domingo, 8 de junho de 2014

"...experimentar inteiramente o que quer que encontremos"

Recebi esse texto por e-mail de uma pessoa muito querida. Por sinal é de uma autora budista de quem sempre encontro texto sobre como lidar com a vida quando as coisas não vão bem. 

“Em relação ao nível interior de obstáculos, talvez nada realmente nos ataque exceto nossa própria confusão. Talvez não exista um obstáculo sólido exceto nossa própria necessidade de nos proteger de sermos tocados. Talvez o único inimigo seja que nós não gostamos do jeito que a realidade é agora e então desejar que ela vá embora rápido. Mas o que nós descobrimos como praticantes é que nada jamais vai embora até que tenha nos ensinado o que precisamos saber. Mesmo se corrermos a mil quilômetros por hora até o outro lado do continente, encontraremos o mesmo problema lá nos esperando quando chegarmos. Ele fica retornando com novos nomes, novas formas e novas manifestações até que aprendamos o que ele tem pra nos ensinar: Onde estamos separados da realidade? Como estamos nos retraindo ao invés de nos abrindo? Como estamos nos fechando ao invés de nos permitir experimentar inteiramente o que quer que encontremos?”
~ Pema Chödron, em “Comfortable With Uncertainty: 108 Teachings on Cultivating Fearlessness and Compassion” (2003)

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Sobre os lutos

Esses dias li um texto sobre como superar a tristeza (http://tinybuddha.com/blog/7-steps-to-move-through-sadness-and-what-we-can-learn-from-it/) que falava que o luto é um processo físico que ocorre em nosso cérebro depois de uma grande mudança. A energia necessária para reconstruir uma outra imagem da nossa vida faz a gente ficar em um estado de choque, de tristeza, de letargia. Tentar pular os sentimentos ruins do luto pode trazer sofrimento la na frente, pode fazer com que a reconstrução dentro de você não seja completa.

Cada pessoa reage às mudanças e perdas da vida de um jeito. E ainda além, a mesma pessoa reage de forma diferente em cada momento da vida.

Meus lutos foram/são bem diferentes. Venho no processo de luto pela morte do meu pai desde 2012. Quando eu soube da doença já sabia que era terminal, já comecei a me preparar.  Foi muito diferente do choque que senti quando descobrimos o câncer da minha mãe. Era uma daquelas historias que a gente ouve por ai, que acontece com os outros, que acontece nos filmes que faz a gente chorar sem parar. Como assim era real? E em choque continuamos por quase três meses, em que quase nos enganamos, acreditando que do mesmo modo que o pesadelo podia acontecer na vida real, o milagre também podia. Mas ai aprendi que milagres são bem mais raros.

O luto da morte da minha mãe foi muito dificil. Meu cérebro (assim como do meu pai, e do meu irmao) teve muita dificuldade em criar uma nova imagem pra vida. Por muito tempo eu não conseguia dormir no silêncio. Fiquei muito mais preguiçosa, menos animada.

Meu pai vinha ficando doente desde então. Todo mês ia em medico, cada vez era uma coisa diferente. Ele ja vinha apresentando sintomas da doenca por meses (e por erro medico nao foi diagnosticado antes!). Quando apareceu no exame que era uma neoplasia maligna secundaria eu chorei muito, mas foi quase como uma tragedia anunciada. Os sinais estavam la. O luto pela minha mae ainda estava la tambem. Foi como se a vida me jogasse bem pra baixo, depois levantasse um pouquinho, e então jogasse pra baixo de novo. O tombo foi menor.

