segunda-feira, 4 de abril de 2016

Sobre a melancolia

Hoje nevou, em abril, mesmo ja sendo primavera. Ir pro trabalho não é legal, andar na rua é cansativo, faz frio, tem que andar com cuidado para não cair. Tentei falar no celular, não deu, meus dedos começaram a doer, tive que desligar. Fez -4. Deve ser aquecimento global. Há 3 dias fez 20 graus, todo mundo saiu na rua, alguns galhinhos verdes começaram a aparecer. No dia seguinte, caiu a temperatura, nevou, todo mundo voltou pra dentro, os galhinhos quebraram. Ninguém aguenta mais o frio, sair com bota e casaco. Inverno cansa, todo mundo espera ansioso pela primavera, mas as vezes...não dá. Temos que aguentar, só mais um pouquinho na esperança de dias melhores, coloridos, sol quentinho, pessoas felizes.

É difícil aguentar os dias cinzas, mas é tão preciso. E é também tão bonito. As folhas só aparecem depois do ciclo todo. Não me canso de admirar o ciclo que ocorre todo ano. No verão, tudo tão verde! No outono, primeiro lindo, amarelo e vermelho, depois tudo marron, já feio, folhas mortas. No inverno, nada, só galhos. A primavera - minha favorita - traz aquele primeiro dia em que todas as folhas aparecem juntas, como se tivessem combinado que já era hora de fazer todo mundo feliz.

Mas metade do ano é frio, seco, branco, cinza. E ainda bonito! Existe uma beleza tão linda nos galhos secos carregando neve. E hoje tirei essa foto, 4 de abril:


E lembrei de um texto que li esses dias sobre a melancolia, uma palavra que soa tão bonita, mas que as vezes é associada com coisas negativas. Não é depressão, não é pessimismo. E esse texto que li descreve tão bem. Melancolia é "uma tristeza que aparece quando estamos abertos para o fato que a vida é inerentemente difícil, e que sofrimento e decepções são partes essenciais da experiência universal". É uma aceitação que tudo bem não ser feliz e saltitante de alegria o tempo todo. Melancolia "é um importante estado mental, e muito valioso, porque relaciona dor com beleza e sabedoria". Este é um dos textos que me fazem me sentir ok com o que eu sou, e com o que eu sinto. Tudo bem sentir a necessidade de se recolher por uns dias, e ficar triste. É uma forma de recarregar as energias, e sentir bem nos outros dias.

Um dos lugares mais melancólicos em que eu já estive foi há alguns semanas, estive no Japão. Um fato que não pensei tanto antes de ir, era o quanto minha mãe costumava falar que queria conhecer o Japão. Era uma coisa dela com meu irmão. Ela tinha interesse na cultura, e meu irmão gostava de videos games e tecnologia. Mais pro final da viagem, fui a Kyoto, uma cidade mais antiga com vários templos e lugares lindos. Fui neste templo chamado Ginkaku-ji (Pavilhão Prateado), que tem um dos jardins mais lindos que já vi. Comecei a andar sozinha pelo jardim, deixei meu marido tirando fotos. Andei, admirando a beleza, o detalhe da grama que é feita de musgo, num tom verde amarelado lindo. As árvores tem copas que parecem terem sido esculpidas de tão perfeitas. Ainda corre um pequeno riachinho, feito sim por mãos de homens, mais desenhado com perfeição. Chorei demais, pela beleza, mas também por pensar em como minha mãe (e meu pai) adoraria aquele lugar. Em como ela nunca mais vai ter sofrimento, mas também nunca mais verá nada. Não saberia da minha viagem, nem que eu tinha chorado naquele jardim. É uma sensação estranha de desamparo, e solidão. Fiquei triste, mas também me admirei com a beleza do lugar, e a beleza da minha dor. Como essas dores me ensinam. De alguma forma minha mãe esteve ali comigo.

