Hoje antes do trabalho fui por 30 minutos num café da manhã para ex-alunos da escola onde fiz mestrado. Entrei na sala um pouco atrasada, e todo mundo estava já em conversas informais em grupinhos. Vi uma mesa com apenas duas pessoas, e cheguei falando oi, tentando entrar na conversa. Se você já tenha me visto pelo menos uma vez na vida talvez desconfie que eu não gosto muito de situações assim, de ter que conversar com desconhecidos. É uma das atividades mais fora da minha zona de conforto, e eu sempre achei que era por eu ser tímida. Olha, eu sou tímida sim. Mas com o passar da vida, o que eu não sabia com 20, mas já sabia com 30, é que existe tantas formas de ser gente, tantas formas de ser "normal". E muitas vezes crescendo, se descobrindo, a gente se prende numa gaiolinha tentando se encaixar num perfil, seja lá de que, de personalidade, de carreira, de beleza, de ações, de crenças. A gente se liberta quando aceita que não precisa ser nada além de ser a gente mesmo.
E esse ser “a gente mesmo” é fluido, irregular, mutante,
aprendiz. E apenas depois de saber quem eu sou, de aceitar erros, qualidades,
tipos, que a gente se possibilita aprender, melhorar, sair da zona de conforto
com segurança. A gente se liberta quando chama as coisas pelo nome.
E aprendi depois de adulta que gostar de ficar sozinha, não
gostar de conversas superficiais, se sentir exausta depois de um dia simples,
ser afetada fortemente por pessoas e ambientes, preferir ter ideias pensando
dentro da cabeça que falando, ter poucos grandes amigos, amar o silêncio, tudo
isso é o que eu sou: introvertida e altamente sensível. É apenas um modo de
viver no mundo, que me faz perceber detalhes que algumas pessoas não percebem,
que podem tanto me ajudar no trabalho quanto me sobrecarregar de manheira
sufocável. Existe um mundo gigante e barulhento dentro da minha cabeça, e todo
dia preciso processar esse barulho, sozinha, de maneiras variadas, quase todas
em silêncio: caminhando, escrevendo, pensando.
No café, na mesa de duas pessoas, ouvi um pouco sobre a
senhora que trabalha há 10 anos na faculdade de direito, e que ama o que faz,
embora se sinta as vezes insegura por ser a única pessoa no departamento sem um
diploma em direito. Ouvi do senhor, professor na faculdade de educação, que ele
ensina cursos sobre diversidade para futuros diretores de escolas. Senti uma
certa abertura para ser eu mesma, do jeito que eu sou, uma pessoa que não gosta
de conversas superficiais. Contei que uma senhora no meu trabalho esta lá ha 33
anos, e que eu sempre brinco que minha mãe estava grávida de mim quando ela
começou a trabalhar lá. Contei que, a propósito, hoje faço 33 anos, e ficar
mais velha é tão bom, "é o objetivo ne"? Contei sobre como gosto do
meu trabalho porque sinto que estou aprendendo coisas novas o tempo todo, e
como isso era sempre o mais importante. Contei como gosto com o passar dos anos
de pensar em o que eu não sabia há 5 anos, e das inseguranças que eu tinha há 5
anos, e como gosto de pensar em quais inseguranças e faltas de hoje vão ter
passado em 5 anos. Falei tanto em 10 minutos. O professor contou que sua filha
tem minha idade, e fez vários paralelos entra ela e eu.
Eu fui embora rápido, até porque comecei a me preocupar de
estar sendo “estranha”. Existe este espelho fosco que tento quebrar: como
perceber o outro sem ser apenas um reflexo distorcido do que percebi? Achei que
me acharam x. Quem disse? E se acharam? A gente se liberta quando diferencia o
que é meu, o que é do outro, e o que não pertence nem a um nem ao outro.
Meu dia começou tão bom que depois de ter conversas
profundas com estranhos, emanando o que eu sou sem medo do outro, recebi um
email da mulher com quem conversei, me agradecendo pela conversa. Ela me
libertou. Ela me mostrou que ao escolher ser quem eu sou para o mundo, eu posso
ser, sem medo. A gente se liberta quando percebe nossa energia indo para o
mundo, e não apenas absorvendo o que vem até a gente.
Todo dia eu quero escolher ser eu, com espaço para
aprender, melhorar, mudar, mas nunca com medo de ser. A gente se liberta quando
ocupa nosso espaço no mundo. E hoje neste mundo eu sou Aline, 33 anos,
imigrante, cidadã do mundo, com olheiras deste os 13, que recuso convites, que me isolo para
me recarregar sem vergonha, filha de pais-memórias, que gosta de trabalhar,
gosta de aprender coisas aleatórias, não sabe cozinhar, não sabe escolher
presentes, se distancia das pessoas, vive muito dentro da própria cabeça, tem vicio em celular e carboidratos. Mas amanhä não
sei o que serei, só sei que serei melhor que hoje.
"THE CURIOUS PARADOX IS THAT WHEN I ACCEPT MYSELF JUST
AS I AM, THEN I CHANGE." ~~CARL ROGERS
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