A chamavam de bolinha, mas ela era tao magrinha que cortamos uma parte do nome, virou so Boli. Ela tinha tanto medo que quando a gente a pegava no colo, ela nao se mexia. Se a gente colasse ela de novo no chao, tambem nao se mexia. Aos pouquinhos minha mae e meu irmao trataram a pneumonia, e ela virou uma cachorrinha super carinhosa e alegre. Ela ficou tao agradecida que queria ficar perto da gente o tempo todo. Lembro muito bem das vezes em que ela se aconchegava com a gente, olhando em nossos olhos com olhar de agradecimento. Aos poucos ela fez da nossa casa sua casa. A Mili e a Boli ficavam muito dentro de casa, nos sofas, de manhã iam nos acordar, uma fase muito boa! Meu irmao sempre lembra que quando fazia cursinho, todas as noites minha mae ia no portao esperar ele chegar. Quando ele aparecia na esquina, a Boli corria em sua direcao.

Por conta da Mili ser diabetica, uma vez levamos as duas para uma de nossas viagens de final de ano para Ubatuba. Uma viagem tambem cheia de cenas da nossa familia que ficam guardadas aqui com a gente.

Um dia de 2007 a Mili de repente morreu. Ela tinha uma doenca cronica, e sabiamos que a expectativa de vida era menor. Mas minha mae levou um susto! Nao lembro de ter visto minha mae tao triste antes! Ela chorou um final de semana inteiro. Eu cheguei de SP numa sexta a tarde, e meu irmao me encontrou no portao para contar. Tinha sido naquela manha. Ao entrar em casa, me deparei com minha mae chorando sem parar. Lembro que a Boli tambem ficou meio sem entender quando viu a Mili ali, paradinha, sem vida. Nao sei ate onde eles entendem.

No final daquele ano, minha mae voltou do mercado (feira de frutas) com um filhotinho. Essa é outra historia classica da minha familia.  Meus pais foram ao mercado e viram um homem bebado na rua vendendo um filhotinho. Ele pediu 5 reais, mas minha mae so quis dar 2,50. Era a Piti, uma viralatinha, comprada por 2.50. Nao sei se o bebado deu pinga para a Piti, mas desde pequena ela era muito doidinha. Tambem foi pra praia com a Boli uma vez, e destriu o sofá da casa em que ficamos.

No final de 2008 meu pai, eu e meu irmao nos preparávamos para passar nosso primeiro natal sem minha mãe. Meu pai teve uma ideia para o verão ser mais feliz : e se a boli tivesse filhotinhos? Sempre achei que a Boli era doentinha, por ter umas crises de asma as vezes. Mas a danadinha deu conta do recado! Arrumou um namoradinho (o irmao da Mili, o Tobias), e logo ficou gravida. Passamos o ano novo na praia, e tivemos que levar ela, com medo de ela precisar da gente para o parto. Temos muitas fotos dessa viagem, da Boli muito barriguda! No dia que chegamos de Ubatuba ela comecou a dar sinais que logo seria o parto. Fiquei com ela toda a madrugada! Por volta das 4 da manha ela escolheu um cantinho, e teve 5 lindos filhotinhos! Ela foi uma super mãe, e teve a ajuda da tia Piti. Resolveu ficar com uma das filhotinhas, uma que era vesguinha e muito dengosa! Assim chegou a Bel.

A Bel é talvez a cachorrinha mais carinhosa que ja tivemos. Ela deixa de comer para ficar com a gente! E sempre sempre foi muito apegada a Boli. Sempre dormiram juntas, comiam juntas. A Bel passava horas lambendo a maezinha. Hoje vi varias fotos e foi dificil achar alguma em que a Boli estivesse sozinha.

Entao desde 2009 temos a Boli, a Piti, e a Bel. Boli e Bel sempre juntas, tomando sol. Piti as vezes com elas, e muitas vezes pulando sem parar. E as tres que estavam la tambem quando meu pai ficou doente. Foi uma fase dificil, em que elas dependiam mais do carinho delas mesmas do que nosso. Meu pai ja nao podia dar tanta atencao. E nesse tempo a Boli tambem ficou doente.