Hoje era aniversário dela.






sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Sobre a tristeza, de tempos em tempos

Sobre o frio, ou a tristeza
Sobre o que se dilui com o tempo
Sobre o que a distancia não dilui
Sobre as relações ambíguas, verdes e vermelhas
Sobre o que é bom e ruim ao mesmo tempo
Sobre o silencio que cura
Sobre o que a gente colhe sem plantar
Sobre julgar com olhos que não vêem o concreto
Sobre mundos grandes e mundos pequenos
Sobre as lições que a gente nunca aprende
Sobre as pessoas que a gente nunca entende
Sobre as pessoas que nunca entendem a gente
Sobre a leveza necessária
Sobre as fotos que não serão tiradas
Sobre o frio que retorna todo ano, ou de tempos em tempos

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Falar sobre a morte

As pessoas não gostam de falar sobre a morte, o que me soa bem estranho. A unica coisa que com certeza absoluta vai acontecer com todo mundo é morrer, e ninguem quer falar sobre isso. Me deparo sempre com situacoes em que alguem me pergunta sobre meus pais, e nao sei ao certo o que dizer. Nao que o assunto me deixe triste ou que nao gosto de falar sobre isso, mas tenho medo da reacao da pessoa. Quase sempre quando digo que meus pais faleceram as pessoas param de falar ou pedem desculpa. Com o passar do tempo acho que meu tom ficou mais neutro ao falar sobre isso, nao choro nem nada. Mas as pessoas ainda assim estranham. As vezes, confesso, até gosto quando o assunto vem a tona, porque me sinto a vontade falando sobre isso, e gosto de entender como as pessoas reagem. Acho que as pessoas deviam se sentir mais comfortaveis falando sobre a morte.

Os ultimos dias nao tem sido faceis por conta das diversas datas desses dias de agosto. Hoje faz 7 anos da morte da minha mae. Para quem nunca perdeu uma pessoa de tao perto pode ate parecer tempo demais para ficar lembrando. O negocio é que acho que nunca é tempo demais. É sempre uma dor que te acompanha, que faz parte de voce, forma sua identidade, que dói mais em alguns dias que outros. Eu sempre posto coisas no facebook relacionadas a meus pais. Quando é aniversario, quando é alguma data importante. Acho que me ajuda a lidar com o luto, uma mencao de lembrancas, uma manifestacao publica que faz deles um pouco vivos. Mas comecei a ficar um pouco encanada com o que as pessoas podem pensar. Dizem que todo mundo tem uma personalidade em redes sociais, que postam coisas sempre repetidas. Meus posts repetidos sao sobre meus pais e suas mortes.

No meu mundo ideal isso seria ok. Acho que pra gente ser mesmo feliz a gente tem que entender e aceitar mudancas, e vejo muita gente sofrendo por nao saber lidar com isso. As coisas mudam, relacionamentos acabam, pessoas (e animais) morrem, projetos sao finalizados e outros se iniciam, a gente muda de trabalho. Existe uma luta para manter as coisas no lugar, que quase sempre é batalha perdida. Isso é dificil pra mim tambem. Gosto de rotina, de continuar fazendo a mesma coisa, de calmaria e continuacao. Mas a vida é as vezes furacao.

É dificil pensar e entender que a gente tambem vai morrer. Eu nunca tive medo de morrer, nem de ficar doente. As pessoas dizem que gostariam de morrer de repente, sem dor. Eu nao! Quero aviso, quero colocar ordem nas coisas. Tambem quero que nao aconteça tao cedo, porque no fim eu gosto disso aqui. Apesar dos pesares. Me admira nossa força. Eu sei que nós somos fortes pra lidar com as mais diversas situacoes, tragedias, festas, mudancas, pobreza, riqueza. Mesmo o inesperado. Mas isso ainda me da um pouco de medo. Tenho medo de perdas inesperadas. Tenho medo tambem de eu me tornar uma perda inesperada rs. Nao que eu me ache importante, mas pelo menos duas pessoas nesse mundo sentiriam muito a minha ausencia (quem serão? rs). Hoje eu estava pensando nisso: ja conversei com as pessoas sobre minha propria morte? Acho que ja falei com meu irmao, porque a gente nao tem medo desse assunto. Gosto da ideia de cremacao, nao ocupa espaco, e é mais facil ser "repatriada". Posso ter um pouquinho aqui nos EUA, um pouquinho espalhado onde meu pai esta, um pouquinho onde minha mae esta, um pouquinho na minha casa em Cruzeiro.  Espero que quando isso acontecer eu nao tenha muitos bens, que eu tenha gasto meu dinheiro com viagens pra conhecer o mundo e rever pessoas queridas, com comidas boas, com coisas que tragam boa energia!

Achou mórbido? Talvez. Acho que falando sobre a morte a gente pensa mais na vida.

