quarta-feira, 7 de outubro de 2009
Desabafo...
No começo do ano que vem é minha formatura, e vou escrever no convite a parte Aos Pais Ausentes. Todo dia que pego para pensar no que escrever, choro muito. Não acredito que minha mãe não vai estar, é mt injusto!!! É mt duro! Lembro que na formatura do meu irmão, do ensino médio, eu entrei com ele. Minha mãe disse que iria entrar com meu irmão na formatura da faculdade, e lembro ela dizendo (muito nitido, som da voz, expressão do rosto, tudo!): "Será que Deus vai me dar essa dádiva?" Ela disse rindo, e era muito claro que era um grande sonho para ela, talvez o maior! ... Eu não entendo...não entendo...
Acho que no Brasil eu estava mais conformada...
Eu to feliz aqui na Holanda, realizando um sonho! Minha mãe sabia desse sonho!
Mas eu queria muito ligar para ela, e contar o que ando vendo...
Eu sei que a morte faz parte, eu sei que a vida tem razões que nossa mente é pequena para entender, mas... eu queria ela viva, não queria ela na lembrança, queria ela vivendo as coisas boas da minha vida comigo....
E agora to sentindo uma dor sem tamanho...
Que saudades da minha mãe
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
Hoje, um ano sem ela...
Claro, muita coisa mudou. Meu modo de ver, de agir, de ouvir, tudo mudou. Minha família se reestruturou por completo. Hoje tudo em minha casa funciona diferente, e nós ocupamos outros lugares. Fazemos coisas que nunca imaginamos fazer.
E claro que tudo tinha que mudar. Por dois motivos. O primeiro é o motivo óbvio: minha mãe fazia quase tudo em casa. Ela que organizava nossas vidas, e ai coloco tudo, dinheiro, comida, limpeza, roupa. Mesmo quando eu estava em SP eu ligava para minha casa e sempre falava com ela. Ficar sem ela foi muito difícil, e no começo termos que assumir essas tarefas não foi fácil. Agradeço algumas pessoas que ainda nos ajudam muito. Hoje vejo que algum jeito demos nas coisas, e isso devo a minha mãe. Pensar nela, e em como ela sempre queria nos ver bem, me ajudou a seguir e enfrentar a nova vida.
O segundo motivo também é óbvio. Passar pela experiência da morte de uma pessoa de dentro da sua casa, uma pessoa central na sua vida, muda tudo. Ter alguém como uma mãe tirada assim do dia a dia, e ter que elaborar a ausência dela faz todas as concepções de vida, de tempo, de fé, tudo mudar. Hoje eu ainda sinto que sou feliz, como sempre pensei, mas carrego em mim uma dor, que não passa, e sei que nunca vai passar. Mas tenho certeza que já aprendi a lidar com ela. Essa dor – que só conhece quem já passou por isso - vai ficar aqui para sempre. É uma dor estranha de explicar, e muitas e muitas vezes quando fico sozinha, quando estou em alguma situação em que sou obrigada a ficar quieta, apenas comigo, chego a respirar fundo, por um segundo perco o ar. As vezes ainda não acredito que foi assim, e que assim será para sempre. Ela nunca vai voltar.
Posso dizer com toda a certeza: sou forte e posso suportar muita coisa. Nesse um ano lembro de apenas uma vez ter chorado por um motivo que não tivesse relação nenhuma com minha mãe, e fiquei com muita raiva de mim. Depois do que passei, muita coisa virou detalhe bobo. Dou menos bola para coisas que antes me preocupavam muito.
Nesse um ano, em todos os momentos em que me vi alegre, principalmente quando estava em casa, com minha família, nunca senti que não poderia estar daquele jeito. Pelo contrário. Todas as vezes em que nos vi bem, me senti orgulhosa pela minha mãe, e com a certeza que ela fez isso, ela nos fez fortes, ela nos fez capazes de suportar, por mais difícil que fosse. Eu sei que ela sabia que era muito importante em nossas vidas, e continuarmos em frente depois disso é uma homenagem a ela, sempre.
