quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Pai na UTI, volta urgente ao Brasil!

De um dia pro outro, tudo muda!
Terminei meu último post feliz, com meu pai animado, e eu conseguindo ficar bem nos Estados Unidos.
No sábado a tarde liguei para meu pai, e minha avó atendeu. Estava uma confusão! Meu pai tinha acabado de cair no banheiro, minha avó estava esperando meu tio chegar para ajudar meu pai a se levantar. Eu fiquei sem entender! Tentei falar com meu pai, mas ele não estava conseguindo falar. Minha avó fazia perguntas para ele, mas ele não respondia direito. No final ele pegou no telefone, mas ele não falava coisa com coisa. Começou a contar histórias sem nexo, a chamar todo mundo de mãe, a misturar os sintomas dele com sintomas da minha avó. Fiquei desesperada! Eu perguntava X, ele respondia Y. Comecei até a achar que era problema na ligação, mas logo minha tia chegou, pegou no telefone, e consegui conversar com ela normalmente.
Em poucas horas meu pai ficou completamente sem noção! Liguei para ele algumas vezes, falei com minha tia, e conseguia ouvir ele falando frases sem sentido. Falei pra ela levá-lo ao hospital.
Tia Sueli, tio Valter, e o Seu Martins (uma pessoa excepcional, que dirigiu meu pai ao hospital várias vezes na minha ausência, que nem é da família, nem pede nada em troca) levaram meu pai até Guaratinguetá, onde fica o hospital.
O primeiro médico o dispensou, disse que tudo era problemas da doenças. Minha tia insistiu. O segundo médico viu gravidade, e mandou ele para a UTI. O quadro tinha piorado e estava causando confusão mental.

O tempo todo me comuniquei com minha tia por meio do Whatsapp. Gente, que dificil! Não dormi, coração ficou apertado! Meu pai na UTI, com risco, e eu longe! Fiquei com medo de acontecer o pior e eu estar longe! Domingo às 10 da manhã marquei um voo para às 10 da noite. Eu tinha tomado a decisão de voltar para os Estados Unidos depois do ano novo, porque achei mesmo que ele iria ficar firminho por um tempo. Acabou que três semanas depois estava eu de novo no aeroporto vindo para o Brasil. Ainda bem que a viagem foi confortável, extra espaço no avião, recorde de tempo na imigração e pegar malas.

Encontrei com meu irmāo no aeroporto, e fomos direto para o Hospital. Chegamos exatamente na hora da curta visita da UTI. Eu nunca tinha entrado numa UTI. Assim que entramos meu pai abriu bem os olhos e disse: "Cade meu povo?". Quando ele reconheceu que era eu e o Tiago ficou espantado e disse: "Não acredito que vocês estão aqui! Não acredito!" Repetiu, e repetiu isso. Chorou! Logo reparei que ele tinha dado uma melhorada, já sabia onde estava. Fez perguntas do que tinha acontecido com ele, o porquê de estar ali. Admirou-se de eu estar ali! De ter voltado tão rápido.

O médico conversou comigo, disse que quando ele entrou na UTI fizeram exames para avaliar metastases cerebrais ou mesmo trauma causado pela queda. Os exames da cabeça estavam ok. Mas as metástases no fígado e pulmão tinham aumentado muito. Além disso, todos os exames de sangue estavam ruins, anemia, poucas plaquetas, etc. O médico queria mandá-lo para o quarto, pois assim teria mais tempo de visita e poderia ter acompanhante. Então eu cheguei, e ele já passou para o quarto.

Meu irmão passou a primeira noite com ele, noite passada fui eu.

Agora estou aqui, e já cheguei no limite de ir e vir dos Estados Unidos (caro caro!). Meu pai deu uma melhorada, mas simplesmente não posso ir embora. Cada dia é diferente. Amanhã ele pode ter outra crise, acontecer alguma coisa. Infelizmente é uma doença progressiva. E a verdade é que ele está precisando de cuidados 24 horas, e não tem ninguém para fazer isso. Todo mundo tem trabalho, tem sua própria vida. Mas se alguém vai abrir mão dessas coisas, parece-me que tem que ser os filhos.

Na segunda-feira eu estava me sentindo bem! Cheguei, meu pai já teve alta, estava melhor, vi como ele ficou feliz de me ver. Senti em paz comigo, algo que eu já não estava sentindo estando longe.

Esta noite passei a noite no hospital, e já comecei a ter sentimentos negativos por estar aqui. Embora acho que tudo dentro da normalidade. Quem mora em algum lugar longe da familia, acaba sempre sentindo que falta algo, nao importa onde você esteja. E a verdade verdadeira, que talvez pareça individualista e egoísta, é que eu me acostumei muito em fazer as coisas para mim mesma no dia a dia. Mesmo estando muito preocupada com meu pai, eu estava contente com minha vida em NY. Eu estava extremamente satisfeita com meus dois trabalhos. Dar aulas de português estava sendo muito divertido e desafiador, eu estava aprendendo muito. E TODOS os alunos são muito legais! Além disso, eu estou muito acostumada a fazer tudo com meu marido, a passar horas juntos, mesmo que os dois estejam estudando/trabalhando em silêncio na mesma mesa. A gente precisa um do outro. Ficar longe é extremamente difícil.  