Meu pai ficou doente mais tempo. Tempo suficiente para a morte dele ficar menos escancarada na nossa frente. Tempo para mais arrependimentos. Me arrependo de não ter insistido em conversar com ele sobre a morte, nas vezes em que ele desconversou.  O fato de eu estar morando em outro país trouxe tambem muitos outros fatores. Muitas decisoes, muitas incertezas. Tive ate tempo de brigar com meu pai, de ter aqueles sentimentos contraditorios super normais de cuidadores. O luto da morte do meu pai tem muito mais remorso que o da minha mae. Quando minha mae morreu eu realmente nao senti nenhum remorso, nao tinha nada que podia ser feito que nao fizemos. Nada na nossa relacao me fazia ter sentimentos ambiguos ao lidar com sua ausencia. Mas deixei sim de fazer muitas coisas pro meu pai. E isso nao quer dizer que eu faria coisas diferentes. A verdade é que a gente so pode fazer o possivel ne?

Eu passei o natal e o ano novo com meu pai, mas na primeira semana de janeiro peguei o aviao de volta pra NY. Dois dias antes nós discutimos! Recebemos a visita de um casal amigo da familia, e meu pai comecou a reclamar que eu teria que ir embora. Eu perdi o controle, e falei muitas coisas. Fiquei brava mesmo! Eu ficava chateada que ele nao entendia que eu nao podia simplesmente ficar la em Cruzeiro com ele. Ele queria que eu ficasse pra aproveitar com ele enquanto ele ainda estava bem. E eu deixei bem claro que ele ainda ia precisar mais de mim, quando ficasse pior. Eu e ele estávamos errados. O momento que ele precisou de mim era aquele, e ele nao teve mais forças para aproveitar nada. Na mesma semana ele teve uma internação, a primeira de três.

Quando eu voltei para o Brasil, na ultima semana de Janeiro, no meio da segunda internação, ele estava na UTI. No mesmo dia saiu. Ele teve alguns dias de muita energia e risadas, antes da ultima internação. Sou muito grata a ele por ter falado com todas as letras para mim e meu irmao que a gente nunca se sentisse culpado por não ter ficado mais com ele, que ele entendia os nossos motivos, e que estava feliz de ter a gente ali com ele, naquele momento. Os olhinhos dele, quando viu eu e o Tiago na UTI, nunca vamos esquecer! Sou muita agradecida a vida também, de ter permitido que eu ficasse com ele em suas ultimas semanas. Tudo isso diminuiu um pouco o remorso das minhas ausências.

No luto que comecei em 2008 eu tinha muitas pessoas comigo! Minhas amigas em SP, na faculdade e em casa, me ouviam muito! Eu tinha uma rede de pessoas que estavam sempre prontas e me ouvir. Desta vez meu luto esta bem mais meu. Estou longe, as poucas vezes que falo sobre isso é com meu irmão, que compartilha dessas dores comigo. Acho que aqui nos EUA existe mais uma cultura de esconder a dor, com a qual não concordo.

Ando até com medo de estar disfarçando muito minha dor, pra ninguém achar que estou depressiva (tristeza no luto é normal!). Tenho medo de reprimir angustias, e deixa-las maiores! Ultimamente eu ando tendo crises de tristeza. São meio estranhas. Num dia comum, em que pareço bem, de repente me vem uma tristeza profunda, que tira meu ar. Vem cenas do meu pai doente, coisas bem aleatórias. Tenho que respirar profundamente, e parece que passa. Alguns dias tenho umas mais fortes, que me fazem chorar por dois minutos, e passa. Essas ultimas são sempre desencadeadas por algum coisa, as vezes bem nada a ver: uma musica do Frank Sinatra, um video de um casamento de uma conhecida com depoimento dos pais dela, um artigo na internet sobre organização de gavetas (um exemplo de uma coisa nada a ver que me fez sentir muitas saudades do cotidiano de anos atras), etc.

Na ultima semana tenho tentado deixar essas crises de lado. Fujo de qualquer coisa que possa me fazer lembrar meus pais, cancer, hospital. Quase todo dia finjo que nao vejo titulos de videos no facebook, como: "Pai com cancer terminal deixa mensagem para a filha", "Mulher com doenca terminal recebe homenagem dos amigos", etc etc. Tenho certeza que sao videos muito bonitos, que fazem as pessoas pensarem que devem ser mais gratas pela vida. Eu nao assisto. Lembro bem quando eu gostava de ver filmes tristes. Mas de repente tudo ficou tao real. Tenho cenas desse filme na minha cabeca o tempo todo.