Sempre acreditei no tempo como um amigo, e desde o começo, por mais desesperador que fosse, eu sabia que um dia as coisas ficariam melhores. E realmente com o tempo essa dor ficou mais suportável. Com o tempo as coisas se organizaram um pouco. Com o tempo a ausência dela passou a fazer parte de tudo. E sei que com o tempo isso vai ficar mais dentro de mim, e menos nos lugares.
Meu pai sempre fala em como não entende o porquê isso ter acontecido com minha mãe. Sempre que vê casais de velhinhos na rua, ele comenta que alguns tem mais sorte que os outros, e não entende qual o critério para essa sorte ser "distribuída". Eu sempre tento cortar essas idéias dele, falo que todo mundo morre, um dia acontece com todo mundo. Mas no fundo eu também não entendo. Ta, eu sei, todo mundo morre. Mas alguém tão saudável, que leva uma vida tão regrada, que nunca fez mal a ninguém, ter um câncer tão agressivo, e tão silencioso, que só deu sinal quando já não tinha o que ser feito, me parece demais. Não parece uma casualidade, um acidente. Não sei explicar. Essas coisas me fizeram hoje uma pessoa menos romântica com a vida. Ainda vejo beleza, com certeza, acho que até aprecio ainda mais a vida, que é mais rara do que imaginamos, ainda acho que tudo pode ficar melhor, mas acho que acredito bem menos no que a gente não pode ver.
Os primeiros meses depois de agosto de 2008 foram bem ruins. Lembro que não conseguia dormir cedo, quase sempre deitava depois das 2 da manhã, o que para mim é muito quando tenho aula no dia seguinte. Não era falta de sonho, mas sim um medo de enfrentar aqueles minutos deitada, no silêncio, antes de dormir. Era horrível ter tempo para pensar. Na minha cidade só consegui dormir no meu quarto, e não no quarto do meu pai, em janeiro de 2009.
Mas algo aconteceu nesse um ano que me ajudou muito a passar por tudo isso. Parece que em um ano perdi tudo, e no outro a vida quis me recompensar de algum modo realizando um sonho. No começo de novembro de 2008 fiquei sabendo de um programa de bolsas de intercambio para cursar um semestre do meu curso de graduação na Europa. Não pensei duas vezes: me candidatei. E naquele momento eu estava pensando muito em como a vida é curta, em como agir por impulso pode ser bom, como ter medo e vergonha é desperdício de algo tão frágil. Se é para mudar, se a vida escolheu mudar sem que eu fizesse nada, então vamos mudar né? Eu estava sentindo também que eu não podia ser a mesma pessoa. E acabei sendo selecionada pelo programa. Pensar nessa viagem me ajudou bastante a passar por esse ano, e a pensar no futuro.
E hoje acho estranho o caminho que tudo levou. Quando minha mãe ficou doente eu estava com um programa de intercambio fechado: eu iria para os EUA para trabalhar durante minhas férias. Acabei desistindo de ir. Minha mãe chorou algumas vezes dizendo que não queria ter atrapalhado minha viagem, e por várias vezes eu disse a ela que eu não estava triste de não ir, eu queria ficar com ela, e aquele não era meu sonho. Lembro de ter dito que meu sonho era sim, ir para o exterior, mas para estudar, e na Europa. E hoje, um ano depois de ter perdido minha mãe, estou a uma semana exatamente de realizar esse sonho sobre o qual falei com ela.
Não sei se ela estivesse aqui como seria. Sempre ela fazia parte dos meus planos, sempre me apoiava, mesmo cheia de preocupações com tudo. E eu sei que meus sonhos eram os dela. Já falei sobre isso no blog. Minha mãe tinha sonhos, e eles tinham a ver com a vida minha e do meu irmão. Sei que ela queria muito ir em nossa formatura, muito, muito. Sei que ela queria muito também ser avó. Sei que quando essas duas coisas acontecerem comigo, eu vou estar feliz, mas ao mesmo tempo vou sentir uma tristeza muito grande de ela não estar comigo, e de ter sido tirada de nós antes que pudesse presenciar esses momentos.
Realizar sonhos hoje é ambíguo por isso. É bom, sempre vai ser, mas sempre vou sentir minha mãe não poder estar aqui vendo isso acontecer.
Sinto muitas saudades dela, muitas muitas!
