sexta-feira, 22 de julho de 2016

Viaje bem ai no alto

(Para o Lê)

Vai lá viajar pelo mar, pelo rio, pelas pedras da pedreira, pela areia da Vermelhinha, pelo céu tão azul quanto seus olhos. Vai se misturar com as nuvens, com os beijos de chegada e despedida, com as manhãs preguiçosas. Viaje pelo Itaquera, bem no meio da torcida. Vai lá ser parte das conversas mais felizes dos seus amigos, das maiores zueiras, de todos os casamentos, todas as festas. Viaje feliz por ter sido a maior lição da vida de tanta gente, sobre o que é importante, o simples dessa vida curta que traz felicidade: amigos, rio e mar. Lição sobre o que não importa, sobre o que é temporário: as vaidades, as manias, as conversas sem sentido. Lição que dar as mãos e olhar com carinho cura dores físicas. Que um filho nunca cresce, e quer a mãe e o pai por perto o tempo todo. Que tem amigo mais chegado que irmão, e tem irmão tão chegado que é quase metade de nós mesmos.

Viaje bem ai no alto, sem cinto, sem preocupação. Deixe todas as dores e angustias do seus últimos meses pra trás. Eu sei que você queria mais tempo, foi pouco, tão pouco. Queria mais jogos de tênis, mais corridas em Cruzeiro, mais idas a Ubatuba, mais tardes com a Sara, mais dias, mais anos, muitos anos. Você queria aproveitar cada minuto, eu sei. Parece que você até sabia, porque sempre viveu assim, fazendo o que gostava. Que bom!

Viaja bem, e não se chateie se um dia parecer que estamos tão triste. Aqui ficou um buraco, que não se fecha, pois é feito de matéria infinita: saudade e amor. É que vamos sentir tanto a sua falta! Do seu jeito de andar, a forma como chamava seu irmão, sua voz de descontentamento quando ficava frustrado, seu riso tão largo que fazia seus olhos ficarem pequenininhos! Queríamos ver tantos dos seus dias mais felizes! Mas fique tranquilo, que sabemos que o sonho que tínhamos para você, agora é o sonho que você tem para nós: vamos sobreviver. Com este amor e com essa vontade de vida que você deixou. Hoje seguimos num mundo quase novo, uma nova vida, com menos risos, e mais coragem. Você nos ensinou que somos tão fortes, capazes de suportar o inimaginável. Guerreiros como você.


Viaje em paz, porque aqui você cumpriu sua missão de tornar as pessoas melhores, que não desperdiçam os dias, que sabem que quando a fé e a esperança parecem acabar, o amor sobrevive, forte, gigante, cruzando o caminho entre os mundos. Va em paz, que esse amor será nossa força, todos os minutos, até o dia lá na frente, nem tão longe assim, quando nos encontraremos. Voaremos juntos, do seu lado novamente, e você nos contará tudo que aprendeu, e todos os segredos, e todos os porquês que hoje não entendemos. E naquele dia seremos todos lembranças, ligados por laços feitos somente de amor, dor, e saudade.


Foto de hoje a tarde, 22 de julho

quarta-feira, 20 de julho de 2016

1988

Seis netos, dois de cada filho. Filhos do Valdir, Valter, e Valéria. Netos da Gilda e do Luiz. Uma família "intensa", vamos dizer assim. Com mães super mães, que fazem o possível e impossível pros filhos, mas que também cobram. Família ciumenta, falante.

Os filhos casaram todos em um ano, e os primeiros netos foram chegando assim, um atras do outro: novembro de 1985, maio de 1986, e junho de 1986. Menos de 2 anos depois, veio a segunda leva: janeiro de 1988, janeiro de 1989, julho de 1991.

Fizeram muitas coisas juntos: natais, aniversários, festas, brincadeiras, dormir um na casa do outro, aprender a andar de bicicleta, pular fogueira, brigar, brincar, brincar na piscina, passar ferias na praia em casas que acabavam superlotadas. Uma pequena grande confusão. Fogos no bombril. Andar em Ubatuba fingindo bater a cabeça no orelhão. Dinheiro no sabão. Tudo foi bem, muito bem. Quando tudo vai bem, as vezes a gente se esquece que a regra não é essa.