Talvez ela precisasse de cirurgia, talvez ate quimio. Infelizmente nao demos conta de cuidar, por toda a situacao do meu pai. Mas ela se manteve forte. Comia bastante, corria, pulava. Ano passado, perto de novembro, ela ficou muito ruim. Meu pai e meu irmao me disseram que ela iria morrer logo, e eu fiquei muito triste porque eu nao lembrava de como tinha sido a ultima vez que tinha visto ela. Eu sabia que tinha sido em junho, quando eu voltei pros EUA. Mas eu nao lembrava do rostinho dela me dando tchau. No final ela melhorou e tive outra chance.

Esse tempo que passei no Brasil depois da morte do meu pai fiz questao de aproveitar mais a Boli. Brinquei mais, deixei ela mais dentro de casa. Ela dormia tanto, gostava do sofa. Um dia a levei na veterinaria, e ela ficou deitadinha tao boazinha na maca, deixando ser cuidada. Uma gracinha de cachorrinha!

Quando me despedi dela em abril eu sabia que nao a veria mais. Ela era mais uma das coisas que eu deixava para trás para sempre.

Uns dias atras meu irmao me disse que ela tinha piorado. E hoje ela morreu. Ate ontem comeu. Hoje quando minha tia chegou, ja encontrou ela descansando para sempre.

Sei que ela precisava desse descanso. Ela tambem tinha cancer, uma doenca que ja tirou tanto e tanto da gente. Mas ainda assim fico triste. Fico com pena de nao estarmos la, de nao poder ter dado mais conforto pra ela nesse momento. A gente sempre construiu laços muito fortes com os cachorrinhos que passaram por nossa familia. Tanto meu pai e minha mae, nos momentos em que ficaram em hospitais, longe delas, choraram de saudade e preocupação. Eles sempre foram tao bem tratados. Infelizmente ultimamente nao pudemos fazer muita coisa por eles. Nao vejo a hora de meu irmao ter elas de novo todo dia com ele. E espero que a Bel saiba se adaptar no mundo sem sua maezinha. Infelizmente de novo nao estarei la pra ajudar.

Mais um buraquinho foi feito hoje em nossas vidas.

Esta foto foi tirada em 2009. Meu irmão, meu pai e eu, segurando a Piti, a Bel e a Boli. Lá no fundo tem um porta retrato com minha mãe segurando a Mili.



É uma foto com minha família, quatro pessoas, segurando quatro cachorrinhos que fizeram parte da nossa alegria do dia a dia! Saudades sempre, de tudo, de todos! E escrevo aqui, dessa forma tao baguncada e sem muita preocupacao com a escrita. Escrevo mesmo pra colocar essa saudade no papel, e tirar um pouco esse peso aqui dentro. Tanto foi perdido nos últimos meses, que ainda nao consegui dar conta de entender tudo.








terça-feira, 10 de junho de 2014

Luto e Estresse pós-traumatico

Hoje estava lendo que é comum uma pessoa passando por um luto experimentar sintomas de estresse pos-traumatico. É mais comum quando acontece a morte de um ente querido de repente, de modo trágico, como um acidente, violência, etc. Se por um lado eu não gosto de diagnósticos que encapsulam pessoas tao complexas em rótulos, eu gosto de ter alguma explicação que organize o que eu vivo e sinto.

Algumas vezes na semana tenho de repente uma cena que vem na minha cabeça, e nao vai embora. Fico lembrando, remoendo, pensando no que nao fiz, pensando como meu pai pode ter sentido. Fico triste, angustiada, falta ar, e tento escapar de qualquer coisa que possa me fazer pensar na cena.

Hoje foi assim: eu estava vendo TV, e passou um comercial de remedio pra queimacao. Na hora lembrei da manha do dia em que meu pai descansou, em que eu acordei com ele tendo vomitado uma coisa muito estranha - acho que bile- , e dizendo que estava com queimacao. Como ele ja estava confuso, falava "queimacao" sem parar. Fiquei umas duas horas hoje pensando nisso, angustiada que ele possa ter sentido dor, pensando em tudo que ele possa ter sentido naquele dia. Decidi escrever aqui pra ver se sai de dentro de mim.

domingo, 8 de junho de 2014

"...experimentar inteiramente o que quer que encontremos"

Recebi esse texto por e-mail de uma pessoa muito querida. Por sinal é de uma autora budista de quem sempre encontro texto sobre como lidar com a vida quando as coisas não vão bem. 

