domingo, 5 de junho de 2022
Trinta e Seis
segunda-feira, 4 de abril de 2022
A Vida da Minha Mãe
Faz dias que estou presa neste dia: 4 de abril de 2022. Hoje minha mãe faria 60 anos.
60. Idade que meu pai morreu. Idade tão longe dos 46, em que ela parou de contar. Meu primos que eram bebês quando ela morreu já são adolescentes. O tempo! Seus 46 anos, não tão longe dos meus 35 anos. Quão preenchidos são seus anos? O que poderia ter acontecido se ela estivesse aqui? Sou dessas de pensar muito em números, dos ciclos, do que se repete, de tudo que a gente vive enquanto a Terra segue dando suas voltas no Sol.
Há 60 anos minha mãe nasceu, na roça, sul de Minas Gerais, numa família gigante, dessas que tinham filhos em escadinha. Ela era a terceira, a filha mulher mais velha. A mãe, dona Benedita, teve 7 filhos, e só não teve mais porque morreu cedo, aos 30 e pouquinhos. Dona Benedita tinha uma doença psiquiátrica, acho que os médicos da época não souberam identificar. Nunca entendi ao certo do que morreu. Foi uma tragédia: uma mãe deixou 7 filhos desamparados, o mais novo ainda bebê. Minha mãe tinha uns 7 anos, e ganhou responsabilidades. Subia em tijolo pra cozinhar no fogo de lenha. Nenhum dos irmãos tiveram uma vida fácil. Foram cada um pra um lado, para serem cuidados por tias e avós.
Minha mãe estudou só até a quarta série. Pré-adolescente, foi morar com uma senhora, que dava casa, mas também dava serviço. Ela limpava, cozinhava. Quanta resiliência! Crianças e jovens crescendo, sem muita proteção, sem lugar seguro, sem direito de sonhar com nada, sem uma casa estável, precisando trabalhar.
Minha mãe morou com essa senhora até os 17 anos, quando começou a namorar meu pai, e a senhora achava muita responsabilidade cuidar de "moça nessa idade de namoro". Minha mãe foi então morar com a avó, que já cuidava de outros irmãos mais novos. Ela nunca se sentiu muito incluída, ou cuidada. Nessa época um tio e o avô foram as pessoas que mais a acolheram.
Minha mãe só teve uma casa quando se casou, com quase 23 anos.
Aos 46 anos minha mãe teve um câncer, descoberto tão no final da vida. Uma semana antes de morrer, na última noite que não dormiu no hospital, deitei numa cama de solteiro com ela, e por horas e horas ela me recontou essa história. Sua história. Que tantas vezes antes ela tinha me contado. Que eu, criança com casa, com quintal, com escola, com pai e mãe dedicados, sempre achei tão triste.
Dessa vez, sentindo a gravidade da doença, e o corpo dando sinais de que a vida estava por um fio, ela recontou a história, com uma conclusão tão triste mas tão ao mesmo tempo feliz: ela concluiu que só começou a ser feliz aos 23 anos, quando se casou com meu pai. Quando enfim teve sua casa, suas coisas, sua família. Perfeito não foi, claro. Mas fomos uma família feliz!
Naquela semana, depois de ser feliz por muitos anos, minha mãe foi embora. E naquela semana, eu com meus quase 22 anos, comecei a fase da minha vida com mais dias tristes. Venho pensando muito na vida da minha mãe, como ela cresceu, como ela viveu, sua rotina, o que a fazia feliz. Uma vida tão diferente da que levo hoje. Penso muito também nos seus traumas, alguns que eu ainda carrego por ela. Penso na minha obrigação de ser feliz por todos os dias desses 60 anos em que minha mãe não pode ser feliz.
Hoje agradeço por sua vida, por minha vida, por ter te feito feliz quando pude. Saudades até o fim dos meus dias!
sexta-feira, 27 de março de 2020
Lírios do Campo
Coragem!
"Vos inquieteis"!
Vejam os lírios dos campos.
domingo, 26 de janeiro de 2020
Viagem no Tempo
quarta-feira, 15 de janeiro de 2020
A flock of birds
Hovering above
Just a flock of birds
That's how you think of love
Look up to the sky
Pray before the dawn
'Cause they fly always
Sometimes they arrive
Sometimes they are gone
They fly on
Hovering above
Into smoke I'm turned
And rise following them up
Look up to the sky
Pray before the dawn
'Cause they fly away
One minute they arrive,
Next you know they're gone
They fly on
Fly on
Ride through
Maybe one day I'll fly next to you
Ride through
Maybe one day I come fly with you
Fly on
Fly on
Fly on
terça-feira, 31 de dezembro de 2019
Aquele dia ja chegou
Esperando esse dia que nunca vai chegar, porque a gente sempre inventa coisas novas para esperar, e a gente só corre e corre, e a linha de chegada se afasta mais e mais. Até que um dia, sem que voce espere, acaba. Essa corrida só acaba quando tudo acaba mesmo. Acaba no dia que voce for embora.