Eu lembro bem que o mesmo acontecia com minha mae. As cenas se repetem na cabeca. Ainda parece impossivel que foi tudo de verdade, e que meu pai ja nao existe. Mas acredito sim no poder do tempo.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

quinta-feira, 8 de maio de 2014

A história de um oncologista que perdeu a mulher para um cancer

Estou adiando para escrever aqui, embora ja tenha um texto pronto na minha cabeça, vindo de varios pensamentos aleatórios durante os dias em que tudo pode ser resumido em: saudades de um tempo.

Por enquanto vou colocar o link de uma historia que acabei de ler. É o texto de um oncologista que escrevia para o New York Times em 2011, sobre como era acompanhar a própria mulher num tratamento de cancer de mama. Acredito que ele parou, assim que o tratamento parou. Ela parecia curada. Ano passado uma metástase apareceu, e ele conta neste texto como foi lidar com a mulher, agora com um cancer terminal, em seus últimos meses.

O texto me fez chorar em vários momentos, porque é profundamente familiar. Várias cenas, procedimentos, os momentos de esperança e desesperança. Os sentimentos contraditórios. Estranho como neste mundo tao grande podemos estar ligados a pessoas que a gente nem conhece. Quantas pessoas por ai estão cantando musicas antigas, sorrindo ao lado de alguem querido, tentando disfarçar o terror da imagem dos ossos saltando nas costas e do abdomem cheio de liquido? Quantas pessoas estao saindo do consultorio medico com uma pergunta entalada na garganta? Quantos acompanham um pai no hospital, sem conseguir dormir imaginando como será o ultimo minuto? Tantas pessoas passam por tudo que minha familia passou. Outras pessoas com outras dores, tao proximas a de outras pessoas, mesmo distante. No velório do meu pai havia pessoas que no mês seguinte estavam la velando seu proprio pai. Neste outro velorio estavam pessoas que ontem estavam la velando uma sobrinha.

No final somos todos ligados pela mesma mistura de dores, alegrias, surpresas e medos.

O texto:

http://nymag.com/news/features/cancer-peter-bach-2014-5/#comments

quinta-feira, 17 de abril de 2014

"...Indo e vindo infinito"

A maior lição da vida talvez seja aprender a lidar com a finitude. Tudo vai acabar, tudo vai mudar. A tentativa de manter tudo do mesmo jeito geralmente traz mais sofrimento. Esses dias andam estranhos porque a finitude ta escancarada.

Há dois meses foi meu pai. Há duas semanas foi o pai do meu tio, um senhor muito forte e festeiro, que de repente foi vencido por um cancer agressivo. Fui no enterro, e não consegui ficar ate o fim. Vi os filhos e netos - pessoas com quem eu geralmente me encontrava em festas de natal, ano novo, dias das mães ou dias dos pais - tristes, em silencio.

Meu avô, pai do meu pai, está acamado. Ha um tempo sofre de um tipo de demencia, e umas semanas atras caiu, quebrou o femur. Teve que fazer uma cirurgia. Alguns dias eu vou la no final da tarde, e me sinto bem. Gosto de conversar com ele, mesmo quando a conversa nao parece ter sentido. Acho triste que ele tenha chegado ao fim da vida assim. Ele sempre disse: "so nao quero um dia ficar na cadeira de rodas, dando trabalho". E acabou acontecendo. Mesmo sendo triste, acho tao bonitinho o jeito dele, o jeito da minha vó cuidando. Ele sempre agradece, muitas vezes diz que esta tudo bem, que a comida esta boa, que esta bem. Parece que ele quer agradar, deixar a gente tranquilo. As vezes ele fala coisas sem sentido. Alguns dias ele chama muito meu pai. Nao sei porque, nao sei se ele entendeu a morte do filho.