Meu marido me disse uma coisa que estou tentando fazer. Ja que estou aqui, tenho que me concentrar em estar aqui. Estou tentando. Nao posso ficar pensando no que estou perdendo, dos trabalhos que joguei pro alto, de levar minha vida normalmente. Tenho que me concentrar em ajudar meu pai nesta hora em que ele precisa de mim. Eu tenho absoluta certeza que a longo prazo esta minha segunda "parada" na minha própria vida vai ser apenas um momentinho, mas a sensação de que eu fiz o que tinha que fazer vai durar muito e muito tempo.




quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Racionalização



              (Já aviso, texto longo, sem nexo, sem organização, talvez amanhã eu edite)

              Já faz duas semanas e meia que voltei do Brasil. Passei 15 dias por lá, todos em Cruzeiro. Foi bom e estranho. Fiquei o tempo todo quase com meu pai. Ele realmente tinha dado uma piorada. Estava dormindo mais, com a voz mais fraca. Eu tinha prometido para mim mesma que iria aproveitar cada minuto, ficar de bom humor, ajudá-lo. Mas a realidade não é bem assim. É dificil ficar bem quando alguém perto de você está com dor, mal estar, dorme pouco. E relacionamentos humanos são tão complexos e intrincados em tantos fatores, que as vezes a gente nem entende a gente, quem dirá entender o outro.

                A primeira semana foi boa! Calor, shortinho, havaianas! O natal passamos na casa nova da minha tia, que eu estava ansiosa para conhecer. No final, o natal foi estranho!( Aqui é meu blog, e posso ser sincera, bem sincera!) Em 2012 descobrimos a doença do meu pai uma semana antes do natal. No dia mesmo da ceia eu estava convencida que seria o último natal do meu pai, entrando no meu mecanismo de defesa favorito, a racionalização. Foi dificil, e tudo me levou a decisão de ficar no Brasil por seis meses. O resto eu já escrevi aqui.

                Mas a vida surpreende, ainda bem! Meu pai ficou firme, aguentou bem, e estava la com a gente passando o natal em 2013! Que alegria deveria ser não? Mas estranhamente eu não senti nem alegria, nem tristeza. Eu não senti nada! Estava completamente anestesiada de qualquer coisa. Acho que eu não estava querendo muito era pensar em nada.

                No final da noite um dos meus queridos primos ficou meio pra baixo. Ele conversou comigo que andava triste, achando o natal muito sem graça, pensando em como de repente nossa familia começou a ter problemas, e de como sempre por muitos anos tudo deu muito certo! E é verdade isso!!! Por anos e anos nos reunimos na casa da minha tia, com a familia do meu tio (marido dela), e era sempre muito legal! Claro que também tem o fato de sermos crianças, quando o natal tem sempre mais graça. Com o tempo não ganhamos mais brinquedos, algumas pessoas vão casando e comemorando com suas próprias famílias, outras pessoas vão embora, outras ficam doente.

E estavamos ali, natal de 2013, sem minha mãe, sem a irmã dele que está fazendo intercâmbio, sem meu avô que esta tão doente que nem pode sair da cama, com meu pai bem doente, o sogro da minha tia também doente, e assim vai. Crescer não é divertido não! Meu primo estava bem sentido. Eu não estava sentindo nada. Comecei a chorar, chorar de tristeza por não sentir.

Meu tempo no Brasil foi tomado de racionalizações. Como é díficil morar longe da família, ainda mais quando as pessoas precisam de você, quando você cresce numa cultura em que estar com os pais doentes é esperado. Sinto mesmo uma terrível culpa! Uma culpa tão grande que talvez me consumisse se eu não racionalizasse tudo! Coloco tudo numa lógico bem explicadinha de que tudo tem sua hora, de que preciso trabalhar, preciso construir minha carreira, que escolhi ficar aqui e preciso ir em frente com isso. Na verdade tudo é verdade mesmo! Moro aqui, tenho contas, imposto, coisas que todos tem. Não posso simplesmente ficar no Brasil 6 meses todo ano. Esse mundo não existe para mim.

Acontece que o que a gente pensa, nosso caminho, nossas escolhas, nossas dores, são nossas! Não são de mais ninguém. Como alguém vai entender minhas decisões se não andam nos meus pés? É dificil! As vezes até acho que exijo muito esperando que me entendam. Esse foi um dos meus conflitos no Brasil. Eu fui durante meu periodo de recesso. Muitas pessoas estranharam eu ja voltando dia 6 de janeiro. Inclusive meu pai.

Ele sempre foi uma pessoa muito carente! Gosta de pessoas por perto, de conversar. Ele na verdade nunca entendeu minha vinda para cá. Nunca! Nem quando estava bem. Logo a primeira vez que vim passear e conhecer meus sogros, passei pouco mais de um mês. Foi muito dificil ele aceitar que eu nao passaria o natal com ele! Quando vim meio sem saber se ficaria ou não, tive que pisar em ovos para contar a novidade! Imagina agora com ele nessa situação?

Os últimos 3 dias no Brasil foram cheios de conflitos! Meu pai fazendo mil comentários sobre minha vinda, dando indireta, e eu dando minhas razões racionais. Choramos, até discutimos! Sei que na verdade ele não me entende. Eu tenho medo de um dia sentir remorso por isso, mas a verdade final para mim é isso: a gente toma decisões que tem consequências. Maturidade é saber levar as consequências. Minha consequência é passar menos tempo com minha família, e vir a sentir remorso por isso.

                O problema maior, além do que eu sinto, ou meu pai sente, é que ele piorou! Desde o começo eu já estava pensando como eu conseguiria ir embora deixando meu pai lá daquele jeito. Ele estava andando com dificuldade, falando com dificuldade. Dei sorte e consegui ir numa consulta com meu pai. O médico estava ainda esperando o resultado da ressonância do crânio (por conta da visão dupla). Ele receitou um remédio novo para dar mais ânimo. No final me disse para voltar pros Estados Unidos tranquila que meu pai ainda iria ficar firminho por um tempo. Ele deixou escapar que o fato de meu pai ter ficado tanto tempo bem sem a quimio foi uma surpresa.