2008
E começou com a mulher do Valdir, nora da Gilda, cunhada da Valéria. Foi cancer, foi um susto, foi rápido. As coisas mudaram. Foi a perda, e foi também o tempo passando. Os netos crescendo. As vezes é dificil criar asas, difícil ver os filhos criando asas. Cada um criou asas da sua forma.

2014
Um tempo depois, foi o Valdir. Cancer, de novo. Batalha perdida. No mesmo ano, a Valeria perdeu o sogro. Um senhor tao forte, vivo, saudável, falante, engraçado. Foi cancer, foi rápido.

2015
Um ano e meio depois, foi embora o vô Luiz, dessa vez foi a idade, era sua hora. Ficou pouco não resolvido, pouco não vivido. No mesmo ano, o Valter também perdeu o sogro. Também de idade, um senhorzinho que até o ultimo segundo sabia de tudo que acontecia, não perdeu a noção do mundo, nem por um minuto.

Em 2016, foi ontem, foi o Leandro, filho da Valéria, meu primo. O quarto neto, 28 anos. Quanta vida, quantos sonhos, quantos dias felizes. Neto que mais soube aproveitar a vida, que mais se divertia. Talvez o que menos se preocupava com o futuro, que bom. O mais bonito. Corinthiano. Batalhou por pouco mais de 1 ano. Foi cancer, foi rapido. Batalhou tantas quimios, cirurgias, prognosticos ruins, a angustia, dores, mal estar. E lutou com ele seus pais, seu irmao, sua namorada, tantos amigos. Como tinha amigos! Amigos da hora da bagunça, amigos da hora da dor. Não pude me despedir (essa ideia que eu tive que morar longe...).

O pai dele foi quem dirigiu meu pai de volta de Sao Paulo a Cruzeiro quando minha mãe se foi. Depois, repetiu comigo, quando foi a vez do meu pai. Eu sinto uma dor de pensar que em menos de três anos, seria com ele, com um filho. Dor que esta longe do meu entendimento.

Lê, voce deixa um vazio que se junta a tudo da minha infância que ja foi embora. Seu jeitinho de andar, seu jeito de chamar seu irmão, sua voz de descontentamento quando ficava frustrado, as caronas muitas que peguei pra SP. No Natal te vi tao bem, carequinha, mas forte, brincando. Achei que tudo iria terminar bem. Me disse que tinha que vir conhecer "essa Boston ai", queria ver jogo do Tom Brady. Te falei que da próxima te levava uma camiseta. Sinto não ter tido tempo, sinto não poder ver seu filho de olhos azuis. Sinto tanto, e ate agora não sei como isso pode ter acontecido.

Mas acima de tudo sinto pela sua familia, esses que estavam com voce nas noites de dor e angustia, que fizeram tudo por voce. Que pararam a vida, que nao pouparam dinheiro, nem tempo, nem idas e vindas, nada, nada. Eles nao desistiram da cura. Hoje meu maior pedido é que seus pais achem novamente o animo, a alegria de dias simples. Que a lembranca sua seja o amor, que nao acaba, que é sim mais forte que a fé e esperança, porque elas acabam, quando o que resta é o amor. Que eles encontrem sentido nessa dor, que a tomem pra eles, que a carreguem e a controlem todos os dias, para que ela nao os paralizem, mas que os facam seguir em frente por voce. Que o sonho que eles tinham para voce, seja agora o sonho que voce tinha para eles: que eles sobrevivam. É uma tarefa dura, tarefa de uma vida inteira.

E que venha logo a cura, por vocês todos. Cansamos tanto. Que todos nós, 5 netos, 2 filhos, genro e  nora da dona Gilda estejamos aqui para ver. E vamos suspirar, com alivio e saudade.