Vou viajar, e vou ficar um tempo longe de todo mundo que faz parte da minha vida, e vou sentir falta de muitas pessoas queridas. Mas sei que nada se compara a saudades que se sente de quem não vai voltar.
terça-feira, 11 de agosto de 2009
Há um ano...
(Escrevi muito, de novo.)
Há um ano eu vivia os piores dias da minha vida. Hoje eu sinto que faz tempo, embora quando me lembro desses dias sinto quase a mesma angústia. Desde então já entrei em hospitais milhares de vezes, mas sempre me sinto com a respiração diferente, com uma tensão em ver médicos ou enfermeiros. Esses dias percebi que cada vez mais penso nesses dias como um filme, que não parece ter sido comigo, com minha família, com minha mãe.
No dia 5 de agosto de 2008, eu deitei para dormir abraçando minha mãe, e cheguei a cochilar com as mãos na barriga dela. Lembro-me muito bem do que eu senti. Naquele dia ela tinha tido uma hemorragia que nunca havia tido, e ela soube, e eu e meu pai também, que não era bom sinal. Já fazia alguns dias que ela estava mais fraca, que pouco andava pela casa da minha tia em São Paulo, só queria ficar deitada. Ela tinha piorado, mas acho que não quisemos perceber. Naquela noite eu chorei com ela dentro do banheiro, quando ela me disse que não queria morrer, que queria ver eu e meu irmão mais velhos. Era uma terça-feira, e ela morreu uma semana depois.
No dia 6 ela tinha quimioterapia, e eu, ela e meu pai saímos da casa da minha tia perto da hora do almoço. Lembro que ela realmente estava muito debilitada. O caminho todo, entre a casa da minha tia e o Instituto do Câncer foi difícil, porque qualquer movimento maior do carro ela reclamava de dor, pedia para meu pai ir bem devagar. Foi a única vez que eu fui com ela no banco de trás, e ela foi deitada no meu colo. Pelo caminho inteiro fiquei com a mão no cabelo dela, e o tempo todo ela pedia que a janela estivesse aberta, para ela respirar melhor.
Assim que chegamos ao hospital, já percebi que tudo estava diferente. Ela nem foi para a sala da quimio. Era nítido que ela não estava bem. Lembro-me muito bem daquela tarde. Ela estava em uma maca. Ficamos em uma sala onde um enfermeiro, muito simpático, aferiu sua pressão, mediu temperatura, essas coisas todas. Pela primeira vez também viram o nível de saturação no sangue, acho que assim que falam, para ver como estava a respiração. Tudo estava abaixo do normal. Foi quando chamaram uma médica que disse que não seria possível fazer quimio naquele dia, pois minha mãe não estava bem. Ficamos um tempo ainda na sala esperando o resultado de um exame de sangue. Lembro que o enfermeiro me contou que havia se mudado para São Paulo naquele ano, que deixou sua família no interior. Contou-me que gostava muito de trabalhar ali. Não lembro se o nome dele era Antonio, ou era José, porque minha mãe o chamou dos dois nomes, mas lembro que apenas um era correto. Ela até se explicou: “Sabe o que é? Meu pai se chama José Antonio, ai confundi os dois nomes”. Até rimos. Mas ela estava bem sonolenta. Fiquei de pé perto da janela, e olhando para muitos prédios comecei a chorar. Eu estava percebendo que as coisas estavam ficando piores mesmo. O enfermeiro quando percebeu, me deu um papel, para eu limpar meu rosto antes da minha mãe perceber que eu havia chorado.
Meu irmão chegou na sala um pouco depois que chegamos, vindo da faculdade. Ele também se assustou com o modo como minha mãe estava, e com terem impedido ela de fazer quimio. Estávamos percebendo que as coisas não estavam bem.
A médica chegou depois, e pediu que descêssemos até o primeiro andar, onde funcionava o pronto socorro. Na época, o hospital ainda não tinha internação, e as pessoas que precisavam ficar mais tempo ficavam no pronto socorro. Pronto socorro é um nome ‘feio”, parece um lugar de emergência e muitos pacientes, mas neste hospital não era. Era um lugar bem tranqüilo, com poucas salas, poucos pacientes dormiam lá, e os enfermeiros eram excelentes.
A médica também pediu alguns exames, e alguns procedimentos específicos que aliviariam o desconforto abdominal que minha mãe estava sentindo.
