sexta-feira, 29 de agosto de 2008

NUNCA MAIS?

Eu sei que aproveitei o que pude, que disse o que tinha que dizer, que cuidei dela sabendo que poderia perdê-la com muito amor, que nunca a fiz se arrepender de ter tido filhos, que ela se foi sabendo o quanto era importante para nós...Fico bem sabendo que pudemos cuidar dela, ela que por sua história de vida (sua e de seus irmãos) nunca foi cuidada por ninguém...Me consola muito saber que fomos felizes juntos, éramos uma família feliz. Sempre soube que tinha uma mãe especial...muitas vezes, ainda mais depois que vim para São Paulo, eu pensei sozinha: "Essa minha mãe viu...", depois de perceber alguma coisa especial que ela fez por mim ou por meu irmão...Coisas que só mãe faz.
Mesmo sabendo que tudo foi o melhor possível, não me conformo com o que não vamos viver...Sempre tive tudo, sempre me achei feliz, uma felicidade equilibrada, verdadeira mesmo, com uma vida completa....Hoje me pergunto como continuar sendo assim, feliz, com esse vazio tão grande que a ida dela deixou...Como fazer tudo sem ela?

Perdemos muito em tão pouco tempo...
Nem quero ficar pensando em como será possível fazer tudo daqui para frente sem ela, porque tudo até aqui foi COM ELA...Uma mãe presente sempre!

Sei que por tudo isso, por mais que hoje não consiga mais falar com ela, ela é e será sempre muito presente ainda, pois deixou muito dela em nós, amigos, irmãos, filhos...
Vejo ela em mim em muitas coisas que faço...Sei exatamente o que ela me diria em cada situação...Mas sinto uma pena imensa em pensar que daqui para frente ela não vai ver ou participar do que virá...

Teríamos muitas idas à praia, como em todos os anos, em que ela caminhava muito na areia, em que eu a encorajava sempre a ir mais para o fundo do mar, e ela tinha muito medo...
Teríamos muitos natais, como em 2007, que foi pela primeira vez lá em casa...chance única que tivemos!
Quantas vezes ainda eu veria ela sorrindo me vendo chegar em Cruzeiro depois de 2 ou 3 semanas em São Paulo...Ela sempre dizia: "Saudade!", com um sorriso engraçado e um abraço forte. Como sempre, tiraria várias coisas da geladeira que fez especialmente para nossa chegada (claro, a chegada do meu irmão sempre foi feliz demais!).
Eu veria ela toda orgulhosa escolhendo seu vestido para minha formatura ano que vem, e palpitando muito no meu vestido...Ela ficaria muito feliz, chegaria em Cruzeiro exagerando muito em como a festa foi linda, a festa da USP...
Eu com certeza teria que pedir que ela não contasse para todo mundo sobre meu primeiro emprego...Ela com certeza acharia o máximo não importasse o que fosse...
E meu casamento? Nossa! Ela iria comigo pesquisar vários preços, várias lojas para tudo. Ela já disse que eu teria uma festa grande, já que em seu casamento não teve festa...Não consigo imaginar uma festa de casamento sem ela...
Ela seria a avó mais coruja do mundo, porque sempre amou bebês! Seria lindo ver ela me ensinando tudo. E meu filho moraria em uma cidade grande, mas passaria as férias inteiras na casa da avó no interior...Sempre imaginei isso! Uma das coisas que ela mais falou chorando nesses meses da doença foi em sua vontade de ver eu e meu irmão mais velhos...
Quantas conversas eu ainda teria com ela, sobre meu futuro, sobre o futuro do meu irmão, sobre o trabalho do meu pai, sobre como eu deveria lidar com as pessoas...Quantas vezes eu ainda ligaria para ela contando sobre uma conquista, e ouviria ela dizer um feliz "AH É?", ou então ligaria para contar algo que não deu certo, e ela passaria por cima como se não fosse grande coisa mesmo...
Quantas vezes eu iria sair em Cruzeiro para comprar roupas com ela...Quantas vezes ela ainda cortaria meus cabelos, seguindo a risca o que eu pedia, ou arrumaria minhas unhas conversando comigo sobre alguma coisa que aconteceu em Cruzeiro quando eu não estava...
Quantas vezes ela viria ainda em minha cama, um pouco antes de dormir, ler uma parte da biblia que ela descobriu de repente e que queria me mostrar...
Quantas vezes viria com seus livrinhos de saúde mostrar que eu tenho que tomar tal vitamina, ou comer tal fruta...
E quanto ainda me acordaria cedo perguntando se melhorei da dor de cabeça que reclamei ontem de manhã, e que nem eu me lembrava que tinha sentido...