"E amanhã posso chorar por não poder te ver
Mas o seu sorriso vale mais que um diamante
Se você vier comigo, aí nós vamos adiante
Com a cabeça erguida e mantendo a fé em Deus
O seu dia mais feliz vai ser o mesmo que o meu
A vida me ensinou a nunca desistir
Nem ganhar, nem perder mas procurar evoluir
Podem me tirar tudo que tenho
Só não podem me tirar as coisas boas que eu já fiz
Pra quem eu amo
E eu sou feliz e canto e o universo é uma canção
E eu vou que vou
História, nossas histórias
Dias de luta, dias de glória"


sábado, 16 de julho de 2016

Sobre as maiores abominações

18 de junho de 2016

Eu ando triste, um triste meio novo. Eu quase sempre sou feliz mas sempre preciso de um dia aqui, e outro ali pra ser triste. Ja fui triste sem razão, ja fui triste por saudade doída, ja fui triste por dúvida, já fui triste por raiva da vida. Já fui triste de doer entre o estômago e a garganta, já fui triste pra perceber a beleza de céu tão cotidiano. Mas ando triste diferente. Ando triste com o mundo. Choro com a dor do personagem inventado. Choro com o filho chorando no velório da mãe que se colocou entre ele e o doido com armas. Triste com o caminho do mundo, que ao invés de andar pra frente, cambaleia como nunca, retorna a passos largos. Todo mundo compartilha sem partilhar. Todo mundo ta certo, e ponto! Quero ver só o que eu quero, e me deixe aqui na minha santa ignorância. O mundo dos injustos, dos racistas, dos machistas, dos homofóbicos, todos de bem, pessoas de bem, que odeiam. O mundo do ódio.

Minha fé me permite odiar. Odiar meu irmão, minha sobrinha, meu tio. Que Deus os perdoe! Quanto pecado! "Não atire a primeira pedra". Minha fé remove montanhas, e as coloca bem aqui, entre eu e você, para que eu não te veja. Para que eu me veja, e só, e ache que sou o centro do mundo. Não Deus, não as crianças, não os animais, não aquele que ama, não aquele que se doa, não aquele que vive uma vida justa sem julgar ninguém, não aquele que não vai na igreja porque cansou de ser parte de um grupo que em essência exclui. O centro do mundo sou eu, eu e minha interpretação completa e única do que Deus quis dizer quando disse "ame o seu proximo". A fé move montanhas, e as coloca entre eu e meu próximo. "A fe é a certeza daquilo que não vemos". Minha fé, a certeza que estou certo mesmo sem estar. E fecho os olhos e os ouvidos, e abro a boca e falo sem parar, e sem pensar. E em nome de Deus alimento o ódio, o rancor, a violência, a falta de cuidado com quem não tem o que comer. Em nome de Deus faço tudo, menos ser uma pessoa melhor.

"Estas seis coisas o Senhor odeia, e a sétima a sua alma abomina: olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, o coração que maquina pensamentos perversos, pés que se apressam a correr para o mal, a testemunha falsa que profere mentiras, e o que semeia contendas entre irmãos." Provérbios 6:16-19.




A grande negação


Julho 15, 2016

A Terra gira estranha, empurrando todo mundo, que segue aos trancos e barrancos. Com as dores de ser gente que sente, que pensa, que rumina, que significa. Que ao ver o final do ciclo da vida perde o sentido em viver. Que tem na distância física não apenas um numero de quilômetros, metros, e milhas, mas também um buraco, que queima e congela, tudo junto, ao mesmo tempo. Que vive segundos que são horas, e horas que são sua vida inteira. Ao ver gente virar pétala a gente cai na terra, aos prantos, sem entender nada. É a nossa grande negação, que nos mantém vivos, saltitantes e sorridentes por ai, é a ilusão necessária. Que esconde o maior segredo que seu coração de gente, fraco e sem ritmo, fingi que esqueceu: um dia, todos, de gente viramos flores, e planetas, e pedaços de nuvens. De seres pensantes e cheios de vontades, viramos uma lembrança, um buraco na vida de alguéns. Buraco, sem quilômetros, nem metros, nem milhas. Infinito. Quem não se engana, chora a cada esquina. Não quer levantar. Sente o peso. Que isso menina! Olhe seus minutos, é contagem regressiva: vai sorrir também!