                Tive outra sorte que no dia de ir pro aeroporto a ressonancia ficou pronta, e consegui ver o resultado. Nada de metástase cerebral (ufa!). Acabou que deixei meu pai relativamente bem, mais conformado com minha volta.

                No dia seguinte ele fez um exame de punção lombar (a ressonancia apontou uma alteração que pode ter ligação com infecção). E ele começou a passar mal! Foi só eu vir embora, ele piorou mais ainda! Um dos meus queridos primos levou meu pai para o Hospital, ele estava fraco, comendo pouco. Fizeram uma retirada de liquido do pulmão (há um tempo estava acumulando liquido), e o internaram. Ele ficou internado quase uma semana! E dormiu sozinho quase todos os dias. Minha tia foi todos os dias, meu irmão passou o final de semana. Mas o resto do tempo ele ficou sozinho.

                Foi uma semana dificil, em que a distância só faz tudo piorar. Se eu estivesse lá poderia ficar o tempo todo com ele, por exemplo! Pensei em tantas coisas. Quando eu ficava no hospital com minha mãe eu sempre achava triste as pessoas que não tinham ninguém lá. A gente julga muito sem saber, sem se colocar no lugar. A verdade é que ter alguém doente na família envolve sempre muita gente, de formas diferentes. Se alguém fica doente por 3 meses (como foi minha mãe) é mais fácil pessoas deixarem o trabalho, familia, casa, se virar em mil e dar um jeito de ficar lá com a pessoa. Minha mãe ficou doente de maio a agosto, julho inteiro eu e meu irmão estávamos de férias! Ela estava na mesma cidade que a gente. Nós estavamos em choque! Não deu tempo de incorporar a doença a vida.

                Com meu pai não. É tudo ao contrário.

               
                Uma pessoa encontrou um dia meu pai na rua e chorou pra ele, talvez com pena, e disse algo do tipo: “Não acredito que sua filha de largou aqui assim”. Essa mesma pessoa disse algo parecido para uma de minhas tias. Até entendo que esta pessoa não goste de mim, e não me incomoda o comentário em si. O que me incomoda é a resposta das pessoas que gostam de mim. Sou contra dramatizar o que já é dramático. Ouço muitas coisas: “Não da pra você ficar mais?”. Se desse, eu ficava!  “Ai que pena, seu pai gosta tanto de você aqui”. Sim, eu já sei. “Nossa Aline, seu pai ta tão magro!”. Eu sei, ele também sabe. Uma outra pessoa muito querida um dia me disse: “Ah, mas seu pai não dura muito, ne?”. Quem sabe né? Um colega do meu pai levava o sogro com câncer no hospital toda semana, e as vezes nos encontrávamos. O sogro morreu ontem, um radialista de Cruzeiro. O genro,colega do meu pai, morreu meses atrás!  Quem sabe quem morre quando ne? Concordo que as chances do meu pai ir antes de mim são muito altas. Mas quem sabe? Ningúem!

                Meu pai fica chateado comigo as vezes porque ele acha que eu não tenho fé, que eu não acredito. A verdade é que eu acredito e muito que a gente pode se surpreender com o andamento de doenças. Acredito sim que existe mais do que a gente vê. Mas também leio muito sobre câncer, sei os tratamentos usados para canceres como do meu pai, sei as estatísticas, todos os numerozinhos de um dígito. Minha racionalização é: simplificar tudo! Sem drama, sem lágrimas desnecessárias, sem querer adivinhar o futuro, saber quando, quem, onde. No fim a gente tem mesmo que viver um dia por vez! Hoje estar feliz, sobreviver por hoje, viver sem culpa por hoje.

                Meu pai saiu da internação bem melhor. Mudou-se pra perto da minha vó e minha tia, trancou nossa casa. Eu sei que foi melhor pra ele, ele está já bem melhor e animado, tendo mais pessoas por perto, mais assuntos. Começou de novo as quimios. Fiquei melhor também! Esta semana, quando ligo pra ele, ele sempre está animado, falante, com a voz forte, cheio de assunto. Isso é vida, não?

sábado, 18 de janeiro de 2014

Semana dificil

Estou precisando escrever aqui urgentemente. Voltei pros Estados Unidos ha quase duas semanas  e esta semana tem sido muito dificil, meu pai piorou, não estou la e tenho pensando em muitas e muitas coisas. Pra resumir, culpa. Muitos conflitos dentro de mim! Hoje, depois de muito tempo, chorei muito, de doer o peito e faltar o ar. Dificil! Ainda vou escrever mais outro dia. Vim aqui rapidinho porque nao quero esquecer algo que acabei de pensar. Nao posso estar la agora, e nao quero mais me martirizar por isso. Eu so quero ter a chance de ainda cuidar do meu pai. Espero que o tempo dele seja tbm o meu.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