Nunca mais...

A morte é muito dura. Como pode alguém sumir, deixar tudo para trás, não ver os sonhos que construiu comigo se realizar...Como O NUNCA MAIS pode existir? Mãe, como sua ausência pode ser eterna?

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Vida normal?

Ontem voltei para São Paulo. Estranho demais tentar voltar à vida com tudo tão diferente... Deixei meu pai em Cruzeiro. Ele tinha a minha mãe com ele todos os dias, e agora tem que enfrentar a casa vazia. Foi triste! Fiquei um tempo vendo o jardim da minha mãe, vendo a casa que ela construiu e cuidou sempre...É triste ver como ela se foi e deixou tudo...
Hoje quando voltei para casa de ônibus, como fiz por algumas semanas antes de minha mãe ficar doente, fiquei pensando em como eu tinha tudo até maio, em como agora é difícil enfrentar a rotina de sempre, porque nada está como sempre. Por mais que eu não falasse com minha mãe todos os dias, saber agora que não posso mais falar com ela, é horrível!!! Hoje senti uma saudade muito forte, uma vontade de conversar com ela, dói muito, muito! Dói muito saber que NUNCA mais vou falar com ela. Ainda não consigo entender esse Nunca, é grande demais para caber dentro de mim...
Essa semana, com a necessidade de retomar tudo que ficou parado em Maio, estou sentindo coisas mais confusas, está mais difícil de escrever aqui...
Antes eu só pensava em como ela agora não sofria...Agora estou sentindo muitas saudades, sentindo uma angústia imensa em lembrar os últimos meses dela, a última semana. Momentos de muita dor! Sinto que quanto mais me afasto deles, mas sinto como foi sofrido.

Como posso ter perdido tanto em tão pouco tempo? Fico pensando em como ainda vou passar por momentos em que minha mãe não vai estar comigo...Como seria tudo melhor! Eu sei que um dia vou me acostumar com a ausência dela, com sentir saudades, mas não vai ser agora, não vai ser logo...Eu consigo rir, consigo fazer várias coisas, consigo esquecer por um tempinho....Mas logo lembro de tudo, lembro que não tenho mais ela, sinto um vazio imenso, não entendo tudo que aconteceu...

Perdi quem me amava sem pensar em nada, quem se colocou sempre em segundo plano por mim e meu irmão, quem já enfrentou chuva, sono (e muitas outras coisas) por nós. Hoje tenho mais medo de ficar sozinha, porque sempre soube que ela estaria comigo em qualquer situação, e agora a perdi.....Amor de mãe é único!