Esta é minha ultima semana aqui, e a casa esta mais vazia. O carro esta quase vendido. Ja fechamos as contas do meu pai, uma delas tinha 23 anos. Já doamos quase todas as roupas da casa. Vou ainda cancelar o telefone, tv, internet. Vou cancelar o número de telefone que temos desde a década de 80!

Ainda bem que tem um monte de bebê nascendo por ai, gente ficando grávida!

"Não chore não, dona Senhora, uma criança nasceu, o mundo começou outra vez."
(Um trecho do Grande Sertão Veredas, sempre dito por minhas amigas).




domingo, 13 de abril de 2014

Sonhos nos empurram pra frente


Devemos sempre colecionar muitos e muitos sonhos. Em alguns momentos da vida são eles que vão nos forçar a seguir em frente. Nossos sonhos estão la pra nos salvar.

Os últimos dias têm sido difíceis. Semana que vem já vou embora, e queria ter feito mais aqui, ter arrumado mais coisas. Mas a verdade é que esvaziar esta casa é MUITO difícil. É a dissolução de um porto seguro, é o corte de uma raiz muito grande e forte. Dói.

Minha vontade agora neste momento é de ficar aqui, nesta casa, cuidando dela, arrumando os móveis, cuidando das plantas e dos cachorrinhos. Ficar mais próxima do meu irmão. Ficar aqui pra sempre. Seria uma forma desesperada de manter alguma coisa mais comigo. Mas eu sei que seria também uma estagnação, quase uma paralisia. 

Há um tempo já aprendi que minha vida não é aqui em Cruzeiro, pelo menos por enquanto.

Ai que entram meus sonhos. E me salvam. Eles me fazem olhar pra frente, e me desvencilhar dessa força que me pede pra parar e desistir.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Instabilidade

Acabei de perceber: nos últimos cinco anos eu não morei por mais de um ano na mesma casa. Um treinamento e tanto para mim, que cresci praticamente na mesma casa. Ando me sentindo tao ansiosa, angustiada, dor nos braços, dor pulsante na testa, falta de ar, pressão mais alta, sensaçao de dor no peito. Talvez seja estresse. Pensei aqui que eu ja deveria estar acostumada com mudanças, com casas se desfazendo, depois desses cinco anos de treinamento. Mas na verdade por trás de cada mudança, havia aqui, sempre aqui, uma casa, bem firme no chão, com as mesmas plantas de 15 anos atrás, com meu quarto de parede rosa, com minha prateleira de bonequinhas.

Por vinte anos a casa esteve aqui. E agora ela também vai se desfazer, se diluir. Estou jogando fora quase tudo que guardei, agora ja nao tenho espaço para o permanente. Vou ter que reduzir tudo a duas malas.

Abril ja chegou. Logo vou, recomeçar.

 

domingo, 23 de março de 2014

Oi Pai!


Um video que achei no meu celular, que meu pai me mandou no final de 2013. Que bonitinho!



Fiquei um tempo agora a noite vendo fotos e videos, tentando diminuir um pouco a saudade que bateu super grande de repente. Vi vários videos que fizemos na viagem a NY. Lembro que eu achava chato fazer videos. Meu pai queria gravar para mostrar para a familia dele. Um dia eu disse pra ele não fazer, porque ninguém gostava de ver videos. Mal sabia eu que um dia seria eu mesma que estaria aqui, torcendo pra achar mais um videozinho, qualquer palavrinha! Ainda bem que ele nem me ouviu, e gravou varias coisas!!!!

sábado, 22 de março de 2014

Vencer a morte com VIDA



The Laughing Heart (Charles Bukowski)
your life is your life
don’t let it be clubbed into dank submission.
be on the watch.
there are ways out.
there is light somewhere.
it may not be much light but
it beats the darkness.
be on the watch.
the gods will offer you chances.
know them.
take them.
you can’t beat death but
you can beat death in life, sometimes.
and the more often you learn to do it,
the more light there will be.
your life is your life.
know it while you have it.
you are marvelous
the gods wait to delight
in you.