De volta a realidade



                Fiquei muito tempo sem escrever simplesmente porque fiquei um bom tempo fingindo que tudo estava bem. Fingi tão bem que me convenci. Mudei-me para Nova York com meu marido, passei quatro meses aqui, trabalhando bastante, conhecendo a cidade, fazendo pequenas compras, e principalmente inventando outros problemas para ocupar minha preocupada cabecinha.
                Ajudou que meu pai passou alguns meses muito bem. Assim que eu sai do Brasil, ele arrumou ânimo não sei de onde. O médico decidiu parar com as quimios, que estavam fazendo mais mal do que bem. Conclusão: a anemia acabou, e meu pai teve alguns meses bons! Independente, saindo para fazer compras, mudando coisas na casa, comprando coisas de decoração. Meu irmão até pode vir me visitar. Isso me deixou muito bem. Percebi que minha decisão de voltar pros Estados Unidos foi certa. Comecei até a pensar na possibilidade dessa doença estacionar de vez, e de ele ir levando por um bom tempo.
                A verdade é que entrei num processo longo e profundo de negação. Me fiz acreditar que tudo estava bem, de verdade. Levei uma vida bem normal nesses meses. Desloquei toda a energia da minha ansiedade para problemas que não são de vida e morte: tentando arrumar mais trabalho, me tornando uma esposa bem ciumenta, gostando novamente de cidade grande e metro cheio, etc etc.
                Até que marquei minha passagem para passar o natal no Brasil. Foi incrível, marquei a passagem, a realidade caiu na minha frente. Não posso negar que coincidiu com o começo do frio (que odeio, e me deixa naturalmente pra baixo) e com uma certa piora do quadro do meu pai. Ele começou a comer menos, ficar anêmico de novo, perdeu o ânimo que tinha.
                Na última semana, de repente ele passou a ter visão dupla. Foi no oftalmo, que descobriu que uma parte do nervo do olho esquerdo está trabalhando menos, e não acompanha o outro olho no foco. Agora ele ficou ainda mais debilitado com isso, não pode dirigir, e fica constantemente tonto, sem equilibrio. Ainda não sei se isso tem a ver com o câncer (infelizmente metástase cerebral é sempre uma possibilidade), ou se é alguma coisa independente. Hoje ele ia no oncologista.
                Na última semana não consigo dormir, e não consigo acordar. Domingo que vem pego o voo pro Brasil, e só de pensar nisso tenho quase uma crise de ansiedade. Encarar a situação de frente não é fácil. E o fato que eu moro em outro país traz MUITAS complicações. Por mais que seja dificil para muitas pessoas entenderem, eu não posso simplesmente ficar no Brasil o tempo que eu quero. Não existe isso da gente poder parar tudo, por mais que a situação seja grave. Tenho trabalho, tenho contas. Minha vontade era sim ficar com meu pai, ajudar, passar tranquilidade, mas largar tudo aqui não vai me ajudar a lidar com o que virá depois que esta história acabar. Isso é racional, mas emocionalmente me sinto muito culpada.
                As vezes eu nem acredito que essa situação toda acontece. Quando eu decidi me mudar para cá foi uma decisão que veio junto com todas as consequências possíveis. Morar em outro país é muito dificil. Aprender como tudo funciona e ficar longe de todas as pessoas da sua vida é dificil. Mas realmente eu não esperava essa situação, ter meu pai com uma doença grave, sem cura, ele precisando de pessoas lá, e eu longe.
                A principio vou passar duas semanas no Brasil. Quero ficar o tempo todo com meu pai. Quero aproveitar qualitativamente esse tempo. Não sei o que vai ser depois. Tenho trabalho na segunda semana de janeiro, pessoas contando comigo. Mas me parece que meu pai piorou muito nas últimas semanas. A vida não é fácil.

terça-feira, 9 de julho de 2013

De volta nos EUA

Já faz um mês que voltei aos Estados Unidos. Desde minha última postagem algumas coisas aconteceram. Lidar com tudo sem ajuda foi impossível e comecei a fazer terapia. Foi muito bom, principalmente para eu entender que não podia parar minha vida para estar com meu pai. E que o processo da doença dele iria acontecer, eu estando lá ou não. Em terapia decidi voltar pros Estados Unidos, antes de completar seis meses de ausência. Sou legalmente uma residente, e ficar muito tempo fora não soa bem. Posso ter problemas com a imigração, o que afetaria drasticamente meu futuro.

Decidi voltar, mas decidi adiar o mestrado. Quando existe uma boa razão, eles permitem que você comece no próximo ano acadêmico. Conversei com o médico do meu pai, e conclui que seria a melhor saída. Não posso passar esse ano inteiro no Brasil, mas é bom eu saber que a qualquer momento posso voltar para ajudar meu pai, sem ter compromissos acadêmicos. E quero me dedicar 100% ao mestrado. Solicitei e me concederam o adiamento.

Não foi fácil sair do Brasil. Por mais que eu tenha me preparado, não posso fazer outras pessoas entenderem. Minha familia é inteira de uma cidade pequena, em que poucos tiveram a iniciativa de sair da cidade. A idéia de uma filha deixar o pai com uma doença grave é bem estranha, e sei que sou julgada. Mas venho aprendendo a não me incomodar muito com isso. Só a gente mesmo conhece nossos passos. Se ninguém nunca vai estar nos meus pés, ninguém nunca vai ter qualquer tipo de base para, nem mesmo, tentar me entender. Desde quando comecei este blog minha vida tomou um rumo tão único, que já passou a muito tempo do ponto em que alguém que morou a vida inteira na mesma cidade possa entender. 

Vim, com força e coragem. Nem chorei saindo de Cruzeiro. Nem chorei pegando o avião. Chorei só um pouquinho quando minhas amigas Luiza e Kátia foram se despedir de mim no aeroporto, e uma delas me disse que eu era uma boa filha. Chorei porque a realidade parece dizer o contrario. Apesar de tudo, eu me acho boa filha sim. E me sinto mal por não poder fazer mais. Queria sim poder ficar o tempo todo com meu pai, ajudá-lo, até quando ele precisasse. Mas infelizmente na vida a gente tem que tomar decisões maduras, que não são apenas baseadas no Querer. 