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Amar sem Amanhã

Hoje eu sinto que consigo suportar qualquer situação. O maior medo da minha vida aconteceu (as coisas acontecem, não adianta fazermos nada...). Algumas pessoas vivem esse medo mais intensamente que outras, mas o medo existe sempre: perder as pessoas que mais amamos. Perdi minha mãe, e ainda não consigo acreditar.
Não estou chorando o tempo todo. Consigo conversar sobre outras coisas, consigo rir mesmo lembrando dela, lembrando de muitos momentos bons que tivemos na vida, e de como ela sempre foi feliz, falante, animada! A vida vai ser muito diferente e difícil sem ela, como ela é importante! Quando eu me distancio e olho para tudo o que aconteceu com minha família, e vejo como tudo desmoronou em tão pouco tempo, não acredito ainda! Não é possível que ela tenha ficado doente sem dar sinal, não é possível que ela tenha ido embora, não é possível que ainda consigamos viver...Acredito muito que somos mais fortes do que pensamos. Consigo me ver realizando os sonhos que fiz com ela, mesmo que a dor de sua ausência tire a alegria dessas realizações. Em qualquer coisa que faço hoje (e eu e meu irmão só falamos isso), penso no que ela gostaria que fizéssemos. E é fácil saber o que ela queria. E vamos fazer tudo por ela! Por isso estou vivendo (prometi a ela!), não estou me entregando à dor que sinto (e é estranho como essa dor é física, dói no peito, é um aperto que sinto quando penso que não a verei mais). Acordar é sempre a pior parte do dia...Dá muito vontade de desistir, de ficar deitada...Mas o silêncio é ensurdecedor!!!! Quando não falo com ninguém, quando meus pensamentos ficam vagando, penso nela, penso na tragédia que aconteceu conosco, e sinto aquela dor...Então me distraio com outras coisas...
Estou com medo de estar fugindo de sofrer, porque sei que sofrer é importante para superar isso. O que mais me faz sofrer é pensar em seus últimos momentos, seus últimos dias, foram momentos de muita angústia, muita mesmo. Foi tudo tão confuso, sinto que só vou conseguir organizar isso dentro de mim daqui um tempo...Não quero mais falar desses momentos tão cedo...
Só penso que agora ela está bem, sem sofrer. Penso que ela foi feliz, que nós sempre nos demos bem, que se a fiz chorar na vida foi de saudade, e que lutamos muito por sua vida! Não consigo pensar nas coisas ruins, afasto logo de mim...
Estou com medo de estar fugindo da dor...

Perder minha mãe agora foi a pior coisa que poderia ter acontecido, mas sei também que a maneira como tudo aconteceu torna isso um pouco menos difícil. Como eu disse antes, ficamos juntos e vivemos intensamente e com esperança nos últimos 2 meses. Conversamos muito, sobre a morte dela inclusive. Tudo ficou em paz, nada deixamos para trás. Muitas pessoas estão nos ajudando também! Agradeço muito às pessoas que não deixaram minha casa vazia nesses dias, que trouxeram coisas para a gente comer, que falaram coisas boas sobre minha mãe...Sei que não estamos sozinhos nessa dor....sei que muitas pessoas ainda não acreditam que minha mãe tão linda e alegre se foi assim de repente...Saber o quanto ela era querida e o como temos amigos em quem confiar nos conforta um pouco!

Mais uma vez quero dizer a todos: trate bem seus pais e as pessoas que você ama! Estamos sujeitos a tudo na vida. Não somos imunes a nada. Quando a vida está boa, quando todo mundo está bem, que dádiva!!! Mas quando tudo fica bem por muito tempo temos a péssima mania de acreditar que assim será para sempre (aliás, essa ilusão nos faz viver, mas muitas vezes ela nos faz esquecer de valorizar o que temos)...A vida tem momentos duros demais! Dar adeus dói muito. Eu ainda tive a oportunidade de saber, de ser avisada, que ficaria sem ela logo...Isso não acontece com todos. Nem sempre somos avisados. Não imagino quão difícil deve ser ter alguém tomado sem aviso, ou pior, ter alguém levado sem que possamos nos desculpar por alguma coisa...