sexta-feira, 6 de maio de 2016

Em uma pétala

"Não se esqueça da sua mãe". Tem sido assim, emails e mais emails. Quase fiquei brava. Sabe, eu tento disfarçar, tento seguir, até consigo. Sou essa dor, mas sou também essa força. Mas ai vem vocês, assim, me lembrando do buraco de dimensões infinitas. Eu não me esqueci.

Ah, eu a procuro, em todo lugar.

Posso ser feliz? Apenas nos dias cotidianos, comuns, insignificantes. Num dia especial, cade você? E passam rápido, em 3 segundos, cenas desse filme: infância, quintal, abacateiro, cachorrinhos, arroz e feijão, olhar com disciplina, palavras de amor, reunião da escola, paredes pintadas, sorriso orgulhoso, descontos, lasanha, coxinha, ônibus, marmitinha, hospital, bolsinhas de sangue, bolsinhas de quimio, macas, olhar triste, olhar assustado, palavras sem nexo, sono, silêncio.

Silêncio. Silêncio.

Nos dias cinzas, lágrimas, que duram menos, mas ainda duram. Quase 8. De tanto silêncio. Você me pediria para parar. "É...é a vida". "Olha eu e meus irmãos? Foi assim, tão cedo, tão mais cruel". Talvez me olharia com aquele olhar desconcertado que me olhou quando chorei por horas quando não passei no meu primeiro vestibular. "Agora você estuda, tem tempo de tirar a carteira, passa mais um ano aqui". Ah foi mais um ano com você.

Nos dias de sol, nuvens lindas, céu azul. Flores. Cade você? Em tudo isso. "De volta a atmosfera com gotas de Jupiter em seus cabelos, ela age como verão, e anda como a chuva". Olhos perdidos, sorriso tímido com a boca fechada, brava, ciumenta, forte, fala alto, diplomas, "como é bom dormir". Cade você? Em mim. Na pétala que acabou de nascer, e na que acabou de cair. No bebê que riu na estação. Naquela música nova. Quando durmo. No Japão, em Roma, em Lisboa. "Sua mãe mora em SP?" Não, mas não se sinta mal. Gosto de dizer, ela mora em todos os lugares. E ela vê tudo isso, os dias de chuva e os dias de sol. E ela se orgulha, dos dois.




segunda-feira, 2 de maio de 2016

Minhas mais sinceras faltas de sentido

Outubro 9, 2015

https://www.youtube.com/watch?v=BW9Fzwuf43c

Talvez chamem de coragem, talvez desapego, talvez até falta de consideração. Falta de raízes? Confiança? Vontade de largar tudo? Vontade de levar tudo? Imigrar, me lembram pássaros, que quando o tempo fica frio decidem voar. Mas voltam, quase sempre.

Ha pouco mais de 4 anos decidi sem pensar que iria entrar no avião. Meu pai não se conformou. Na verdade não tive coragem de contar pra ele. Falei bem aos poucos, disse que seria por um tempo. Meu primeiro ano foi terrível: remorso, saudade, falta de liberdade, burocracia. Acostumar com a língua, acostumar em ser o outro, não pertencer. Alguns dias eu não acordei. Um dia fui na prefeitura, assinei um papel, casei. Foi uma das coisas mais estranhas que fiz. Não parecia um selo de amor, parecia um contrato em que eu concordava em deixar pra trás quase tudo.

Então veio os piores tempos. Meu pai, no Brasil, descobriu uma doença sem cura. A decisão de morar longe pra sempre já não tinha um “para sempre” tão longo, era curto. Me contorci. Fiquei no Brasil o máximo que pude. Tive que ficar um tempo longe do meu pai. Acabei voltando para suas ultimas semanas. Assisti sua ida, dia apos dia, até o ultimo suspiro. Nos despedimos pra sempre. Com ele foi embora a menina em mim. Me desfiz do que tinha de material no Brasil. Me desfiz de tanto. Entrei no avião e trouxe comigo tudo o que eu sempre tive.