Sempre gostei deste poema, que conheci logo depois da morte da minha mãe. É sobre ser positivo, sem negar os problemas. É sobre focar nas chances que a vida dá, ao invés de se desesperar com o que perdeu. O poema diz: “Você não pode derrotar a morte, mas pode derrotar a morte durante a vida, algumas vezes”. É tão simples, e tão complexo! A morte é certa, perder pessoas importantes na vida é certo. Nossa única certeza absoluta é a morte. Mas a gente pode sim vencer a morte em vida, COM vida. Quem foi embora deixou para trás tanto futuro não vivido, deixou tanta vida, que quem fica precisa viver em dobro. Vive por quem foi embora.

Como meu pai gostava da vida! Ele se deliciava em pequenas coisas. Amava ir ao supermercado, gostava da feira de sábado (que no interior a gente chama de Mercado rs). Mesmo doente, ele se arrumava, colocava uma roupa disfarçando sua magreza, e ia feliz da vida fazer suas comprinhas. Recentemente, já em 2014, ele me forçou a ir com ele. Eu não queria que ele fosse, estava muito quente, e ele já estava bem fraco. Andei com ele se apoiando em meus braços por algumas barracas de frutas. Ele estava feliz da vida!

Ele adorava passeios, mesmo os mais simples, em lugares próximos. Ubatuba, São Lourenço. Gostava de andar em Sao Paulo, nas lojinhas na Teodoro Sampaio. Ainda foi além do que sempre sonhou, conheceu Nova York. Ele curtiu muito a viagem! Tirou centenas de fotos, conversou com várias pessoas, andou pra caramba. 

Ele gostava muito de televisão. Brigava com o sono. Quantas vezes a gente acordava para desligar a tv, com ele já roncando, e ele brigava, dizendo que estava ainda assistindo. Gostava de Jô Soares. Assistia Globo news quase o tempo todo, e sempre vinha com algum assunto do Saia Justa, Manhattan Connection, Estudio I. Ele gostava de aprender a falar coisas em inglês.

Curtia suas plantinhas, as orquídeas. Decorava a casa com detalhezinhos no banheiro, e nas paredes. Ficava feliz demais com novas aquisiçōes, e enchia nosso whatsapp de fotos.
Arrumar sapatos e tirar manchas de roupas brancas eram passatempos.

Meu pai trabalhou dupla jornada até se aposentar, em 2010. Ele acordava às 5 da manhã, pegava ônibus para ir dar aulas. A tarde começava no outro trabalho, e ia até o começo da noite. Ele trabalhou bastante! Quando eu era criança ele chegava a trabalhar nos três períodos, dando aula. Ele sempre foi muito estressado! Na minha cabeça eu achava que meu pai iria embora um dia durante uma aula, teria um ataque de coração, e pronto. Eu nunca, nunca achei que ele iria assim, de forma tão calma, tão lenta, tão anunciada.

Ele teve quase quatro anos depois de se aposentar para acalmar. Mesmo doente, ele queria viver muito mais! Ele sempre dizia que pedia para Deus dar a ele um pouco mais de tempo, tempo com qualidade, para ele aproveitar mais as coisas. O  tempo foi curto! Mesmo com as dores e mal estar, ele nunca quis desistir. Ele gostava demais da vida, e das pessoas que compartilharam com ele este mundo.

Esta semana fui em Ubatuba. Acredito que tenha sido a primeira vez nos meus 27 anos que fui sem ele. Não chorei nem uma vez. Não consegui ver a ausência. Me lembrei sim da última vez que eu tinha ido, no comecinho de 2013. Fomos só eu e ele, logo depois de passar por São Paulo, onde ele fez os primeiros exames no Hospital do Cancer. A gente já sabia que ele estava doente, mas ele estava bem. Meu irmão foi também se encontrar com a gente, e aproveitamos! Esta semana voltei para o mesmo lugar, e vi muita vida. Vida por todos os lados. Muito sol, azul, paz. Não havia silêncio, havia o mar, bonito do mesmo jeito. Lembrei que uma amiga me mandou uma mensagem dizendo que o mar pra ela é renovação. É estranho, porque é renovação, mas também continuação.