Sei que é clichê demais, mas hoje mesmo ouvi por acaso essa música e nada mais sábio:
“É PRECISO AMAR AS PESSOAS COMO SE NÃO HOUVESSE AMANHÃ, PORQUE SE VOCÊ PARAR PRA PENSAR, NA VERDADE NÃO HÁ”


sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Uma nova vida

Hoje eu sonhei que me mudei de casa. Cheguei em uma casa menor, mas muito bagunçada. Havia muitas roupas e livros no chão. Abri uma porta e me deparei com um cômodo enorme, com uma mesa grande de azulejo no centro, mas era muito vazio. Perguntei para uma amiga que moraria comigo o que era aquele cômodo, e ela disse que eu que deveria saber, eu que deveria fazer alguma coisa com ele. No sonho eu senti que não conseguiria arrumar tudo aquilo.

Quando chegamos em casa essa semana a geladeira e o aquário estavam desligados. Todos os calendários estavam em Maio. Fui tomar banho, e quando coloquei a roupa para lavar percebi que não tinha ninguém para pegar aquela roupa. A casa parou. Sei que a gente tem que arrumar muita coisa mas é muito difícil fazer tudo sem ela. A casa tinha um som que agora se foi. É impressionante como a base de tudo é minha mãe, e as vezes penso que vai ser impossível continuar sem ela, ainda mais para meu pai que ficava com ela aqui todos os dias. Mas o maior medo dela era morrer e nos deixar aqui sem rumo. Por isso acredito que vamos dar um jeito em tudo com o tempo...

Vamos ter que inventar uma nova vida...

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Perdemos a batalha...

Dia 12 de agosto, de manhã, minha mãe descansou.

Quarta-feira, dia 6 de agosto, ela foi internada. Estava fraca, muito fraca. A médica me avisou que talvez não desse mais para fazer quimioterapia, que os exames da minha mãe indicavam uma piora progressiva a cada semana. No dia seguinte uma outra médica falou comigo. Explicou tudo que estava acontecendo, e disse que poderíamos começar um processo de despedida. Meu mundo caiu. Tudo que por semanas nos segurava, a esperança de que ela fosse ficar melhor, foi embora. Fiquei com raiva da médica, de ela ter tirado de mim a esperança, porque eu via minha mãe bem, embora estivesse mais fraca. Mas desse dia em diante minha mãe foi ficando cada dia pior. Até sábado ela conseguiu falar conosco normalmente, e estava assustada. Ela sentiu que estava piorando, ela sentiu que talvez estivesse morrendo. Me perguntou várias vezes: "Aline, o que está acontecendo comigo?". Domingo e segunda ela só dormiu, e o pouco que falou já não era muito claro. Algumas coisas não entendíamos. Em um momento eu estava com ela, ela olhou bem no meu olho e disse: “Deixa eu ver a cara dele”. Perguntei: “Cara de quem mãe?”. Ela respondeu: “A cara do passarinho”. Fiquei feliz em saber que ela estava vendo coisas boas. Sempre gostou da natureza, de passarinhos, de cachorros...

Depois disso percebi que sua consciência já estava alterada. E mesmo assim falei com ela, e eu sabia que ela estava ouvindo. Falei o quanto eu a amava, o quanto ela faria falta para mim. Falei para ela ficar tranqüila que eu iria cuidar do meu pai e do meu irmão. Falei para ela quão boa mãe ela tinha sido, e que mesmo que sofrêssemos com sua ausência, iríamos levar a vida adiante, pois ela nos ensinou muitas coisas. Ela ouvia e pedia para que eu a deixasse descansar, dormir. Acho que ela não queria se despedir. Na segunda ela saiu do Instituto do Câncer e foi para o HC de novo, para que os médicos de lá avaliassem se alguma coisa pudesse ainda ser feita. Na transferência, fui com ela na ambulância. Acho que ela não entendeu o que estava acontecendo. Ela só pedia que esperássemos mais um pouco, esperar ela ficar fortinha, ela queria dormir.