“Em relação ao nível interior de obstáculos, talvez nada realmente nos ataque exceto nossa própria confusão. Talvez não exista um obstáculo sólido exceto nossa própria necessidade de nos proteger de sermos tocados. Talvez o único inimigo seja que nós não gostamos do jeito que a realidade é agora e então desejar que ela vá embora rápido. Mas o que nós descobrimos como praticantes é que nada jamais vai embora até que tenha nos ensinado o que precisamos saber. Mesmo se corrermos a mil quilômetros por hora até o outro lado do continente, encontraremos o mesmo problema lá nos esperando quando chegarmos. Ele fica retornando com novos nomes, novas formas e novas manifestações até que aprendamos o que ele tem pra nos ensinar: Onde estamos separados da realidade? Como estamos nos retraindo ao invés de nos abrindo? Como estamos nos fechando ao invés de nos permitir experimentar inteiramente o que quer que encontremos?”
~ Pema Chödron, em “Comfortable With Uncertainty: 108 Teachings on Cultivating Fearlessness and Compassion” (2003)

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Sobre os lutos

Esses dias li um texto sobre como superar a tristeza (http://tinybuddha.com/blog/7-steps-to-move-through-sadness-and-what-we-can-learn-from-it/) que falava que o luto é um processo físico que ocorre em nosso cérebro depois de uma grande mudança. A energia necessária para reconstruir uma outra imagem da nossa vida faz a gente ficar em um estado de choque, de tristeza, de letargia. Tentar pular os sentimentos ruins do luto pode trazer sofrimento la na frente, pode fazer com que a reconstrução dentro de você não seja completa.

Cada pessoa reage às mudanças e perdas da vida de um jeito. E ainda além, a mesma pessoa reage de forma diferente em cada momento da vida.

Meus lutos foram/são bem diferentes. Venho no processo de luto pela morte do meu pai desde 2012. Quando eu soube da doença já sabia que era terminal, já comecei a me preparar.  Foi muito diferente do choque que senti quando descobrimos o câncer da minha mãe. Era uma daquelas historias que a gente ouve por ai, que acontece com os outros, que acontece nos filmes que faz a gente chorar sem parar. Como assim era real? E em choque continuamos por quase três meses, em que quase nos enganamos, acreditando que do mesmo modo que o pesadelo podia acontecer na vida real, o milagre também podia. Mas ai aprendi que milagres são bem mais raros.

O luto da morte da minha mãe foi muito dificil. Meu cérebro (assim como do meu pai, e do meu irmao) teve muita dificuldade em criar uma nova imagem pra vida. Por muito tempo eu não conseguia dormir no silêncio. Fiquei muito mais preguiçosa, menos animada.

Meu pai vinha ficando doente desde então. Todo mês ia em medico, cada vez era uma coisa diferente. Ele ja vinha apresentando sintomas da doenca por meses (e por erro medico nao foi diagnosticado antes!). Quando apareceu no exame que era uma neoplasia maligna secundaria eu chorei muito, mas foi quase como uma tragedia anunciada. Os sinais estavam la. O luto pela minha mae ainda estava la tambem. Foi como se a vida me jogasse bem pra baixo, depois levantasse um pouquinho, e então jogasse pra baixo de novo. O tombo foi menor.

Meu pai ficou doente mais tempo. Tempo suficiente para a morte dele ficar menos escancarada na nossa frente. Tempo para mais arrependimentos. Me arrependo de não ter insistido em conversar com ele sobre a morte, nas vezes em que ele desconversou.  O fato de eu estar morando em outro país trouxe tambem muitos outros fatores. Muitas decisoes, muitas incertezas. Tive ate tempo de brigar com meu pai, de ter aqueles sentimentos contraditorios super normais de cuidadores. O luto da morte do meu pai tem muito mais remorso que o da minha mae. Quando minha mae morreu eu realmente nao senti nenhum remorso, nao tinha nada que podia ser feito que nao fizemos. Nada na nossa relacao me fazia ter sentimentos ambiguos ao lidar com sua ausencia. Mas deixei sim de fazer muitas coisas pro meu pai. E isso nao quer dizer que eu faria coisas diferentes. A verdade é que a gente so pode fazer o possivel ne?