Então veio a fase mais fácil. Sonho, conquista. Por um ano estudei numa das mais renomadas universidade do mundo, conheci pessoas parecidas comigo, fiz amigos. Vi sentido em estar aqui.

Agora, depois dos baixos e altos, chegou a época do meio, do morno. Os dias de rotina, trabalhar, juntar dinheiro, comer, viajar. E ai?

Me incomoda quando vejo reclamarem que hoje as relações estão baseadas em redes sociais. É tudo que tenho. 
Me incomoda quando leio que o sentido da vida é família. Porque se for, eu deixei tudo isso pra trás. E as vezes não sei exatamente o porquê. Eu sempre sonho que meu pai esta super bravo comigo. Desconfio que seja eu mesma brigando comigo, no assunto que meu pai mais discordava comigo: onde eu devia morar. Onde eu deveria morar?

Na verdade, já não tenho escolha. Pai, mãe, netos, almoço de domingo. Nunca, não importa onde eu esteja. Talvez por isso o lugar onde eu more hoje me traga uma paz estranha que nunca senti antes, talvez seja exatamente por me proteger na distancia. Para não ficar sozinha, escolho eu mesma me tornar sozinha. O que te parece um extremo desapego, pode ser apenas uma forma de auto proteção. E o sentido da vida?

Criar listas de coisas pra fazer, e o sentido da vida passa a ser completar cada uma. Me peguei fazendo listas de coisas pra comprar, e quando faço o “check” me sinto feliz. Mas mais tarde, na hora de dormir, me bate que na verdade nada tinha sentido algum, era vazio, era oco. Será que eu trabalho pra ficar feliz quando compro caixas para organizar a casa, ou quando compro um brinco?

Também passei a fazer listas de coisas saudáveis pra comer. Fico animada, mas logo cansa. Cadê a alegria de comer coisas gostosas? Faz sentido ir atrás da saúde quando na verdade verdadeira esta cada vez mais difícil prever o que pode causar o que?

Faz algum sentido fazer tudo isso e não poder almoçar com meu irmão? Sentido nenhum.

Tento achar sentido nos encontros com outras pessoas, os desconhecidos. Quando alguém me agradece uma gentileza no transito, ou quando dou risada mega alta no meu local de trabalho.

Mas será que faz sentido isso tudo, se não posso tomar café da tarde com minhas tias? Não, não.

Ai tento ir atrás do sentido no que me resta. Preciso me colocar na posição de alguém que não esta com os seus, mas que assim como todo mundo faz parte de um maior. Ver sentido na descoberta de como somos humanos, no encontro com pessoas que cresceram a milhares de quilômetros de mim, mas com tanto em comum. Talvez o sentido disso tudo seja não apenas em compreender como quem cresceu na mesma cidade que você pode se tornar tão diferente, mas entender também que alguém que cresceu no sul da Asia pode ser exatamente como você que cresceu na América do Sul. Encontro sentido em fazer listas de lugares do mundo que quero ir, e talvez quando “checar” o próximo da lista eu me sinta mais completa. Não estar no meu lugar, mas conquistar novos lugares, pra também chamar de meu. Sera que serão meus?

Sinto uma dorzinha de acompanhar tudo por fotos. Perdi o casamento de 3 amigas. Tenho super amigos com bebês que ainda nem conheço. Mas eu gosto da expectativa dos encontros raros, e da alegria do avião descendo. Eu gosto da mudança das estações, uma super lição de resiliência e transformação, da qual nunca me canso. Eu gosto da força que carrego com todo mundo em mim. Meu mundo interno é super povoado.

E ai não importa onde eu esteja, esse mundo vai comigo. Será? 