Então lembrei de um outro texto que achei há poucos dias: “Somos como crianças construindo um castelo de areia. Enfeitamos com belas conchinhas, galhos e pedaços de vidro colorido. O castelo é nosso, fora do alcance de outros. Somos capazes de atacar se outros ameaçarem destrui-lo. Ainda assim, além de qualquer apego, nós sabemos que a maré vai inevitavelmente subir e destruir nosso castelo de areia. O segredo é aproveitá-lo, mas sem extremo apego, e quando for a hora, deixá-lo se dissolver de volta ao mar”. (Ani Pema Chodron).

Como é dificil aceitar mesmo, de verdade, as mudanças, e a dissolução do nosso castelo! A gente constrói, planeja, acreditando que tudo vai seguir um plano. Bobagem! Coisas ruins vão acontecer. Se a gente estacionar, se entregar à escuridão, desistir, acaba a nossa vida. O tempo que nos foi dado é precioso. Minha mãe teve 46 anos, meu pai 60. A mãe da minha mãe teve pouco mais de 30. O sobrinho da minha amiga teve 3 anos.

Eu quero realizar muitos sonhos! O maior dele é ser feliz no tempo que me for dado. Não quero ficar num trabalho sem sentido, que me faça infeliz. Não quero mais viver me preocupando com o que vão achar se eu dizer não. Não quero juntar roupa, nem papel. Não quero viver na ilusão de que algo aqui me pertence. Não quero esperar tudo estar 100% para poder dar uma festa. Hoje eu gargalhei algumas vezes, nem lembro o porquê. Não é fácil gargalhar, mas é preciso. É estranho pensar em ser feliz sem meu pai e minha mãe, morando longe de toda minha família. Mas não tenho outra escolha!

Algumas pessoas me olham estranho, e não sabem o que dizer. Não sei se é pena, ou espanto. Quase quero dizer: “Calma, eu sou forte. E você também é”.

Durante o dia sou mais forte ainda. O barulho de carros, cachorros, conversas, tudo preenche um pouco o silêncio que meu pai deixou. Meu pai falava bastante, escrevia bastante mensagens. A vida perto dele era barulhenta! Mas a noite, na hora de dormir, o silêncio grita alto! Ai parece que quero dormir com a TV ligada, quero fazer como ele fazia. 

Quero plantar as orquídeas que ele não pode plantar.
Quero preencher a estranha solidão que a ausência deles traz, com luz, com todas as conchinhas e vidros coloridos possíveis. E que a maré leve tudo de volta ao mar quando for a hora.

Para ser feliz de verdade mesmo temos que aceitar que a vida é difícil, que as coisas vão mudar, que a inconstância é a única constante.

Esperança que a vida prevaleça sempre!





quinta-feira, 6 de março de 2014

As pessoas não ficam nos objetos

Como é estranho uma pessoa sumir de repente. Assim como todo mundo, meu pai se foi e deixou tudo para trás. Todas as coisinhas que ele gostava - as plantinhas, os tênis e bermudas moderninhas, os óculos de sol (sua mania), o aparelho de medir pressão, os enfeites do banheiro - tudo ficou para trás, no mesmo lugar em que ele deixou.

Passei uma semana nos Estados Unidos, onde comecei a aprender uma grande lição, desapegar. Fui pra la porque vamos nos mudar de Nova York para Boston, mas pela falta de onde deixar as coisas precisamos nos desfazer de muitas coisas. Tivemos poucos dias para arrumar a mudança, entao no susto me desfiz de roupas que eu guardava por mais de uma década, que eu nem usava, guardava por guardar.