Na segunda-feira ela acordou algumas vezes. Uma vez acordou, e chamou eu e meu irmão. Pediu que nós a levantássemos para que ela respirasse melhor. Seguramos cada um de um lado seus braços, e apoiamos suas costas. Ainda falei: “mamãezinha”, cheirei bem forte sua pele, encostei minha cabeça em seu peito. Nós a abraçamos pela última vez. Seus olhos estavam muito amarelos, e não olhava para nós com firmeza. Nesse dia a noite ficamos eu, meu pai e meu irmão um tempinho com ela. Ela começou a falar algumas coisas estranhas. Falava: “Acorda Jairo”, chamou pelo tio Juarez e o tio Reinaldo. Eu senti que ela estava vendo cenas de sua infância. Fiquei com muito medo de ela estar com dor e de não conseguir falar, porque dizia algumas coisas e não entendíamos. Ela olhou para meu irmão, falou com a voz fraquinha: “Ai Tiaguinho”. Não sei se era dor, não sei se era saber que estava indo embora.

Nessa noite fiquei no hospital, meu irmão e meu pai foram embora para descansar. Mas um médico conversou comigo e pediu que eu chamasse os dois de volta para ficarem ali comigo naquela noite. O médico viu que sua respiração estava caindo. Ele disse que poderíamos levá-la para a UTI, entubá-la, que ela resistiria por mais tempo, mas seria em vão, não teria volta. Em muitas das nossas conversas sobre a doença, sobre hospital, sobre tudo que ela temia muito, ela disse que não queria passar por isso. Nessa mesma semana eu disse a ela que não iríamos fazer nada que ela não quisesse. Falei para o médico que eu não queria que ela sofresse.

Meu pai e meu irmão voltaram e passamos parte da noite olhando para ela de longe. Víamos ela respirando difícil, e já estava inconsciente. Nessa madrugada nós três conversamos muito sobre a vida sem ela, sobre tudo que passamos nesses dois meses, sobre quão trágico tinha sido a doença não dar sintoma, e termos descoberto muito tarde. Falamos sobre como ela vinha sofrendo nessas semanas, muitas idas ao hospital, quimioterapia, agulhas. Falamos sobre como começamos a perdê-la em Maio, quando soubemos da doença. Sabíamos que não tinha cura, mas acreditávamos que minha mãe seria um caso raro, excepcional. Ainda bem que ela tinha esperança! Falamos sobre como ficamos juntos, nós quatro nessas semanas. E nessa última semana, em que ela ficou internada, praticamente moramos no hospital. Queríamos aproveitar cada segundo com ela. Eu pensava que ela poderia acordar, ficar mais consciente de repente, e não queria que ela se sentisse sozinha, Dormimos três noites seguidas por poucas horas dentro do carro, só para não ficarmos acordados direto. Revezamos para ficar com ela no quarto, e dormíamos apoiados na cama dela. Aproveitamos o quanto pudemos. Muitas vezes falei com ela, mesmo que estivesse dormindo.Sempre beijava sua testa, passava a mão em seu cabelo.

Na terça de manhã entrei na sala onde ela estava. Tinham colocado um paninho em seus olhos pois estavam inchados e lacrimejavam muito. A enfermeira me deixou entrar, mas disse que talvez ela não me ouvisse. Ela só respirava, e respirava fundo. Chorei. Falei para ela descansar em paz, ir calma, que nós iríamos dar um jeito de viver. Falei que a amava muito, que ela tinha sido um presente de Deus para mim e meu irmão. Sai da sala, e fiquei lá fora com meu irmão. Meu pai ficou perto da porta da sala onde ela estava. Eu senti medo de que ela ficasse assim por dias, e pedi muito para Deus que a levasse sem dor se não tivesse mais jeito mesmo. Passou pouco tempo meu pai me chamou. Disse que olhou pela porta e não a viu respirar. Disse que viu sua pressão arterial cair aos poucos. Viu o monitor que mostrava a pressão e os batimentos cardíacos desligado. O médico e a enfermeira logo fecharam a porta. Meu coração acelerou muito. Eu tinha certeza que tinha acontecido. Um médico veio então na nossa direção, disse que minha mãe estava mal há alguns dias, e que infelizmente tinha morrido. Nem eu nem meu pai nos desesperamos. Senti um alívio em saber que Deus tinha lhe poupado sofrimento, que agora ela não sentia mais nada. Perdi minha mãe aos pouquinhos. Sai na recepção, olhei para meu irmão, e disse que tinha acabado. Então choramos muito, os três. Tínhamos estado juntos ali na luta por 81 dias, com ela. E agora começava uma nova batalha: tentar viver sem ela. E será muito difícil.

