Tenho andado ocupada, o mestrado tem tomado meu tempo, o que
é bom. Descobri que sou viciada em estar ocupada, a cabeça pensa nas coisas que
tenho que fazer, à noite fica fácil dormir, a vida parece que toma um sentido. Mas mesmo assim, essa dor vazia insiste em aparecer em momentos que parecem aleatórios.
Minha terapeuta me lembrou que ainda é recente a morte do meu pai. Eu sinto que
tenho esse luto por anos.
Entrei de férias semana passada, morrendo de medo dos dias
livres. É um saco! Está tudo bem, mas as vezes choro escovando os dentes. Não tenho depressão. Além de ser tudo recente, essa época do natal bate forte! Já faz umas semanas que tenho tentado me preparar pra o natal. Quase
decidi em não ter natal, ficar em casa sozinha, fingindo ser apenas uma noite
de quarta-feira. Esse é sem duvida o natal mais difícil da minha vida. Estou longe
da minha familia, primeiro natal sem meu pai, lembranças dos últimos dois
natais com ele doente, quando tudo que eu pensava era que aqueles eram meus
últimos natais com ele.
Final de ano tem um significado forte de recomeço, e eu
venho tentado pensar no que fazer para ter uma vida melhor, para me acostumar
mais com essas dores, esses vazios. Já nem consigo falar com ninguém sobre
isso, parece que estou presa num ciclo, eu mesma me canso. Acho que ainda estou apegada nessa dor.
Parece que meus pais, principalmente meu pai, vive por meio dela. Parece que se
eu não sentir mais desse jeito, estarei me despedindo dele com vontade. Não
quero. Quero a lembrança dele aqui comigo todo dia, quero lembrar das
palhaçadas, das confusões, dele super apegado com a família, do cuidado
com os sapatos e as flores. Quero lembrar dele não se conformando de eu ter
vindo pros Estados Unidos. Quero lembrar dele reclamando de NY. Quero lembrar todo dia do que eu senti quando levei
ele pro hospital sabendo que ele não voltaria, quando vi nos olhos do medico
que seria naquele dia. Quero me lembrar das musicas que ele cantava meio sem
sentido em suas ultimas semanas. Todo dia eu lembro da sensação de desamparo de
quando não senti mais seu pulso. Todo dia eu lembro da tristeza profunda de
voltar pra casa dirigindo seu carro, só com meu irmão. Todo dia penso na nossa
casa vazia, me culpo por não estar com meu irmão e nossos cachorrinhos. Penso todo dia, não quero esquecer. Tem sempre uns dois dias na semana que choro por um minuto, e passa. Parece que assim seguro ele aqui comigo por mais tempo.
Quase todos os dias, vendo tv, ouvindo alguém contar alguma
historia sobre seus pais, penso que nao é muito justo que nao tenho a chance de
ver meus pais envelhecerem, ter um porto seguro, ter filhos com avos, tê-los
vendo as conquistas minhas, do meu irmão, e meus primos. As vezes me paralisa o constante remoer do que isto
significa na minha vida. O tamanho dessas faltas me faz parar e pensar perplexa na tristeza disso tudo, e como foi possível acontecer.
Mas no fim, de verdade, não acho que está certo me paralisar. Não é justo com eles faze-los viver na minha dor. Meus pais ficariam muito tristes com isso.
Lembro que meu pai sofria de uma certa nostalgia quando eu estava crescendo. Ele sempre remoeu a
morte de uma tia muito querida, em alguns domingos de manha ele ficava ate
depressivo. A morte da minha mãe, ele nunca superou, chorava igual criança mesmo depois de anos. Mas ele não gostaria que fosse assim com a gente. Minha mãe cresceu sem a mãe, e era forte. Não era de choramingar, de se colocar de vitima. Ela perdeu pessoas queridas quando eu era adolescente. Ela deveria ser meu exemplo.
Quero muito para 2015 aprender a fazer meus pais viverem nas nossas conquistas, nos dias alegres. Não honro meus pais com dor, com tristeza. A vida é um ciclo, e as vezes sinto que esqueço disso, e
vivo num mundo egoista olhando para minha dor.
Natal é dificil, porque sempre foi tão familia e tão feliz.
Lembro de ter um lado da minha familia reunida, presentes, decoração, comida,
risadas. Para mim e meus primos tudo parecia completo, mas olhando para trás não era. Minha mãe
nunca passou natal com a familia dela, meus avos com certeza sentiam falta dos
irmãos, dos pais. A gente cresce, e as ausências vão aumentam. As crianças que dão a falsa impressão de completude. Era tão bom.
Um ciclo, pessoas vão, deixam um buraco
sem tamanho, que vira cicatriz. Outras pessoas vem, nascem novos membros da
familia. A gente transforma as dores em algo mais. Queria que fosse facil me desapegar dessa dor. Quero essa lição pra 2015.
fui capaz de cuidar dos sentimentos ou emoções dolorosas durante o ano ? De tempos em tempos um sentimento de dor aparece, uma emoção forte e desconfortável surge, e fomos nós capazes de lidar com elas? De acalmá-las, de maneira que não nos tornemos uma fonte de sofrimento para nós e para os outros? (…) Ou até mesmo de transformá-las em algo melhor, como compaixão? Amizade? Perdão? Porque a dor e o prazer são orgânicos. É como amor e ódio, são de natureza orgânica. Se você não sabe lidar com o amor, pode se tornar outra coisa, como raiva ou ódio. E se você souber como lidar com a raiva e o ódio, você pode transformá-los em entendimento e amor. E todas essas coisas podemos aprender, como praticantes da atenção plena. E se não dominamos a prática de gerar alegria e felicidade, você não aprende a lidar com sentimentos e emoções dolorosas, e você vai repeti-los, no novo ano. E o novo ano não vai ser muito novo. Só uma repetição do velho. Então para que o ano novo seja novo, você tem que renovar a si mesmo, você tem que se fazer novo.
ResponderExcluir– O ano que vai terminar é uma invenção nossa, uma fabricação nossa, um produto nosso. O valor do ano depende da consciência no agir, de nosso jeito de viver nossas vidas. O valor do ano depende da nossa consciência da vida.(THICH NHAT HANH ).