Lá tive sentimentos muito ambiguos com relacao a tudo que aconteceu com meu pai. As vezes eu sentia meu coracao parar quando eu me lembrava que meu pai nao estava mais aqui, mas ao menos tempo sentia um alivio de nao existir mais aquele preocupacao gigante que eu tinha estando longe. Estranhamente eu me senti muito próxima dele, como se ele realmente estivesse ido comigo.

Chegar de volta na minha casa em Cruzeiro foi dificil. Minha cada dói. Com a morte do meu pai vai com ele uma casa inteira. Meus pais contruiram esta casa e colocaram tudo que está aqui dentro. Escrevi um post sobre isto ano passado, quando eu já me preocupava com este momento, desfazer de quase tudo que faz parte da minha vida (http://esperanca-sempre.blogspot.com/2013/01/sobre-o-peso-do-passado-nos-objetos.html)

Semana passada, durante o carnaval, meu irmao esteve aqui, e ja separamos muitas coisas! Juntamos 10 sacos de lixo, separamos as coisas de cozinha que vamos guardar e o que vamos doar, ja fizemos mentalmente uma separacao entre os moveis tambem. Tiramos tudo do guarda-roupas do meu pai, ja doamos algumas roupas. É um processo dolorido. A gente nao tem espaco para guardar muitas coisas. Meus pais gostavam das coisinhas que tinham, nao eram muito de comprar coisas novas, eram mais de conservar o que tinham. É estranho desfazer das coisas que ele guardavam por tanto tempo. Mas ai vem a maior verdade de sempre: as pessoas nao ficam nos objetos.

Nao ficam!

Vamos sim manter coisas que vamos usar. Alguns moveis, coisas de cozinha, algumas roupas. Mas a maior parte da casa vai embora para outras pessoas usarem.

Amanhã ja faz 3 semanas que meu pai descansou. Estou aqui na nossa casa. Acho que estar lidando com esta ausencia 24 horas por dia esta me ajudando a acostumar com a dor, porque dói o tempo todo. Meu pai gostava muita de coisinhas do dia a dia, assistir certos programas, ficar num certo lugar, dormir naquele horario. E ele se comunicava bastante! Expressava tudo que sentia, contava das coisas que gostava, do que nao gostava. Por isso sua presenca é tao forte em cada cantinho daqui.

Estou perdida no meio de burocracia, decisoes, buracos, silencios. Hoje a tarde parei para colocar tudo num papel, parece que nao vou dar conta. Espero que eu consiga usar o tempo que tenho no Brasil, e tentar deixar tudo da melhor maneira possivel.

Quero realmente fazer o melhor possivel desta situacao. Eu e meu irmao, enquanto arrumavamos as coisas, falamos muito sobre como realmente é a maior bobagem nossas preocupacoes com as coisas materiais. Meus pais se preocupavam bastante em nao ter como pagar contas, ou ficar sem dinheiro. Fizeram milagre com o salario de professor do meu pai. Fico com pena em pensar que eles foram embora, e deixaram tudo aqui. Ate queria que eles nao tivessem se preocupado tanto. Que tivessem aproveitado mais para eles mesmos. Os dois foram embora muito cedo, podiam ainda ter vivido decadas mais, sem preocupacao em criar os filhos, viajando, vendo eu e meu irmao mais velhos.

Não deu. Acho muito triste que com menos de 30 anos ja nao tenho meus pais, que eram tao tao presentes. Quero muito que eu e meu irmao sigamos em frente, que a gente consiga ir atras dos nossos sonhos, que a gente viva da melhor maneira possivel. Nao é facil. No dia a dia, ocupados, resolvendo problemas, tudo é mais facil. A dor aparece quando a gente esta sozinho, na hora de fechar o olho pra dormir.

Pai, a saudade já está imensa! Saudade de ouvir sua voz. Às vezes acho que la do seu quarto você vai me chamar. Até deixo a TV ligada na hora de dormir, como você fazia.

Mas o tempo ajuda, eu sei.