Quando entrei em Cruzeiro no começo da noite do dia 12, me senti derrotada. Comecei a sentir uma falta de ar, uma sensação estranha. Saímos dali dia 26 de maio, os quatro, com esperança, mesmo que tudo indicasse o contrário. E agora voltamos sem ela. Cheguei em casa e me deparei com a imagem dela saudável, minha mãe do começo de Maio, aquela que me fazia agora sentir uma saudade muito doída. Juntamente com minha tia Valéria, meu irmão, minha prima Letícia e o Egidio, abri seu guarda-roupa para escolher uma roupa. Fomos até a funerária e escolhi o caixão. O corpo chegou, arrumaram-na, fizeram uma maquiagem para que não aparecessem os roxinhos em seu rosto.

O velório e o enterro foram do jeito que ela gostaria que fosse: na igreja com muitas pessoas queridas. Foi enterrada ao lado do avó que ela tanto amava. Tanto na igreja quanto no cemitério eu só pensava que ela tinha parado de sofrer. Vi o quanto foi difícil para suas irmãs e irmãos, para seu pai, para seus cunhados e cunhadas, seus sobrinhos e sobrinhas, seu amigos, verem que ela não tinha mais vida. Há 3 meses ela estava bem, alegre, andando, resolvendo as coisas da vida em Cruzeiro, linda e jovem como sempre. Era difícil para as pessoas verem quão rápido a doença a destruiu. Eu, meu pai e meu irmão a vimos ir aos poucos, talvez aquele momento tinha outro significado para nós. Acompanhamos ao seu lado todos os dias suas dores e seus medos. Sabíamos que aquela vida estava muito difícil para ela. Não foi tão duro ver seu corpo sem vida no caixão, ou vê-la ficando no cemitério, porque aquela ali não era ela. Minha mãe ficou lá em São Paulo, naquela sala quando parou de respirar. Ficou no quarto do meu primo em São Paulo que nos hospedou por 81 dias. Ela ficou aqui em Cruzeiro, em cada canto da casa. Por isso o mais difícil foi entrar em casa na tarde do dia 13 de agosto, depois de voltarmos do cemitério. Desesperei-me ao entrar na cozinha, ver o fogão, ver suas plantinhas. Chorei tanto, tanto, me deu uma dor imensa, a dor do vazio. A dor da ausência. Eu a queria ali comigo, como sempre foi.

A vida mudou. Vamos ter que dar um jeito de viver com sua falta e fazer tudo que ela fazia. Tudo está bagunçado, acho difícil organizar tudo. Hoje acordei, olhei várias fotos suas. Não me sinto desesperada o tempo todo. Consigo falar dela, falar de coisas boas e ruins que passamos.

Algumas coisas me consolam. Consegui me despedir, ela disse muita coisa para nós que nos deixam tranqüilos em saber que ela foi feliz com a gente, Deus me deu a oportunidade de cuidar dela e de fazê-la sentir que eu e meu irmão fazíamos isso com amor. Sei que sua morte foi aos poucos, foi serena, mesmo que tenha sido uma doença tão cruel e impiedosa. Do diagnóstico até agora foi tudo muito rápido. Sinceramente achei que passaria o próximo natal com ela, achei que ela fosse ter momentos de melhora que nos permitiriam vir para Cruzeiro com ela. Não deu. Deus a poupou de sofrer mais, porque a cura da doença nunca foi possível.