Minha mãe fez uma nova tomografia neste dia. Lembro que quando vieram buscá-la para o exame, ela começou a fazer cara de choro, pedindo que a enfermeira me deixasse ir junto. A enfermeira ainda brincou que deixaria se fosse meu irmão, porque ele era bonito. Minha mãe riu, e lembro que ela me deu um sorriso, bem calmo, de paz, sem abrir a boca, quando viu que eu iria com ela. Quase todas as vezes que sonho com ela, ela me dá esse mesmo sorriso.
Na sala da tomografia ela vomitou. Nunca isso tinha acontecido. E eu fiquei apavorada quando me chamaram porque ela tinha vomitado. Todos os sintomas que ela nunca teve, estava tendo agora.
Depois, na sala do pronto atendimento ela vomitou de novo, depois de tomar um suco.
Não me lembro se foi naquele dia, ou no dia seguinte, que a médica voltou para conversar comigo. Disse-me que os exames mostraram uma piora no quadro geral da minha mãe, o que significava que não seria mais possível fazer quimioterapia, o corpo não estava agüentando. Pela primeira vez eu ouvi um médico falar em cuidados paliativos, que é quando não há mais tratamento, e sim um cuidado em diminuir a dor e levar conforto ao paciente. Ela não disse, mas eu entendi que minha mãe estava morrendo. A sensação que senti ali foi horrível, não tem como explicar. Foi a mesma que eu senti quando o médico na minha cidade me falou dos nódulos no fígado, em Maio. Mas foi no dia 6 de agosto que eu perdi a esperança.
Logo depois que falei com a médica, sai de dentro do pronto atendimento, passei pelo meu pai e meu irmão na recepção e fui para o banheiro. Eu senti um desespero tão grande, que não consegui ficar de pé. Meu corpo inteiro formigava, e eu me sentei no chão. Chorei muito. Meu pai, meu irmão e uma senhora vieram atrás de mim, mas eu não conseguia falar. Era muito difícil ter que enfrentar a realidade. Lembro que a primeira coisa que eu consegui dizer foi: “Eu não quero perder minha mãe”.
Depois de sair de lá, conversei ainda com meu pai e meu irmão. Ainda consegui pensar que as coisas poderiam dar uma volta, que minha mãe poderia se alimentar, tomar bastante água, os exames poderiam melhorar, qualquer coisa. Mesmo que não houvesse mais tratamento, nós três ainda conversamos em tentar convencer minha mãe a ir para Cruzeiro, ficar em casa, já que hospitais já não fariam muita coisa. Eu e meu irmão conversamos de até trancar um semestre na faculdade e ficar com ela em Cruzeiro, já que não teríamos muito tempo.Na verdade tinhamos menos tempo do que pensamos.
Quando vi minha mãe de novo, depois de falar com a médica, foi difícil olhar para ela. Ela sempre me olhava assustada quando eu voltava de conversa com médicos, tentava ver se eu tinha chorado. Lembro que naquela noite eu e meu irmão revezamos em ficar com ela, e nós dois chegamos a falar que os médicos disseram que os exames tinham dado uma piorada, e que por isso ela tinha que comer bem e beber bastante água. Lembro também que por um dia inteiro conseguimos: ela bebeu bastante água, comeu o máximo que conseguiu. Falamos se ela não gostaria de ir para Cruzeiro, de ver a família. Lembro que comentei que seria legal se pudéssemos fazer uma reunião com todos os irmãos dela, em casa, como ela sempre quis. Até lembro que ela me disse: “Credo Aline! Até parece que estou morrendo!”. Quando lembro disso penso que ela confiou até o fim. Confiou mais que eu.
Depois desse dia tivemos momentos muito difíceis. Cada troca de médico era alguém que vinha nos dar más notícias. Chegou um momento que eu não queria mais falar com médico, eles sempre falavam as mesmas coisas. Todos vinham com o mesmo cuidado, achando que seriam os primeiros a falar sobre minha mãe estar piorando, então assim que eles vinham eu já falava que estava por dentro de tudo.