Existe uma pergunta que sempre ronda por ai: o que você estaria fazendo se soubesse que iria morrer amanha? É nessa pergunta que me esbarro, tropeço. Eu não estaria onde estou hoje, eu estaria no Brasil. Mas que pergunta mais besta! A gente não deve viver como se fosse morrer amanha. A gente tem que achar o meio termo, aquela linha tênue entre fazer o melhor, pensando num futuro e não deixando o hoje passar. Agora se não for assim, tudo bem, quem sabe quando será ne? Escuto de pessoas que moram aqui, também imigrantes, como é triste ter os pais envelhecendo longe. Os meus não estão envelhecendo sem mim. Alivio, ou desamparo? E os outros? E minha serra, está envelhecendo sem mim? 

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E ela, com tanto medo, avião descendo, pronta para os encontros raros, almoços, e cafés da tarde, escreveu uma carta honesta ao seu pedaço de mundo depois de quase 2 anos ausente. E faltou sentido, fechou os olhos com vergonha, e começou assim:

“Vim com um medo danado. É difícil ver meu povo, meu sangue, apenas de tempos em tempos. Meu lugar vai me reconhecer? Serei uma estranha quando olhar nos seus olhos? Primeira vez que venho sem ter uma casa. (Pausa para respirar, porque essa constatação me rouba o ar por 3 segundos). Eita Tempo, te ver assim na minha frente, que medo! Desde a ultima vez ela cresceu 10 cm. Ela virou mãe de duas meninas. Ja me decepcionei com eles. Ela se casou e já comemorou um ano de casamento. Ela ja fez 18 anos. Ela esta terminando a faculdade. Ele já foi e voltou de uma imensa batalha: venceu. Ninguém está se tornando mais jovem. O tempo passou, e cortaram a primavera. Fecharam algumas lojas, pouquíssimas abriram. Meu vozinho descansou. A tia da minha mãe também. Eu não estava aqui. Foi tudo bem rápido, me ausentei, a vida continuou, parou, aqui e la. Quem viu? Quem entende? Algumas dores continuam.  Outras novas surgiram. Respondi algumas questões, criei novas perguntas. Obrigada pelo verão mais quente, minha terra! Que eles descansem bem em você. Que um dia eu também me junte a você, porque, na verdade, a gente sempre sabe a que lugar pertence. Não se esqueça de mim.”



segunda-feira, 4 de abril de 2016

Sobre a melancolia

Hoje nevou, em abril, mesmo ja sendo primavera. Ir pro trabalho não é legal, andar na rua é cansativo, faz frio, tem que andar com cuidado para não cair. Tentei falar no celular, não deu, meus dedos começaram a doer, tive que desligar. Fez -4. Deve ser aquecimento global. Há 3 dias fez 20 graus, todo mundo saiu na rua, alguns galhinhos verdes começaram a aparecer. No dia seguinte, caiu a temperatura, nevou, todo mundo voltou pra dentro, os galhinhos quebraram. Ninguém aguenta mais o frio, sair com bota e casaco. Inverno cansa, todo mundo espera ansioso pela primavera, mas as vezes...não dá. Temos que aguentar, só mais um pouquinho na esperança de dias melhores, coloridos, sol quentinho, pessoas felizes.

É difícil aguentar os dias cinzas, mas é tão preciso. E é também tão bonito. As folhas só aparecem depois do ciclo todo. Não me canso de admirar o ciclo que ocorre todo ano. No verão, tudo tão verde! No outono, primeiro lindo, amarelo e vermelho, depois tudo marron, já feio, folhas mortas. No inverno, nada, só galhos. A primavera - minha favorita - traz aquele primeiro dia em que todas as folhas aparecem juntas, como se tivessem combinado que já era hora de fazer todo mundo feliz.