E ainda bem, a vida sempre nos surpreende. Vim pros Estados Unidos com a idéia de voltar para o Brasil, quando meu pai precisar. E eis que ele está muito bem! Talvez seja o intervalo da quimio (que deixa ele bem anêmico). Meu pai está bem mais animado que antes, resolve suas coisas, cozinha, faz compras. A perna e a barriga ainda estão inchando, mas ele está conseguindo se virar. Isso me deixou muito feliz, pois aconteceu bem quando todos nós precisavamos. Quando eu estava lá, eu fazia tudo! Eu quase não conseguia enxergar como seria possivel minha ausencia neste momento, mas eis que novamente descubro, ainda bem, não somos insubstituiveis. 

Mas claro, sr Freud, as coisas não são tão simples assim. Nas ultimas duas semanas venho tendo o mesmo tipo de sonho. Coisas acontecem, e alguém me avisa que minha mãe está morrendo. E eu sinto uma tristeza absurda! E no sonho, vou ve-la e a gente conversa. Em um sonho ela me disse que queria passar o dia das mães comigo. No sonho de hoje eu tinha que pegar um avião, mas estava adiando para estar com ela quando ela morresse. Acho que claramente tem tudo a ver com meu pai, e o fato de eu estar longe.

Para completar meu avô, pai do meu pai, não está bem. Já está sem noção das coisas, e fica mais na cama. Tentei ajudar um pouco quando estava lá, já que era a única neta na cidade. Mas agora não posso mais. Está sendo um momento muito dificil para a família. 

No começo de agosto meu marido se muda para NY, e vou mudar com ele. Vai ser meu endereço nos EUA até meu mestrado no próximo ano. Estou animada para estar em outras ares, explorar uma nova cidade. Mas ter duas realidades tão diferentes é pesado! Esse mês não está sendo fácil, porque é um mês de dupla transição. Passei seis meses no Brasil, e ainda estou me reacostumando aqui. De repente aquela realidade de doença e hospital não está no dia a dia, mas está mais forte dentro de mim. Não vai embora. É dificil não ver a morte como um tema recorrente. É muito dificil não me pegar pensando em como a vida é sensivel.  

Tentando não me preocupar demais com o futuro. Sei que tudo vai acontecer na hora certa para acontecer. E eu estarei no lugar certo também.
 



sexta-feira, 10 de maio de 2013

E ela arrumou algum jeito de me dizer que eu estou bem...


E depois da morte? Há um tempo eu não sei exatamente em que acredito. Minha única certeza é que eu não quero que exista  um fim. Depois de ver, de perto, o fim da vida de alguém tão próximo, é dificil colocar dentro da cabeça que não existe nada depois daquele último suspiro. É inconcebível acreditar que a vida, esse jogo de ar, pulsos, sorrisos, pulos, ansiedades, lágrimas, sonhos, planos, acabe quando o coração para. É confuso entender que toda a vida vai embora. É difícil pensar que o amor de mãe vá pra lugar nenhum.

Há quase duas semanas vivi uma situação um tanto quanto impressionante. Foi a segunda vez que tive uma clara percepção de que talvez existe mesmo algo pra lá, não sei onde, não sei como. Era uma segunda-feira. Na parte da manhã passei algum tempo no celular, facebook, notícias, sites variados. Esbarrei num site (http://thenicestplaceontheinter.net/) que tem um video que se propõe ser abraços virtuais. Com 10 segundos de video, parei de assistir, sem prestar atenção nenhuma na música de fundo. Depois disso fiz muitas outras coisas no meu celular.

No meio da tarde tomei banho, me arrumei, e ao olhar pro espelho, comecei a pensar no sonho que meu irmão tinha tido naquela noite. Ele sonhou que conversou claramente com nossa mãe, e ela contava como tinha sido ruim a experiência de morrer, e sobre como não lembrava de seus últimos dias. Comecei a pensar nela, e me deu uma tristeza. Aquele sentimento de como tudo seria mais fácil com ela aqui, como ela era um apoio em nossas vidas. E neste momento meu celular, que estava num criado-mudo começou a tocar uma música. Levei um susto! A primeira palavra que eu entendi foi graveyard, que quer dizer “cemitério”. Susto! O celular só tocou, não acendeu a tela. Prestei atenção na letra, e percebi então que meu celular estava “tocando” novamente o video que eu tinha assistido naquela manhã, mas sem mostrar o video, e sem qualquer intervenção minha. Prestei atenção na letra e comecei a chorar muito, de soluçar.

A parte que tocou diz assim:

“And when I grow to be a poppy in the graveyard 
I will send you all my love upon the breeze 
And if the breeze won’t blow your way, I will be the sun
And If the sun won’t shine your way, I will be the rain
And if the rain won’t wash away all your aches and pains
I will find some other way to tell you you’re okay.”

Tradução bem livre:

E quando eu virar uma flor no cemitério
Eu vou te mandar todo meu amor por meio da brisa
E se a brisa não abrir seu caminho, eu serei o sol
E se o sol não iluminar seu caminho, eu serei a chuva
E se a chuva não lavar todas as suas dores
Vou encontrar algum outra maneira de te dizer que você está ok.

Depois descobri que a música foi realmente escrita por uma mãe, e a primeira parte é sobre como ela vê seu filho e descobre que na verdade nunca tinha amado alguém como ama aquela nova pessoa que veio de dentro dela. “I have never loved someone”, da banda My Brightest Diamond.

            Linda, linda! Assim como minha mãe, que tinha o maior amor do mundo, tão forte que ainda chega até mim.



quarta-feira, 27 de março de 2013

Harvard

Quando eu fui para os Estados Unidos em julho de 2011, fui com muitas dúvidas. Eu e meu marido tomamos a decisão de última hora, depois de uma tentativa frustrada de morar em São Paulo. Eu queria continuar estudando, fazer mestrado. Ele não se adaptou à vida paulistana, de muito trânsito e barulho.