Eu já escrevi aqui sobre esses dias. Foram seis noites no hospital, e eu, meu pai e meu irmão revezávamos; Dormíamos na recepção com a TV ligada passando jogos das olimpíadas na China, chegamos a dormir no carro. No começo ficávamos bastante no quarto, pois minha mãe sempre acordava. Ainda conversávamos com ela. Mas com o tempo ela só dormia.
Dia 10 foi dia dos pais, e algumas pessoas foram visitar minha mãe. Para todas ela dizia que queria dormir, só queria dormir. O corpo dela estava parando, aos poucos.
Lembro que no dia 11, uma segunda-feira de manhã um médico veio nos falar que ela seria transferida para o pronto socorro do HC, para avaliarem uma possível cirurgia. O médico tinha um pesar nos olhos muito grande. Eu pedi a ele se ele não poderia diminuir os remédios que dava a minha mãe, para que nós pudéssemos conversar com ela. A gente já não conseguia. Eu sabia que tinha pouco tempo.
Naquele dia ela saiu de ambulância desse hospital, e foi muito triste aquela cena. Meu irmão, meu pai, desespero de todos. Ela já estava com a consciência bem alterada, teve que sair com balão de oxigênio. Quando ela estava entrando na ambulância um enfermeiro muito gentil que a acompanhou na primeira quimio nos viu, e ele não deve ter acreditado que estava vendo minha mãe daquele jeito.
Fui com ela na ambulância. Já contei aqui o que aconteceu depois disso. Ela morreu algumas horas depois, no dia seguinte. O pior dia da minha vida foi o dia 11 de agosto, não foi o dia 12, não foi o dia que ela morreu.
Dia 11 somente eu fiquei no pronto socorro do HC. Meu pai e meu irmão só entraram mais tarde, quando um médico permitiu, depois que ela piorou bastante. Antes deles entrarem minha mãe ficou em uma sala de emergência, e lembro de ver ela sentindo dor. E eu não podia fazer nada. Aquele lugar se tornou o pior lugar do mundo para mim. Já falei isso aqui também. Pessoas grossas, que se acostumaram a ver pessoas doentes, com dor, e não se sensibilizam. Claro, não são todos, mas é a maioria.
Eu fiquei ali sozinha, vendo minha mãe sofrer, sem poder ficar bem do lado dela, e sabia que ela estava morrendo. Na verdade acho uma benção ela só ter sentido dor assim nesse dia, no ultimo dia. Ela sempre teve medo disso. Câncer para ela tinha uma ligação muito forte com dor, e ela tinha pãnico de dor, e foi poupada de passar mais tempo por isso. Foi nesse dia que vi que aquilo realmente tinha que acabar, não queria aquela vida para minha mãe, que nunca, por um segundo, merecia estar ali.
Eu já contei aqui. Meu irmão entrou depois. Ficamos um pouco mais com ela, já sem dor, já medicada. Ela estava com falta de ar. Nós a abraçamos. Ela falava bem enrolado, quando acordava. Era visível que ela estava tendo delírios, vendo cenas da infância, quando falou nomes de irmãos. Mas em um momento ela olhou para meu irmão e disse: “Ah Tiaguinho...” . Não era dor. Era pesar. Ela não queria nos ver naquela situação, ela não queria ir embora.
Eu nem devia estar escrevendo isso aqui. Acho tudo muito triste, pesado. Mas me ajuda muito escrever. Faz um ano, mas esses últimos dias da minha mãe no hospital ficam martelando na minha cabeça quando fico sozinha. Sei que nunca vou esquecer, mas escrever ajuda a tirar um pouco a angustia. É muito ruim. Eu penso mil coisas, coisas que eu devia ter feito, coisas que eu nem sei se minha mãe percebeu que estava acontecendo, se ela sentiu mais dor do que eu percebi. Já sonhei muitas vezes com ela me contando o que sentiu nesses dias, porque isso me angustia muito, mesmo eu sabendo que ela se foi bem tranquilamente. Tudo foi diminuindo aos poucos, até que parou. E quando parou, e o médico veio na direção minha e do meu pai, eu me senti aliviada e vazia. Como se tudo em volta sumisse, e um vento uivasse dentro de mim. Eu senti uma tristeza muito calma. O médico deve ter estranhado muito a calma minha e do meu pai. Até hoje eu lembro e também estranho. Era a pior noticia de todas, era o meu maior medo acontecendo, a vida da minha família iria mudar, nada seria como antes, todos os momentos felizes da minha vida dali em diante teriam um buraco imenso, mas na verdade eu sabia que as coisas podiam ser piores. A morte é muito dura, é uma grande ausência, traz um vazio que nunca se completa, mas também é um descanso.