Queria agradecer muito a todas as pessoas que nos ajudaram e que confiaram que ela ficaria melhor. Quero agradecer a Tia Valéria, Tio Reinaldo, André e Leandro que nos hospedaram em São Paulo por 81 dias, que cederam um quarto para a gente, que proporcionaram a minha mãe um pouco mais de conforto (ela gostava de deitar no sofá, gostava da cama, gostava do chuveiro forte com o qual dei banho nela por tantos dias), que dividiram conosco muitos momentos difíceis. Agradecer a Tia Sueli e a Tia Naira que cuidaram da nossa casa em Cruzeiro quando não estávamos aqui. Agradecer a tia Fabiana, tia Valquíria, Leandro, Vô Antônio, Tio Dalísio, tio Jairo, tia Graça, tia Eliane, Vó Gilda, Vô Luiz, que foram em São Paulo, e levaram um pouco de Cruzeiro para minha mãe, ela ficou feliz com a presença de vocês lá. Quero agradecer aos meus amigos que me apoiaram em São Paulo, Lu, Ka, Isa, Aline, Maira, Tia Helena, Fabio e Eliane, que foram visitar minha mãe, e com quem eu sei que poderei contar sempre. Às meninas que vieram a Cruzeiro, e entraram em casa comigo. À Ju, que sabe muito bem a dor que é perder uma mãe. Agradecer a Dani, minha chefe, que além de ajudar no início com alguns exames da minha mãe, ainda entendeu muitas faltas que eu tive. Quero agradecer a Tia Graça, Tio Jairo, Tio Reinaldo, Adelaide e Ovídio que nos ajudaram nesses dois dias a arrumar todo o necessário para o velório e o enterro, coisas que ficam difíceis demais nesse momento. Agradecer também as pessoas que conheci no hospital nesse tempo, principalmente os enfermeiros do Instituto do Câncer, que tiveram tanta paciência com ela e cuidaram dela com tanto carinho. Quero agradecer a todos que oraram por ela, que pediram a cura, que torceram por nós. Quero agradecer a todo mundo que lotou a igreja no velório e que me abraçou. Sei que essa dor compartilho com muitas pessoas: minha mãe era mãe de muita gente.


A vida agora ficou mais cinza, perdeu o brilho, tudo vai ser diferente. Cedo ou tarde teríamos que enfrentar uma situação dessas, porque até agora tudo tinha sido perfeito.

Disso tudo quero deixar dois recados para todos

- Trate bem seus pais e as pessoas que você ama. Mesmo quando tudo está calmo e tranqüilo, a gente nunca sabe o que pode acontecer. De repente minha mãe descobriu uma doença grave que estava muito avançada. Graças a Deus não me arrependo de nada, sei que ela foi feliz tendo eu e meu irmão como filhos. E a dor hoje fica um pouco menor ao saber disso, saber que tudo ficou em paz.

-Vá sempre ao médico, previna. Dificilmente descobriríamos a doença da minha mãe antes, pois a colonoscopia, o exame que mostra alteração no intestino, e que mostraria o tumor antes de ir para o fígado e tomar conta do órgão, só é indicado para check-up acima dos 50 anos. O câncer tem cura, chances grandes, se descoberto a tempo. Nesse tempo falei com muitas pessoas com câncer, pesquisei muito, e vi que é possível sim, tudo é prevenção e detecção precoce.

sábado, 9 de agosto de 2008

Esperança sempre? sim....sempre!