Minha mãe, nos momentos de estresse domestico, quando a gente a deixava mais estressada com bagunça em casa ou algo assim, ela sempre dizia: "quando eu estiver embaixo da terra, vocês vai sentir minha falta". Era mais uma expressao, do que um sentimento real, uma expressao que era ate um pouco engracada. Hoje pensando nisso eu sei que nunca eu achei que aquilo iria acontecer, sério. Era uma ingenuidade tao grande! Quando meu pai ficou doente eu ja estava mais que calejada, nao foi surpresa. Mas a morte de 7 anos atras, abriu meus olhos para um mundo "novo". Mais cinza, mais duro, com doencas, quimioterapias, dores, saudades, buraquinhos no coração, distancias. E não é esse o nosso mundo? Também é o mundo com passarinhos, abraços, pessoas interessantes, onde minha incrivel mae existiu e me fez tornar gente, um mundo com esperança e amor, sonhos que se realizam, onde existem tantos encontros incríveis, e coincidências providenciais. E não é esse o nosso mundo?




segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Para aquele que me chamava de "filha"



Pai
Quantas vezes te deixei sentindo muitas saudades minhas. Mal sabia que um dia minha sina seria ter tantas saudades suas.






sábado, 8 de agosto de 2015

Cemitérios são para os vivos

Ano passado um professor recomendou que nós alunos fossemos conhecer o cemitério Mt Auburn, que fica uns 20 minutos andando de Harvard. Ele nos contou que foi la que, décadas atras, ele dava passeios longos com quem viria a se tornar sua esposa. Ele disse que alem de ser um lugar lindo, era também uma grande “lição de finitude”, que nós devíamos aprender. Por dentro, eu ri. Ja estava tao cansada das tais lições de finitude dessa vida.

Hoje, quase um ano depois, resolvi conhecer o cemitério. Os últimos dias tem sido estranhos, é agosto. Tem aniversario do meu pai, dia dos pais no Brasil, e aniversario de 7 anos da morte da minha mãe. Eu sempre lembro desses dias de agosto de 2008, tao tristes, angustiantes, cheio de simbolismos estranhos. O tempo passa, e sinto minha mae se tornando cada vez mais uma memoria. Parece que aquela vida que eu tinha quando ela estava aqui era uma outra vida. Parece tao longe! A ultima vez que conversei por um longo tempo com ela, foi sua ultima noite fora do hospital. Ela tinha piorado, eu sabia que estava chegando a hora. Deitei na cama do lado dela, e ela me contou partes da sua vida por horas. Me contou sobre como tinha sido infeliz ate casar com meu pai, como ele melhorou a vida dela. Ela que não teve mãe, aprendeu a ser mãe, e gostava demais. Minha mãe foi a pessoa que mais me influenciou, mas a cada ano tenho mais anos sem ela.  

Resolvi ir ao cemitério para ter lições de humanidade. Eu sei que eu ja aprendi a licao que tristeza faz parte da vida, que algumas memórias felizes as vezes ficam meio tristes e viram saudade (pra quem viu Divertidamente/Inside Out, as memórias felizes que eram tocadas pela tristeza tinham que se chamar “saudade”!!!). Mas as vezes ainda me pego me achando sozinha nessa dor. A verdade é que morrer é uma certeza. É a parte mais real do que nos faz parte desse mundo, e todas as criaturas viventes. Mas a lição que eu fui aprender é que o peso do significado que coloco nesse luto é parte do que nos faz humanos. Nós criamos os cemitérios, nós remoemos memórias, nós nunca esquecemos quem morre, nós amamos pra sempre quem agora só aparece nos sonhos. No lindo cemitério que conheci hoje vi muitas lapides, que ao invés de ter nomes, dizia apenas Mother ou Father, muitas delas lado a lado. Ao longo dos anos, desde 1831, ao se deparar com a morte de um pai ou mãe, alguém quis que eles fossem lembrados não por nomes, mas pelo maior papel que eles tiveram em vida: ser pais. Um lugar lindo, onde a única coisa que restou foi amor.












“Perhaps we become accustomed to our grief and, as it becomes increasingly familiar, increasingly part of the emotional landscape, it becomes a dullness. But there is no closure, no forgetting. One mourns those one has loved who have died until one joins them. It happens soon enough.” 
-David Rieff

domingo, 10 de maio de 2015

Mãe, queria te contar...

Tanta coisa que eu queria te contar. 

Esses dias me lembrei das muitas e muitas vezes que eu encostava na pia de casa enquanto você lavava louça, e te contava sobre a escola e sobre as coisas que eu queria fazer. Você sempre confiou que eu sabia escolher e sempre me fez acreditar que eu poderia chegar onde quisesse. Você acreditava no melhor lado de mim. Acho que há uns 12 anos essa cena da pia acontecia quase todos os dias. Eu te falava que eu queria ir pra São Paulo, queria estudar na USP, queria queria queria tanta coisa.