domingo, 10 de maio de 2009
"MÃE...LUZ QUE NÃO APAGA"
Minha mãe nunca trabalhou fora de casa. Por isso, eu e meu irmão ficávamos sempre com ela. Quando éramos crianças, antes da escola, era ela o tempo todo. Ela que levou para casa minha primeira cachorrinha, a Susi. Ela que viu uma caixa pegando fogo, e me xingou muito porque eu tinha colocado fogo na caixa de sapatos (e foi o mesmo com meu irmão, que colocou fogo na caixa de brinquedos). Ela que chorou de desespero quando eu me perdi com 7 anos perto da nossa casa. Ela que pedia que a gente se acalmasse e corria de um lado para outro na casa quando chovia muito, protegendo as entradas da casa. Ela que pulava o muro para ajudar os vizinhos quando a rua enchia de água. Ela que sempre cortou meus cabelos. Ela que me levou no meu primeiro dia de aula na escolinha Pinguinho de Gente, e ela que penteou meu cabelo aquele dia, fazendo um imenso rabo de cavalo. Ela que sempre estava em casa quando eu saia para ir para a escola, e ela que estava quando eu voltava. Ela que sempre fez comida para mim, ela que nos levava ao médico, ela que fazia a matrícula na escola. Ela que ia com a gente comprar roupas. Ela que arrumava minhas unhas. Ela que sempre fez compra. Ela que estava comigo quando o médico receitou meus primeiros óculos, e ela estava quando apareceu um “probleminha” na córnea. Ela chorou muito nesse dia, com medo de acontecer alguma coisa séria com meus olhos, e ela que alguns anos depois me levou em um médico melhor em São Paulo para ver isso direito. Ela que ouvia e ouvia meus sonhos, minha vontade de estudar em São Paulo, minha vontade de viver um tempo no exterior, e ela que se empolgava muito, e me fazia acreditar que eu podia. Ela que por dentro ficava com muito medo, medo de eu me dar mal, com medo de eu ficar muito tempo longe, mas não me dizia isso. Ela estava em casa quando eu passei no vestibular, e ficou muito muito feliz, mesmo que aquilo também fosse uma perda. Ela que contava para todo mundo que os filhos estudam na USP, e contava até demais. Ela que me ensinou a usar filtro solar todos os dias, e a comer coisas saudáveis, e que insistia que eu tinha que beber mais água. Ela que me ensinou que é importante ser uma pessoa correta, que isso conta muito, algum dia. Ela que me ensinou que não posso ter tudo, e que a vida vale a pena mesmo que a gente não tenha tudo. Ela que fez eu e meu irmão sermos amigos, ela que fez minha casa ser um lugar tão bom de se estar. Ela que me ensinou a não mostrar fraqueza. Em 22 anos só vi minha mãe fraca quando ela percebeu que sua vida iria acabar. Então aprendi com ela que a vida vale a pena, sempre, que a vida tem que ser vivida como ela vem, não adianta chorar, se acabar, ela está ai. Ela queria viver, mesmo sabendo que a vida que lhe restava era de idas continuas a hospitais, ela queria. Ela queria ver os filhos crescerem, e sei que quando ela chorava no hospital, era nisso que ela pensava.
Minha mãe me ensinou que ser mãe é uma doação. Ela se entregou a ser mãe de tal forma que vivia por nós. Sei, e sempre soube, que eu tive muita sorte de nascer na casa que eu nasci, com os pais que eu tenho. Hoje, quase 9 meses depois que ela foi embora, quase 1 anos depois que descobrimos sua doença, eu vejo que só estamos bem porque ela nos ensinou muito. Eu acho incrível que depois do que passei com ela eu esteja aqui. Quando penso em conversas com médicos, em dias no hospital, em momentos de desespero no banheiro do hospital, quando penso nisso e me vejo aqui, ainda sonhando, ainda com muitos planos, sei que a mãe que tive me ensinou muitas coisas.