Na quarta-feira minha mãe foi internada. Estava bem fraquinha, não comia direito há 5 dias, no dia anterior apresentou uma pequena hemorragia no local do tumor no intestino, e os exames de sangue mostraram que as funções hepáticas e renais estavam alteradas. Na quarta ela faria quimioterapia, mas por esse quadro não foi possível. A médica que a atendeu ficou preocupada, e me chamou para conversar (só eu, sem meu pai nem meu irmâo). Ela disse que talvez não desse mais para fazer quimioterapia, pois minha mãe vinha apresentando uma piora no quadro geral nos últimos dias. Tudo desabou! Vi minha esperança caindo até quase acabar. Fui falar com meu pai e meu irmão, e não consegui. Comecei a chorar tanto, que tive que sentar no chão de um banheiro, minhas mãos começaram a formigar e quase perdi o ar...Não conseguia falar. Eu só pensava em como minha vida seria horrível sem minha mãe, em como eu acreditava que ainda poderia tê-la por um tempo e agora tudo tinha se apressado...Meu pai, meu irmão e uma senhora que me seguiram até o banheiro ficaram desesperados, pq não sabiam o motivo daquilo. Quando falei senti que eles não acreditaram, não se desesperaram. Talvez eles tivessem mais fé, ou talvez negassem mais que eu....
Ontem, sexta-feira, uma nova médica viu minha mãe. E novamente me chamou para conversar (novamente somente eu). Ela quis me avisar do que poderia acontecer logo, pelos exames da minha mãe. Não tenho coragem de escrever tudo que ela me falou, mas são coisas que eu nunca falaria para uma filha que há apenas 3 meses tinha uma mãe muito saudável e que não via possibilidade alguma de uma doença dessa aparecer de repente....Mas resumindo e "filtrando" ela me falou sobre os cuidados paliativos serem mais importantes agora que a quimioterapia, falou sobre a agressividade da doença da minha mãe e da rapidez com que evolui............
Mais uma vez fiquei largada no corredor chorando, até que uma voluntária veio conversar comigo, depois uma enfemeira, e depois uma psicóloga. Depois chamei meu pai e meu irmão, e junto com a psicóloga conversei com eles.
Confesso: ontem eu perdi a esperança. Ontem eu achei que a batalha estava perdida, pensei em como fazer dos próximos dias os mais intensos e alegres possíveis...
Mas hoje falamos com outro médico. Os exames mais recentes mostraram uma ligeira melhora em tudo (nessa altura, só de não piorar, já está ótimo). Ele disse que minha mãe chegou muito desidratada, e agora está se alimentando melhor e tomando muito liquido. Hoje a esperança voltou, e consegui ficar melhor.

Na recepção do hospital eu li hoje uma matéria sobre Psicooncologia. Falava sobre como o profissional pode ajudar a familia a superar noticias horríveis e como as pessoas aprendem a lidar com a morte. Comentei com meu pai: já li sobre isso, em textos para a faculdade, em livros. Mas hoje li com outros olhos...Na quarta e na sexta senti uma dor, um desespero, que me fez ter vontade de gritar muito. Depois minha cabeça ficou quente, pensando em mil coisas ruins, e me revoltei em pensar que não merecíamos que uma coisa dessas acontecesse, muito menos minha mãe.

Vou dormir agora, porque no começo da madrugada volto pro hospital para ficar com minha mãe. Quero ficar muito ao lado dela.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Difícil de escrever

Os três últimos dias não estão fáceis, e cada vez que converso com um médico fico com mais medo, eles são muito realistas, querem nos avisar e tudo desaba.

Quero muito um milagre, não quero perder a esperança...

E quero que minha mãe tenha ótimos dias! Quero conversar mt com ela!

Vou passar a noite no hospital hoje, não vou escrever mt aqui. Mas estou precisando desabafar, outro dia escrevo.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Foto de cima...

Ultimamente adotei a seguinte estratégia: PENSAR POUCO NA VIDA. Daí não estou conseguindo escrever nada por aqui...
Só para quebrar um pouco a quantidade de "letras" desse blog, vou postar uma foto. Tirei em uma das (muitas!) idas ao Instituto do Câncer. Gosto de lá! Tudo é novinho, as pessoas são educadas, as janelas são enormes (o que permite uma boa visão da cidade, ainda mais para quem gosta de prédios..rsrs), eles cuidam da minha mamãe e me dão esperança!