Eu passei o natal e o ano novo com meu pai, mas na primeira semana de janeiro peguei o aviao de volta pra NY. Dois dias antes nós discutimos! Recebemos a visita de um casal amigo da familia, e meu pai comecou a reclamar que eu teria que ir embora. Eu perdi o controle, e falei muitas coisas. Fiquei brava mesmo! Eu ficava chateada que ele nao entendia que eu nao podia simplesmente ficar la em Cruzeiro com ele. Ele queria que eu ficasse pra aproveitar com ele enquanto ele ainda estava bem. E eu deixei bem claro que ele ainda ia precisar mais de mim, quando ficasse pior. Eu e ele estávamos errados. O momento que ele precisou de mim era aquele, e ele nao teve mais forças para aproveitar nada. Na mesma semana ele teve uma internação, a primeira de três.

Quando eu voltei para o Brasil, na ultima semana de Janeiro, no meio da segunda internação, ele estava na UTI. No mesmo dia saiu. Ele teve alguns dias de muita energia e risadas, antes da ultima internação. Sou muito grata a ele por ter falado com todas as letras para mim e meu irmao que a gente nunca se sentisse culpado por não ter ficado mais com ele, que ele entendia os nossos motivos, e que estava feliz de ter a gente ali com ele, naquele momento. Os olhinhos dele, quando viu eu e o Tiago na UTI, nunca vamos esquecer! Sou muita agradecida a vida também, de ter permitido que eu ficasse com ele em suas ultimas semanas. Tudo isso diminuiu um pouco o remorso das minhas ausências.

No luto que comecei em 2008 eu tinha muitas pessoas comigo! Minhas amigas em SP, na faculdade e em casa, me ouviam muito! Eu tinha uma rede de pessoas que estavam sempre prontas e me ouvir. Desta vez meu luto esta bem mais meu. Estou longe, as poucas vezes que falo sobre isso é com meu irmão, que compartilha dessas dores comigo. Acho que aqui nos EUA existe mais uma cultura de esconder a dor, com a qual não concordo.

Ando até com medo de estar disfarçando muito minha dor, pra ninguém achar que estou depressiva (tristeza no luto é normal!). Tenho medo de reprimir angustias, e deixa-las maiores! Ultimamente eu ando tendo crises de tristeza. São meio estranhas. Num dia comum, em que pareço bem, de repente me vem uma tristeza profunda, que tira meu ar. Vem cenas do meu pai doente, coisas bem aleatórias. Tenho que respirar profundamente, e parece que passa. Alguns dias tenho umas mais fortes, que me fazem chorar por dois minutos, e passa. Essas ultimas são sempre desencadeadas por algum coisa, as vezes bem nada a ver: uma musica do Frank Sinatra, um video de um casamento de uma conhecida com depoimento dos pais dela, um artigo na internet sobre organização de gavetas (um exemplo de uma coisa nada a ver que me fez sentir muitas saudades do cotidiano de anos atras), etc.

Na ultima semana tenho tentado deixar essas crises de lado. Fujo de qualquer coisa que possa me fazer lembrar meus pais, cancer, hospital. Quase todo dia finjo que nao vejo titulos de videos no facebook, como: "Pai com cancer terminal deixa mensagem para a filha", "Mulher com doenca terminal recebe homenagem dos amigos", etc etc. Tenho certeza que sao videos muito bonitos, que fazem as pessoas pensarem que devem ser mais gratas pela vida. Eu nao assisto. Lembro bem quando eu gostava de ver filmes tristes. Mas de repente tudo ficou tao real. Tenho cenas desse filme na minha cabeca o tempo todo.

Eu lembro bem que o mesmo acontecia com minha mae. As cenas se repetem na cabeca. Ainda parece impossivel que foi tudo de verdade, e que meu pai ja nao existe. Mas acredito sim no poder do tempo.

sexta-feira, 16 de maio de 2014