Meu plano inicial era tentar fazer mestrado no USP, já tinha proximidade com uma professora, já estava por dentro do processo de seleção. Mas no final eu decidi por um desafio diferente. E foi por isso que decidi ir para os Estados Unidos. Sem saber se seria possível, sem saber muito bem como fazer, peguei o avião falando para todo mundo que eu iria estudar. Mas eu fui bem sem noção de nada. Sabia que tinha um longo caminho, precisava de tempo para aprender inglês para as provas de seleção, para me regularizar no país e para organizar toda a papelada para minha candidatura para as universidades. Foi 1 ano e meio de MUITA ansiedade e incerteza.

Claro que eu queria muito estudar em uma universidade muito boa, que fosse igual ou melhor que a USP. Mas eu não sabia, de jeito nenhum, se seria possivel. Eu passei algumas semanas pesquisando os programas de mestrado que eu poderia me interessar e descobri a área de Educação Internacional Comparada. Eu tinha feito pesquisa durante a graduação em educação e psicologia, e seria muito legal ganhar essa perspectiva internacional, estando agora em outro país. Duas das universidades que oferecem este programa me chamaram muita atenção: Columbia e Harvard. Comecei a construir esse sonho dentro de mim, estudar em uma das duas. Era um sonho tão grande, e tão impossível, que eu não contei pra quase ninguém. Um dia, em agosto de 2011, no meio da madrugada, precisava compartilhar com alguém e mandei um e-mail pro meu irmão, com um link do programa de Harvard, dizendo que aquele era meu sonho secreto, seguido por risos.

Sonhava, mas meus primeiros meses nos EUA não foram fáceis. Culpa por deixar a família, medo de me arrepender do caminho que escolhi, de acabar não conseguindo estudar, o que seria meu único modo de mais tarde arrumar um bom emprego por lá. Eu arrumei um trabalho de meio periodo em uma padaria brasileira, o que foi muito bom para guardar dinheiro para os gastos que viriam com os documentos e inscrições para o mestrado. Mas eu não queria que aquele trabalho temporário se transformasse em algo permanente.

Assim que cheguei nos EUA,  me matriculei em uma aula de inglês numa Community College. Três vezes por semana eu ia nessa faculdade ter aulas de inglês com alunos americanos do primeiro ano de diversos cursos de graduação. No outro semestre me matriculei em uma aula de inglês como segunda língua (ESL) na Clark University, onde fiz aulas de cultura americana e inglês com alunos internacionais da faculdade. Também me liguei a uma instituição para trabalho voluntário, onde eu ia uma vez por semana brincar com crianças de família que moravam em abrigos. Preenchi meu tempo com o que eu achava poderia me levar onde eu queria.

No meio dos dois cursos, em janeiro de 2012, assinei um papel que era o selo da minha decisão de ficar nos EUA, me casei. Com isso dei entrada nos meus papéis de residência, o que me trouxe muitas angústias por meses, já que burocracia é sempre UÓ, e fiz tudo sozinha, sem pagar advogado. No final, olhando para tráz, posso dizer que foi um caminho rápido. O sistema de imigração americano, tão sobrecarregado, me surpreendeu. O green card chegou depois de 10 meses.

No começo de 2012 tracei um plano do que eu deveria fazer para ter todo o necessário até o final do ano, os prazos de inscrição das Gradschools, os departamentos das universidades onde se estuda mestrado e doutorado.

Estudei algumas meses especificamente para o TOEFL, a prova de proficiência em inglês. Em agosto fiz a prova e tirei 114, acima dos 100 pontos que as melhores universidades pedem. Depois estudei para o GRE, que seria meu grande desafio. GRE é a prova geral que todos os candidatos a mestrado e doutorado tem que fazer, que mede habilidade em inglês e área de exatas. Era meu grande desafio pois eu seria comparada com os alunos americanos, eu tinha uma natural desvantagem. Acabei parando no percentil 83. Não é uma pontuação estelar, mas era o suficiente para ter chances de ser aceita nas univerisdades que eu queria.

No meio de 2012 escolhi as universidades para as quais me candidataria: Harvard, Columbia, UPenn, Boston College, Tufts, Stanford e Universidade de New York. Era uma lista bem ambiciosa. Todas são universidades muito boas, que recebem muitas candidaturas. Mas achei que deveria mirar bem alto, é o que dizem que devemos fazer.

Solicitei meus históricos pra USP, mandei para um tradutor juramentado. Este material foi escaneado e enviado eletronicamente para algumas das universidades. Outras pediam em papel, que foram pelo correio. Outras duas ainda pediam que o material fosse enviado para uma instituição em NY que avalia o histórico transformando tudo para o sistema americano, notas e créditos. Tudo isso foi cansativo, e CARO. Meu irmão ocupadíssimo me ajudou muito, levando e buscando papéis da usp, do tradutor, correio, ufa!

Depois solicitei para três professores da minha graduação cartas de recomendação, que deveriam ser detalhadas sobre meu desempenho em suas aulas ou em pesquisa que fizemos juntos. Pedir favor não é comigo, e me da nervoso de atrapalhar as pessoas. Imagina ter que pedir que um professor universitário escreva uma carta, entre em SETE sistemas eletrônicos de universidades, responda SETE formulário e faça upload da carta. Pois é, mas tive que fazer, e os professores foram muito prestativos. Contei com a ajuda da minha amiga Kátia também, no acesso aos professores.

A última parte foi escrever meus Statements of Purpose. Para cada universidade, eu teria que escrever o que já fiz na área, o porquê eu queria estudar naquele programa naquela universidade. Escrevi, reescrevi, meu marido leu corrigindo erros de gramática. Eu não sabia ao certo como fazer, mas segui o que as universidades pediam.