Você viu aquele sonho acontecer, me apoiou sem limites. Mas tantos outros sonhos  você não viu... Quando fiz intercâmbio, quando me formei na faculdade, quando consegui meu primeiro emprego. Acho que por isso que não quis casar com festa, e não gosto da ideia de ter filho. O que mais você não vai ver? 

Esta semana termino meu mestrado em Harvard, e daqui três semanas tem uma cerimonia super bonita e tradicional, em que todos os formandos de graduação, mestrado e doutorado se reúnem no gramado de uma das melhores universidades do mundo pra receber o diploma. Quando eu lembro das nossas conversas 12 anos atrás, como é possível você não estar aqui? Muita coisa aconteceu nos últimos sete anos pra que isso acontecesse, mas nada teria acontecido se não fosse você. Você cresceu em condições difíceis, e nem fez nem ensino médio. Mas desde quando eu era bem nova, você sempre sempre me ensinou que eu tinha que estudar. Você queria que eu chegasse aqui onde cheguei. Quando eu tinha uns 12 anos você ouviu alguém dizer que eu tinha que aprender inglês, e todo semestre, por anos, estava você lá me matriculando, indo atrás de descontos, fazendo o possível e impossível pra que eu fizesse aquelas aulas. O mesmo com o cursinho, pra que eu pudesse ir pra uma universidade boa. Obrigada, por sua persistência, por sua noção de prioridade que sempre colocou eu e meu irmão na frente das decisões, pela forte noção de ética que eu tenho, por ter me ensinado a ser tão forte, tão forte como você. Eu cresci ouvindo sua dor de ter perdido sua mãe tão jovem, do quanto que a vida foi dura com você e seus irmãos por isso, mas sempre soube da sua força. E ela que me faz ser forte hoje, mesmo sem você, mesmo com essa saudade tão gigante. Essa força que me faz seguir sonhos, apesar de tudo, mesmo sabendo que você nunca vai saber. É tão estranho seguir a vida...tanto que eu queria que você soubesse.

Eu queria te contar que moro em outro país, que meu irmão entrou na USP, de novo. Queria te contar que já tenho quase 30 anos, mas que ainda me sinto muito nova pra ser mãe. Queria te contar que na verdade não sei se quero ser mãe. Queria te contar sobre as pessoas que meu irmão e eu nos tornamos. Queria te mostrar fotos das filhas da Jú, do Fábio, da Ká. Queria que você cortasse meus cabelos. Queria te contar que meu pai passou pela mesma coisa e também foi embora, e que nossa casa não existe mais; mas que estamos ok. Queria te contar que sempre sonho com você, e quase sempre você está cuidando do meu pai. Queria envelhecer com você. Queria te levar em Roma. Queria andar na praia, com você, meu pai, meu irmão, minha tia, e a Janaina. Queria te levar na Target. Queria que você me convencesse a ser mãe, e que estivesse aqui pra me ensinar. Queria te falar que aprendi que a gente está preparado pra quase qualquer coisa, e que você é a mãe que a gente sempre quis. Queria te falar que seu amor ainda está aqui, por todos os lados. As vezes numa musica, as vezes quando falo com meu irmão. Queria te contar que descobri que depois que a gente vai embora a gente passa a morar dentro de quem a gente ama, e depois disso, mesmo que eu more longe de todo mundo, tenho tanta gente comigo! Tenho você tão viva dentro de mim.


Hoje queria ir num parque cheio de flores (é primavera!) pra ver se te encontrava em alguma cor, algum passarinho. Mas não fui, te encontro em mim quase todo dia, no contorno das minhas mãos, num perfil diferente no espelho. As vezes escuto sua voz quando falo alguma coisa bem espontaneamente. Você vai estar em mim também quando chamarem meu nome e eu receber meu diploma este mês. Você me trouxe aqui. E vai me levar pra qualquer lugar que eu vá até o fim. Obrigada por me ensinar a maior lição da minha vida: se acostume, tudo vai mudar uma hora ou outra, mas o amor permanece pra sempre. Obrigada por nos deixar esse amor que nos protege pra sempre!

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

"Quero meu filho pisando firme, cantando alto, sorrindo livre..."

Tenho andado ocupada, o mestrado tem tomado meu tempo, o que é bom. Descobri que sou viciada em estar ocupada, a cabeça pensa nas coisas que tenho que fazer, à noite fica fácil dormir, a vida parece que toma um sentido. Mas mesmo assim, essa dor vazia insiste em aparecer em momentos que parecem aleatórios. Minha terapeuta me lembrou que ainda é recente a morte do meu pai. Eu sinto que tenho esse luto por anos.