Então antes disso, por favor, abandone essa corrida, pegue o trem, sente e aprecia o que vier até você. Os dias azuis e os nem tanto. Aprenda com todos, veja boniteza em todos. Veja o que voce tem hoje, e pare de correr. Acredite, voce não quer chegar mais rápido. Você precisa querer que tudo pare no tempo, e que todos os dias andem assim, bem devagar, em camera lenta. Ande mais devagar. O único dia que vale é hoje. E a única corrida que vale é ser um pouco melhor do que você foi ontem.
sábado, 14 de dezembro de 2019
Por que eu não paro de escrever sobre vocês
Hoje lavando a louça lembrei de uma cena que aconteceu algumas vezes na minha adolescência. Minha mãe gostava muito de bebês, e surgiu algum assunto relacionado a bebês, e de ela um dia ser avó. E ela disse algo assim: “Ai será que Deus vai me permitir essa benção?”. E eu sinceramente achava que aquela incerteza não fazia sentido nenhum. “Por que ela não seria avó?” Naquela época eu vivia num mundo em que não passava na minha cabeça a ideia de eu não ser mãe. E hoje eu aqui lavando a louça, na altura dos meus 33 anos, sem certeza se quero ou não ser mãe, chorei pensando em como independente do que acontecer na minha vida, Deus não permitiu. Chorei. Pensei em como tantas outras coisas não foram permitidas, e como minha mãe tinha mais noção da vida, e sabia que nada era dado.
Meu luto elaborado está aqui, faz parte de mim. Por muito tempo, ainda dentro do processo, vivi meio que sem entender como. Como consigo viver com essa ausência? Mas depois esse luto se tornou parte de mim. E hoje vejo tudo como um filme muito triste, que faz a gente chorar, e depois passa. Só que ao invés de um filme, são memórias. Que podem vir de uma hora pra outra. Eu me permito sentir isso. Me permito chorar. Me permito contar sobre minha mãe e meu pai sempre que há oportunidade, mesmo que tantas pessoas não estejam prontas pra falar de memórias. Ou talvez ainda seja avassalador pra elas, porque elas ainda não sabem que a gente sobrevive a esse tamanho de falta. Quando extravaza, eu venho aqui, e escrevo.
Pode passar o tempo que for. Mesmo com esse luto elaborado, eu continuo repetindo seus nomes, continuo escrevendo sobre minha mãe e meu pai, e sobre essa dor, que embora se chame dor, não seja feia nem aterrorizante, como um dia já foi. É uma dor bonita, que vem de coisas tão bonitas que existiram, que me fizeram eu, que deixaram tantas palavras, fotos, gostos, profundas marcas no meu inconsciente. E ao transformar essas pessoas em memória, essa dor deixou tanta coisa pra trás, coisas que nunca aconteceram, tudo vai para uma outra dimensão que invento, crio historias, possibilidades. Imagino.
Continuo sonhando com eles, continuando imaginando como seria ter 30 anos com pai e mãe. Como seria ter minha mãe para conversar comigo, ou meu pai pra me fazer rir de bobeira. Como seria discordar sendo tão adulta. Como seria mostrar o mundo pra eles, poder devolver o que eles me deram. Como seria meu pai caduquinho, minha mãe com rugas. Penso muito nas impossibilidades, de tudo que não foi permitido.
Eu continuo repetindo seus nomes, porque eu não existo sem vocês. Não fisicamente, mas em memória, vocês, fundadores, doadores da vida. Por isso que falo, escrevo, até o dia que eu for. Porque ao falar de vocês, vocês existem, e eu existo.
Eu sei o que vocês pensariam sobre tudo. Eu sei como vocês seriam em 2019. Mas vocês não foram. Em 2019 vocês são memórias. E eu sou uma pessoa inteira, metade pessoa, metade memória. E eu sempre vou falar de vocês.