Passei as primeiras semanas de dezembro nos sites das universidades, preenchendo formulários, pedidos de bolsa, carregando os documentos (histórico, currículo e statement of purpose), pagando as taxas, arrumando erro de envio do ETS (quem organiza as provas TOEFL e GRE). Quando vim para o Brasil eu tinha quase terminado tudo, ainda bem, porque ai começou as mil idas a hospitais com meu pai, e não teria muito tempo.

Eu planejei passar sete semanas no Brasil, voltar, trabalhar para guardar um dinheiro e em agosto começar o curso, onde quer que fosse. Mas ai adiei meu retorno, para não sei quando. No começo de março comecei a receber minhas aceitações e negações. Stanford não me aceitou. Mas todas as outras me aceitaram! Fiquei muito surpresa e feliz! Particularmente feliz por eu ter tentado, mesmo sem saber se seria possível. Dia 8 de março cheguei em casa a noite, depois de passar a tarde com o meu avô no hospital. Foi um dia dificil, cansativo, em que eu estava particularmente triste. Vi no celular que recebi um e-mail de Harvard, dizendo que a decisão da minha candidatura estava online. Meu pai estava assistindo TV e me contando alguma coisa. Abri o computador muito rapidamente, ele nem sabia o que estava acontecendo, meu coração estava na boca. Assim que coloquei minha senha, uma página abriu e começava assim: Congratulations! Comecei a chorar, na frente do meu pai. Era a realização de um grande sonho, em meio a coisas tão dificeis.

Já pensei VÁRIAS VEZES em como eu estaria tão feliz se nada disso estivesse acontecendo com meu pai. Mas claro, nada é perfeito. Baseada em minha vida nos últimos anos, acredito que existe um certo tipo de balanço na vida. A vida tira, a vida dá. Sabe aquela história que quando tudo está muito bem você pode se preparar que algo ruim está a caminho? O contrário também vale. Vindo para o Brasil eu tinha quase absoluta certeza que eu iria conseguir em uma universidade muito boa, uma vez que as coisas andavam bem ruins. A vida iria me recompensar.

Mas agora me vejo numa situação muito dificil. Preciso ir embora antes de agosto, para o curso. Até existe a possibilidade de eu pedir para adiar um ano o começo do curso, mas de qualquer jeito não posso ficar muito tempo longe dos EUA por conta do Green Card. Mas não me vejo deixando meu pai aqui. Pensar nisso tudo tem sido motivo de grande angústia. Odeio isso, mas ficar martelando tudo no cabeça o tempo todo é inevitável.

Sou grata a vida por me dar um presente tão bom, que é uma super dose de esperança na vida. Mas as vezes me pego brigando demais com ela, por ter colocando meus planos em suspenso. Quero muito que toda essa situação fique mais clara nas próximas semanas, e eu possa tomar uma decisão. Muitas coisas em jogo.

Escrevi tanto, tanto. Precisava organizar aqui dentro.

terça-feira, 12 de março de 2013

Meu pai está com câncer, estágio IV

Quando eu conto, as pessoas dizem: "Mas de novo?". Também me perguntei isso por algum tempo, hoje já passou. Estou vivendo cada dia, um por vez.

Apareceram nódulos no fígado do meu pai em um ultrassom do começo de 2012. Fiquei com muito medo. Eu estava nos Estados Unidos, e estando longe o medo fica mais assustador. Quando ele levou os exames para um gastro de Cruzeiro, foi um alívio. O médico disse que não era nada preocupante. Alguns meses depois, meu pai voltou no médico, reclamando de um certo mal estar abdominal. Novamente o médico disse que não era nada preocupante, mesmo tendo agora o resultado de uma tomografia. Então meu pai decidiu ver um médico de outra cidade, e dessa vez ele se assustou. Já era novembro de 2012. O médico pediu então uma ressonância.

No começo de dezembro comecei a ouvir de algumas pessoas que meu pai estava mais magro. Faltavam 5 dias para eu chegar ao Brasil para passar natal e etc quando meu pai pegou o resultado da ressonância, e eu já sabia. Magreza sem explicação, os nódulos tinham crescido de um exame para outro. Neoplasia. Inflitração. Lesão secundária. Minha maior sensação foi de repeteco, as mesmas palavras de 4 anos atrás martelando. Minha única tranquilidade era saber que eu estava vindo para o Brasil.

Meu primeiro mês no Brasil foi bem ruim. Fiquei muito sozinha em casa, sem vontade de ver ninguém, querendo fugir do assunto. Eu tinha esperado TANTO minha vinda, queria matar a saudade de tanta gente, aproveitar ao máximo. Mas nossos planos seguem seus próprios caminhos. Meu pai não queria contar para ninguém, e eu não queria ver ninguém.

Passamos vários dias de janeiro em SP fazendo exames, muitos e muitos. Até hoje não se concluiu exatamente onde começou o câncer, possivelmente em algum lugar entre o pâncreas e a vesícula. Tem metástases no figado e uma pequena lesão pulmonar. O médico disse que a quimioterapia pode controlar a doença, mas não curar. Ele está bem magro, com acúmulo de líquido no abdomen.

As quimios estão sendo feitas numa cidade mais próxima de Cruzeiro, já se foram 2 sessões. Ainda não sabemos se elas fizeram algum efeito.

Tento preencher meus dias o máximo possível. Limpo, cozinho, dou aulas de inglês, lavo roupa, resolvo coisas pro meu pai. Não posso parar para pensar que entro num estado de estresse insuportável. Acho que resolveu, tanto que não choro, de jeito nenhum, estranhamente.