E hoje, dia das mães, não me sinto mais triste que nos outros dias. A falta que sinto dela hoje é a mesma que senti ontem, a mesma que senti no dia 4 de abril , é a mesma que senti há dois meses, é a mesma de todos os dias. É a falta de uma mãe presente mesmo eu estando em São Paulo, e ela em Cruzeiro, uma mãe de todos os dias, disposta sempre a fazer de tudo por mim e pelo meu irmão, que não se importava mesmo com datas e presentes, que gostava de ter orgulho dos filhos. Eu nunca fui de falar que a amava, nem ela era assim de falar essas coisas. Mas eu sei que ela sabia que era muito para a gente. Sei que ela teve muito medo de que nós a perdêssemos e ficássemos sem rumo, e acho uma honra imensa para ela que isso não tenha acontecido, mesmo que não seja fácil.
Esses dias li uma frase que achei muito bonita: ”SAUDADE É O AMOR QUE FICA...” Sinto uma saudade imensa dela, porque o amor que ficou é imenso. Amor entre mãe e filho, sem fim, sem razões. A saudade dói tanto, que as vezes me faz levar um choque mesmo depois de algum tempo, porque ela estava em tudo na minha vida. Não é exagero falar TUDO, por ela estava mesmo! Tudo, tudo. Todas as decisões que eu tomava passavam por ela, as vezes coisa pequena. E eu sentia uma segurança incrível também, porque eu sabia que ela era a única pessoa da minha vida que estaria comigo em qualquer situação, qualquer, qualquer, que bastava um telefonema, que quase tudo se resolveria. E hoje ela só existe dentro de mim. Ela não pode mais me ajudar, e hoje sinto que eu tenho que enfrentar mais coisas, cuidar de mais detalhes, prestar mais atenção. Mães deixam a vida mais fácil...Bem, a minha mãe teve que ir embora. Mas no fundo sei que não posso me lastimar, reclamar, xingar a vida, eu seria muito mal agradecida. A mãe que eu tive foi um presente!
sábado, 4 de abril de 2009
4 de abril...
Se eu soubesse, se eu imaginasse por um segundo, que em 2009 o mais próximo que eu chegaria dela era indo a um cemitério, eu teria largado tudo nos outros anos, teria vindo aqui, teria lhe dito muitas e muitas coisas, teria lhe mostrado o quanto eu a amo, o quanto eu queria que essa data se repetisse...Ela não se repetiu. Paramos de contar seus anos, ela não envelheceu.
Saudades que doem...
quarta-feira, 18 de março de 2009
MUDAR e CRESCER
Não tem algo do qual eu sinta mais orgulho que minha família, principalmente meu pai e meu irmão. Eu sempre me senti mais forte, assim como achava minha mãe mais forte também. Mas eles me supreenderam, acho que eles também estão aprendendo a voar...E quando lembro de nós quatro, em tantas situações entre maio e agosto de 2008, agradeço a Deus a família que Ele me deu!
Ano passado eu perdi muito...E em 2009, no mês que completar um ano da morte da minha mãe, vou realizar um sonho. Penso na ironia, mas penso também em como é bom realizar sonhos, depois de tudo isso. Minha mãe sempre foi a pessoa com quem eu dividia todos os meus planos. Quando falo isso, eu lembro das muitas vezes em que eu fiquei com ela na cozinha de casa conversando sobre eu vir estudar em São Paulo, e de como naquela época parecia mais dificil do que foi, e lembro também de como ela sempre achou que eu poderia chegar onde eu quisesse e de como ela acreditava em mim. Isso vai ficar comigo para sempre! Por isso, realizar sonhos hoje é honrar aquela que sempre sonhou os meus sonhos...
E acho que por isso eu ando muito bem. Eu ando me sentindo feliz. Agora quando eu vou dormir, ao invés de pensar no que passou, eu penso no que estar por vir, e de como ela ficaria feliz em nos ver bem. Assim eu durmo muito rápido...
Eu ainda quero contar neste blog algumas situações que eu vivi com minha mãe em hospitais, algumas conversas que a gente teve quando ela estava doente, mas ando sem tempo e sem coragem de lembrar. Até agosto eu escrevo tudo.
Agradeço às pessoas que entram aqui atrás de notícias de mim.