Mas metade do ano é frio, seco, branco, cinza. E ainda bonito! Existe uma beleza tão linda nos galhos secos carregando neve. E hoje tirei essa foto, 4 de abril:


E lembrei de um texto que li esses dias sobre a melancolia, uma palavra que soa tão bonita, mas que as vezes é associada com coisas negativas. Não é depressão, não é pessimismo. E esse texto que li descreve tão bem. Melancolia é "uma tristeza que aparece quando estamos abertos para o fato que a vida é inerentemente difícil, e que sofrimento e decepções são partes essenciais da experiência universal". É uma aceitação que tudo bem não ser feliz e saltitante de alegria o tempo todo. Melancolia "é um importante estado mental, e muito valioso, porque relaciona dor com beleza e sabedoria". Este é um dos textos que me fazem me sentir ok com o que eu sou, e com o que eu sinto. Tudo bem sentir a necessidade de se recolher por uns dias, e ficar triste. É uma forma de recarregar as energias, e sentir bem nos outros dias.

Um dos lugares mais melancólicos em que eu já estive foi há alguns semanas, estive no Japão. Um fato que não pensei tanto antes de ir, era o quanto minha mãe costumava falar que queria conhecer o Japão. Era uma coisa dela com meu irmão. Ela tinha interesse na cultura, e meu irmão gostava de videos games e tecnologia. Mais pro final da viagem, fui a Kyoto, uma cidade mais antiga com vários templos e lugares lindos. Fui neste templo chamado Ginkaku-ji (Pavilhão Prateado), que tem um dos jardins mais lindos que já vi. Comecei a andar sozinha pelo jardim, deixei meu marido tirando fotos. Andei, admirando a beleza, o detalhe da grama que é feita de musgo, num tom verde amarelado lindo. As árvores tem copas que parecem terem sido esculpidas de tão perfeitas. Ainda corre um pequeno riachinho, feito sim por mãos de homens, mais desenhado com perfeição. Chorei demais, pela beleza, mas também por pensar em como minha mãe (e meu pai) adoraria aquele lugar. Em como ela nunca mais vai ter sofrimento, mas também nunca mais verá nada. Não saberia da minha viagem, nem que eu tinha chorado naquele jardim. É uma sensação estranha de desamparo, e solidão. Fiquei triste, mas também me admirei com a beleza do lugar, e a beleza da minha dor. Como essas dores me ensinam. De alguma forma minha mãe esteve ali comigo.

Hoje era aniversário dela.






sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Sobre a tristeza, de tempos em tempos

Sobre o frio, ou a tristeza
Sobre o que se dilui com o tempo
Sobre o que a distancia não dilui
Sobre as relações ambíguas, verdes e vermelhas
Sobre o que é bom e ruim ao mesmo tempo
Sobre o silencio que cura
Sobre o que a gente colhe sem plantar
Sobre julgar com olhos que não vêem o concreto
Sobre mundos grandes e mundos pequenos
Sobre as lições que a gente nunca aprende
Sobre as pessoas que a gente nunca entende
Sobre as pessoas que nunca entendem a gente
Sobre a leveza necessária
Sobre as fotos que não serão tiradas
Sobre o frio que retorna todo ano, ou de tempos em tempos

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Falar sobre a morte

As pessoas não gostam de falar sobre a morte, o que me soa bem estranho. A unica coisa que com certeza absoluta vai acontecer com todo mundo é morrer, e ninguem quer falar sobre isso. Me deparo sempre com situacoes em que alguem me pergunta sobre meus pais, e nao sei ao certo o que dizer. Nao que o assunto me deixe triste ou que nao gosto de falar sobre isso, mas tenho medo da reacao da pessoa. Quase sempre quando digo que meus pais faleceram as pessoas param de falar ou pedem desculpa. Com o passar do tempo acho que meu tom ficou mais neutro ao falar sobre isso, nao choro nem nada. Mas as pessoas ainda assim estranham. As vezes, confesso, até gosto quando o assunto vem a tona, porque me sinto a vontade falando sobre isso, e gosto de entender como as pessoas reagem. Acho que as pessoas deviam se sentir mais comfortaveis falando sobre a morte.