Um dia eu cai. Na primeira quimio, sai da sala para comprar um lanchinho. Quando fechei a porta de vidro, parei 5 segundos para olhar meu pai, magrinho, rindo com as enfermeiras, sentado na cadeira branca recebendo os medicamentos e me deu uma terrivel sensação de deja vu. Uma cena que eu nao esperava fosse voltar para minha vida, jamais. E tantas coisas parecidas com a história da minha mãe em 2008, o liquido no abdomen, a falta de cirurgia, os olhares dos médicos, a quimio paliativa.

Não acho que seja por acaso, a vida acha que eu ainda não aprendi.

Agora estou por tempo indeterminado no Brasil. Estou tendo a chance de passar mais tempo com minha família e ajudar meu pai. Por outro lado, eu sai completamente do meu planejamento de preparação para começar o mestrado nos EUA no segundo semestre e larguei meu marido lá.

E então semana passada uma coisa muito boa aconteceu para minha vida, um sonho muito grande se realizou. Mas escrevo sobre isso outro dia. A vida tira, a vida dá...

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Nota em 2018: Muita gente chega neste blog por esta postagem. Agradeço às pessoas que deixam mensagens! Vejo que minha história é tão parecida com a de muita gente, com amigos, pais, irmãos com câncer. É uma batalha, cheia de dor, ansiedade, esperança. Força pra vocês! Na minha história perdi meu pai e minha mãe para esta doença, e hoje alguns anos depois, cheia de saudade, e dias doloridos, ainda tenho também vários dias felizes, de realizações e vitórias. A vida nos ensina a sermos fortes, em meio a dias de fraqueza. Seja paciente com sua dor. Desejo força, sempre! 

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Agora pode ser lindo, mesmo com todo o cinza



                Sonhei que estava em uma excursão, num lugar montanhoso. Era uma mistura da Capadócia (claro, veio da novela Salve Jorge haha) com o Grand Canyon (o livro que eu estou lendo fez alguma referência às montanhas americanas).

                O lugar era lindo, mas eu estava cansada. Queria ir embora. Não me lembro exatamente qual grupo estava comigo, mas tenho a sensação de que eram pessoas conhecidas. E fiquei muito irritada quando alguém disse que ainda faltava um último lugar para visitarmos. Talvez durante o dia de hoje eu me lembre do nome desse lugar, porque no sonho o nome era repetido, toda hora, todo tempo. Era um nome meio grego. Era um nome muito parecido com a palavra AGORA. Talvez não fosse exatamente isso, mas o fato de eu me lembrar desta exata palavra, quer dizer alguma coisa.

                Entramos numa caverna, um lugar feito de mármore. Passamos por uma passagem muito estreita, alguns degraus cortados geometricamente, e chegamos num lugar que não consigo descrever, mas vou tentar. Um lugar aberto, todo meio cinza. Acho que tinha um lago. Mas a parte linda da paisagem era o céu. Não era azul, não era claro. Era preto, cinza e branco. E do céu vinham feixes de luz e uma música, e as nuvens passavam muito rápido com o vento. Escutei alguém dizer que a lua estava linda, mas eu não vi a lua. A sensação que eu tive ao olhar para o céu foi indescritível. E eu comecei a chorar. E escutei outras pessoas chorando. E abracei pessoas ali que eu não me lembro quem eram. Eu só pensava em como aquele era o lugar mais bonito do mundo, e em como qualquer um que chegasse ali acharia lindo e choraria de emoção.

                Sai do lugar, não me lembro pra onde fui. Mais coisas aconteceram, não me lembro.

                Mas ao escrever aqui, e depois de pensar um pouco, consigo ver muito significado neste sonho. Nas ultimas semana tenho estado chateada demais com minha estadia no Brasil. Eu planejei por muito tempo, que viria pra cá, passaria algum tempo em Cruzeiro, algum tempo em São Paulo. Veria amigos, familia, passearia com meu pai e irmão. Já tinha feito um pacto comigo de aproveitar cada segundo para ver pessoas. Mas as coisas acontecem fora do nosso controle.

                Meu pai está doente, fiquei sabendo uma semana antes de eu vir. Não vou embora no dia 7 de fevereiro, como planejado. Não sei quando vou embora. Estamos indo em hospitais, fazendo exames. Ainda não sei o que vai acontecer, mas a melhor opção seria um tratamento demorado e sofrido. A outra opção seria uma repetição do que aconteceu com minha mãe. Uma situação incerta. Muitas angústias. E minha sensação é de que a situação não é nada boa.

                Por conta dessa situação, essa incerteza, a mudança de planos total do que eu faria aqui e do que eu faria neste semestre nos Estados Unidos, uma adaptação as coisas daqui, as últimas semanas não foram fáceis. Não consegui ver ninguém. Minha vontade de conversar estava zero. Passei muitos dia em casa, martelando minha vida, sozinha. Meu interesse em outras pessoas foi embora, estava muito afundada em mim mesma.  

                Mas no último final de semana as coisas começaram a mudar. Não sei porque, mas comecei a ser mais positiva. Passei mais tempo com família, já marquei de ver amigos. E ai vem esse sonho.

                Acho que o sonho é sobre aproveitar AGORA. Sobre como existem coisas bonitas, mesmo neste momento tão estranho. Como aproveitar aqui, Cruzeiro, minha casa, meu pai, é o que eu devo fazer. Preocupar-se demais com o futuro e o que ele vai trazer nos impossibilita de ver o que há de bom agora, mesmo que não seja muita coisa. Existem coisas belas mesmo nas nuvens cinzas. Até acho que existe muita poesia no medo da morte, na sensação tão gritante de finitude de tudo que me rodeia, que fica me assombrando todo dia.    
                A vida é curta mesmo. Eu já devia ter aprendido a dar valor ao que tenho hoje, e nada mais. AGORA pode ser lindo, mesmo com todo o cinza.