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Escrevi uma parte desse texto depois de ouvir a um episodio chamado Irmãos, no podcast Mamilos, que foi a coisa mais linda. Num momento uma pessoa contou a historia de um rapaz que tinha perdido a irmã. E o psicólogo Alexandre Coimbra falou tao bonito sobre a morte. Transcrevo abaixo:
"Diante de uma perda desse tamanho, eu quero te dizer algumas coisas. Em primeiro lugar, que a morte é essa senhora, arteira, que lambe assim, de uma hora pra outra, os sonhos, e leva tudo. E a gente fica inerte mesmo. A gente cai num buraco, e eu quero te convidar para estar sem tempo certo pra encostar suas costas nesse buraco. Você vai perceber que ele é um útero, porque quando a gente é visitado pela morte a gente é redesenhado completamente. A morte é uma caneta que redesenha o contorno da nossa vida. E ali, na hora que você estiver com suas costas apoiadas neste vazio, que você tenha sempre oportunidade de falar da Mari, de visitar a Mari. Elaborar o luto não é esquecer, não é fazer com que a pessoa deixe de ser importante. Elaborar o luto é sempre dizer olá novamente, é sempre ter o direito dessa pessoa estar revistada na suas palavras, na suas falas, nas suas histórias, nas fotos, nos filmes, nas cenas divertidas, na lagrima, na gargalhada, no silencio. Essa importância que ela teve é um presente, que você recebeu, da possiblidade de você ter tido ate aqui uma convivência tão intensa e tão frutífera como irmã. Que a partir de agora ela possa continuar existindo e que o mundo sempre possa te ofertar pessoas que estejam dispostas a escutar suas historias com ela. Porque uma das maiores tragédias que pode acontecer com uma pessoa enlutada é ela ter que matar essa pessoa de novo ao não ter interlocutores com quem conversar sobre as historias dessa pessoa que foi. Então muito obrigado por trazer uma historia tão linda, que nos deixou todos emocionados. E lembra a gente que o tamanho da saudade é o tamanho da importância."
quarta-feira, 7 de agosto de 2019
Oceano
A que eu era, a que eu sou.
Duas.
Era uma menina gigante numa casa pequena.
Com paredes, com para sempres.
Bastava.
Agora uma mulher pequenininha num mundo todo.
Preciso de mapa, tradução.
Me perco.
A pior dor do mundo não é física.
Mas passa, assim como quase tudo.
O que fica?
O que aprendi:
Que sou pequena, num mundo de finitudes.
Onde as almas vão e vem.
Passam pelo rio, e deságuam no mar.
Todos nós, nos achando rio, quando somos oceano!
Eu gigante sabia menos que eu pequenininha.
Eu gigante achava que você me pertencia.
Mas sua ida foi daquelas que partem a vida em duas.
A que você era casa, e a que você é o mundo todo.
A montanha verdinha lá no vale.
A música do Freddie, do Ivan,
e aquela sobre a imensidão do universo em nós.
O gosto de salada de fruta e de coxinha.
Um jardim no Japão.
Uma cachoeira na Suíça.
O raio do sol que passa pelos galhos.
Meu insconsciente tão bagunçado.
Nossa vontade de ser orgulho.
Um olhar no espelho por meio segundo.
As risadas das minhas tias,
e os olhos grandes das crianças.
O pinhão que dá lá na sua serra.
O passarinho que cantou a manhã inteira,
porque é o primeiro dia da primavera
E a maioria dos dias ainda são felizes.
Você foi só deságuar.
(A ida dela foi há 11 anos, num 12 de agosto)
quarta-feira, 12 de junho de 2019
O último dos ascendentes
Desta árvore, quando eu nasci, apenas faltava Benedita. A vó Ditinha, que não conheci, cuja morte mudou a vida da minha mãe e seus irmãos. Era dela o luto que eu conhecia, que minha mãe tinha, de sentir falta do que ela nem sabia como era, de ter uma mãe. Meu vô Antonio, desde que me lembro, chorava e sonhava com a Ditinha, mesmo tendo casado de novo. Para mim a vó Ditinha sempre ocupou o papel de uma quase santa, que foi-se tão cedo, cuja ausência doia tanto nos filhos e marido, mesmo décadas e décadas depois.
Hoje destes ramos e galhinhos todos, só existe eu e meu irmāo. Nosso último ascendente, o vô Antonio, foi embora dias atrás. Foi la encontrar a Ditinha e sua filha, minha mãe. Foi, depois de criar os filhos com dificuldade, mas com sucesso. Foi amado, cuidado. Não teve estudo, mas contava um causo como ninguém. Tinha a risada mais alta e gostosa do mundo. A última vez que o vi, já debilitado, comentou que tinha visto minhas fotos, perguntou da minha vida, mostrava amor de uma maneira que é tão própria na familia. Missāo cumprida nesta vida!
Ocupando meu lugar no mundo
Hoje antes do trabalho fui por 30 minutos num café da manhã para ex-alunos da escola onde fiz mestrado. Entrei na sala um pouco atrasada, e todo mundo estava já em conversas informais em grupinhos. Vi uma mesa com apenas duas pessoas, e cheguei falando oi, tentando entrar na conversa. Se você já tenha me visto pelo menos uma vez na vida talvez desconfie que eu não gosto muito de situações assim, de ter que conversar com desconhecidos. É uma das atividades mais fora da minha zona de conforto, e eu sempre achei que era por eu ser tímida. Olha, eu sou tímida sim. Mas com o passar da vida, o que eu não sabia com 20, mas já sabia com 30, é que existe tantas formas de ser gente, tantas formas de ser "normal". E muitas vezes crescendo, se descobrindo, a gente se prende numa gaiolinha tentando se encaixar num perfil, seja lá de que, de personalidade, de carreira, de beleza, de ações, de crenças. A gente se liberta quando aceita que não precisa ser nada além de ser a gente mesmo.