Os ultimos dias nao tem sido faceis por conta das diversas datas desses dias de agosto. Hoje faz 7 anos da morte da minha mae. Para quem nunca perdeu uma pessoa de tao perto pode ate parecer tempo demais para ficar lembrando. O negocio é que acho que nunca é tempo demais. É sempre uma dor que te acompanha, que faz parte de voce, forma sua identidade, que dói mais em alguns dias que outros. Eu sempre posto coisas no facebook relacionadas a meus pais. Quando é aniversario, quando é alguma data importante. Acho que me ajuda a lidar com o luto, uma mencao de lembrancas, uma manifestacao publica que faz deles um pouco vivos. Mas comecei a ficar um pouco encanada com o que as pessoas podem pensar. Dizem que todo mundo tem uma personalidade em redes sociais, que postam coisas sempre repetidas. Meus posts repetidos sao sobre meus pais e suas mortes.

No meu mundo ideal isso seria ok. Acho que pra gente ser mesmo feliz a gente tem que entender e aceitar mudancas, e vejo muita gente sofrendo por nao saber lidar com isso. As coisas mudam, relacionamentos acabam, pessoas (e animais) morrem, projetos sao finalizados e outros se iniciam, a gente muda de trabalho. Existe uma luta para manter as coisas no lugar, que quase sempre é batalha perdida. Isso é dificil pra mim tambem. Gosto de rotina, de continuar fazendo a mesma coisa, de calmaria e continuacao. Mas a vida é as vezes furacao.

É dificil pensar e entender que a gente tambem vai morrer. Eu nunca tive medo de morrer, nem de ficar doente. As pessoas dizem que gostariam de morrer de repente, sem dor. Eu nao! Quero aviso, quero colocar ordem nas coisas. Tambem quero que nao aconteça tao cedo, porque no fim eu gosto disso aqui. Apesar dos pesares. Me admira nossa força. Eu sei que nós somos fortes pra lidar com as mais diversas situacoes, tragedias, festas, mudancas, pobreza, riqueza. Mesmo o inesperado. Mas isso ainda me da um pouco de medo. Tenho medo de perdas inesperadas. Tenho medo tambem de eu me tornar uma perda inesperada rs. Nao que eu me ache importante, mas pelo menos duas pessoas nesse mundo sentiriam muito a minha ausencia (quem serão? rs). Hoje eu estava pensando nisso: ja conversei com as pessoas sobre minha propria morte? Acho que ja falei com meu irmao, porque a gente nao tem medo desse assunto. Gosto da ideia de cremacao, nao ocupa espaco, e é mais facil ser "repatriada". Posso ter um pouquinho aqui nos EUA, um pouquinho espalhado onde meu pai esta, um pouquinho onde minha mae esta, um pouquinho na minha casa em Cruzeiro.  Espero que quando isso acontecer eu nao tenha muitos bens, que eu tenha gasto meu dinheiro com viagens pra conhecer o mundo e rever pessoas queridas, com comidas boas, com coisas que tragam boa energia!

Achou mórbido? Talvez. Acho que falando sobre a morte a gente pensa mais na vida.

Minha mãe, nos momentos de estresse domestico, quando a gente a deixava mais estressada com bagunça em casa ou algo assim, ela sempre dizia: "quando eu estiver embaixo da terra, vocês vai sentir minha falta". Era mais uma expressao, do que um sentimento real, uma expressao que era ate um pouco engracada. Hoje pensando nisso eu sei que nunca eu achei que aquilo iria acontecer, sério. Era uma ingenuidade tao grande! Quando meu pai ficou doente eu ja estava mais que calejada, nao foi surpresa. Mas a morte de 7 anos atras, abriu meus olhos para um mundo "novo". Mais cinza, mais duro, com doencas, quimioterapias, dores, saudades, buraquinhos no coração, distancias. E não é esse o nosso mundo? Também é o mundo com passarinhos, abraços, pessoas interessantes, onde minha incrivel mae existiu e me fez tornar gente, um mundo com esperança e amor, sonhos que se realizam, onde existem tantos encontros incríveis, e coincidências providenciais. E não é esse o nosso mundo?