Entrei de férias semana passada, morrendo de medo dos dias livres. É um saco! Está tudo bem, mas as vezes choro escovando os dentes. Não tenho depressão. Além de ser tudo recente, essa época do natal bate forte! Já faz umas semanas que tenho tentado me preparar pra o natal. Quase decidi em não ter natal, ficar em casa sozinha, fingindo ser apenas uma noite de quarta-feira. Esse é sem duvida o natal mais difícil da minha vida. Estou longe da minha familia, primeiro natal sem meu pai, lembranças dos últimos dois natais com ele doente, quando tudo que eu pensava era que aqueles eram meus últimos natais com ele.

Final de ano tem um significado forte de recomeço, e eu venho tentado pensar no que fazer para ter uma vida melhor, para me acostumar mais com essas dores, esses vazios. Já nem consigo falar com ninguém sobre isso, parece que estou presa num ciclo, eu mesma me canso. Acho que ainda estou apegada nessa dor. Parece que meus pais, principalmente meu pai, vive por meio dela. Parece que se eu não sentir mais desse jeito, estarei me despedindo dele com vontade. Não quero. Quero a lembrança dele aqui comigo todo dia, quero lembrar das palhaçadas, das confusões, dele super apegado com a família, do cuidado com os sapatos e as flores. Quero lembrar dele não se conformando de eu ter vindo pros Estados Unidos. Quero lembrar dele reclamando de NY. Quero lembrar todo dia do que eu senti quando levei ele pro hospital sabendo que ele não voltaria, quando vi nos olhos do medico que seria naquele dia. Quero me lembrar das musicas que ele cantava meio sem sentido em suas ultimas semanas. Todo dia eu lembro da sensação de desamparo de quando não senti mais seu pulso. Todo dia eu lembro da tristeza profunda de voltar pra casa dirigindo seu carro, só com meu irmão. Todo dia penso na nossa casa vazia, me culpo por não estar com meu irmão e nossos cachorrinhos. Penso todo dia, não quero esquecer. Tem sempre uns dois dias na semana que choro por um minuto, e passa. Parece que assim seguro ele aqui comigo por mais tempo.

Quase todos os dias, vendo tv, ouvindo alguém contar alguma historia sobre seus pais, penso que nao é muito justo que nao tenho a chance de ver meus pais envelhecerem, ter um porto seguro, ter filhos com avos, tê-los vendo as conquistas minhas, do meu irmão, e meus primos. As vezes me paralisa o constante remoer do que isto significa na minha vida. O tamanho dessas faltas me faz parar e pensar perplexa na tristeza disso tudo, e como foi possível acontecer.

Mas no fim, de verdade, não acho que está certo me paralisar. Não é justo com eles faze-los viver na minha dor. Meus pais ficariam muito tristes com isso. Lembro que meu pai sofria de uma certa nostalgia quando eu estava crescendo. Ele sempre remoeu a morte de uma tia muito querida, em alguns domingos de manha ele ficava ate depressivo. A morte da minha mãe, ele nunca superou, chorava igual criança mesmo depois de anos. Mas ele não gostaria que fosse assim com a gente. Minha mãe cresceu sem a mãe, e era forte. Não era de choramingar, de se colocar de vitima. Ela perdeu pessoas queridas quando eu era adolescente. Ela deveria ser meu exemplo.

Quero muito para 2015 aprender a fazer meus pais viverem nas nossas conquistas, nos dias alegres. Não honro meus pais com dor, com tristeza. A vida é um ciclo, e as vezes sinto que esqueço disso, e vivo num mundo egoista olhando para minha dor.

Natal é dificil, porque sempre foi tão familia e tão feliz. Lembro de ter um lado da minha familia reunida, presentes, decoração, comida, risadas. Para mim e meus primos tudo parecia completo, mas olhando para trás não era. Minha mãe nunca passou natal com a familia dela, meus avos com certeza sentiam falta dos irmãos, dos pais. A gente cresce, e as ausências vão aumentam. As crianças que dão a falsa impressão de completude. Era tão bom.

Um ciclo, pessoas vão, deixam um buraco sem tamanho, que vira cicatriz. Outras pessoas vem, nascem novos membros da familia. A gente transforma as dores em algo mais. Queria que fosse facil me desapegar dessa dor. Quero essa lição pra 2015.