domingo, 23 de março de 2014

Oi Pai!


Um video que achei no meu celular, que meu pai me mandou no final de 2013. Que bonitinho!



Fiquei um tempo agora a noite vendo fotos e videos, tentando diminuir um pouco a saudade que bateu super grande de repente. Vi vários videos que fizemos na viagem a NY. Lembro que eu achava chato fazer videos. Meu pai queria gravar para mostrar para a familia dele. Um dia eu disse pra ele não fazer, porque ninguém gostava de ver videos. Mal sabia eu que um dia seria eu mesma que estaria aqui, torcendo pra achar mais um videozinho, qualquer palavrinha! Ainda bem que ele nem me ouviu, e gravou varias coisas!!!!

sábado, 22 de março de 2014

Vencer a morte com VIDA



The Laughing Heart (Charles Bukowski)
your life is your life
don’t let it be clubbed into dank submission.
be on the watch.
there are ways out.
there is light somewhere.
it may not be much light but
it beats the darkness.
be on the watch.
the gods will offer you chances.
know them.
take them.
you can’t beat death but
you can beat death in life, sometimes.
and the more often you learn to do it,
the more light there will be.
your life is your life.
know it while you have it.
you are marvelous
the gods wait to delight
in you.

Sempre gostei deste poema, que conheci logo depois da morte da minha mãe. É sobre ser positivo, sem negar os problemas. É sobre focar nas chances que a vida dá, ao invés de se desesperar com o que perdeu. O poema diz: “Você não pode derrotar a morte, mas pode derrotar a morte durante a vida, algumas vezes”. É tão simples, e tão complexo! A morte é certa, perder pessoas importantes na vida é certo. Nossa única certeza absoluta é a morte. Mas a gente pode sim vencer a morte em vida, COM vida. Quem foi embora deixou para trás tanto futuro não vivido, deixou tanta vida, que quem fica precisa viver em dobro. Vive por quem foi embora.

Como meu pai gostava da vida! Ele se deliciava em pequenas coisas. Amava ir ao supermercado, gostava da feira de sábado (que no interior a gente chama de Mercado rs). Mesmo doente, ele se arrumava, colocava uma roupa disfarçando sua magreza, e ia feliz da vida fazer suas comprinhas. Recentemente, já em 2014, ele me forçou a ir com ele. Eu não queria que ele fosse, estava muito quente, e ele já estava bem fraco. Andei com ele se apoiando em meus braços por algumas barracas de frutas. Ele estava feliz da vida!

Ele adorava passeios, mesmo os mais simples, em lugares próximos. Ubatuba, São Lourenço. Gostava de andar em Sao Paulo, nas lojinhas na Teodoro Sampaio. Ainda foi além do que sempre sonhou, conheceu Nova York. Ele curtiu muito a viagem! Tirou centenas de fotos, conversou com várias pessoas, andou pra caramba. 

Ele gostava muito de televisão. Brigava com o sono. Quantas vezes a gente acordava para desligar a tv, com ele já roncando, e ele brigava, dizendo que estava ainda assistindo. Gostava de Jô Soares. Assistia Globo news quase o tempo todo, e sempre vinha com algum assunto do Saia Justa, Manhattan Connection, Estudio I. Ele gostava de aprender a falar coisas em inglês.

Curtia suas plantinhas, as orquídeas. Decorava a casa com detalhezinhos no banheiro, e nas paredes. Ficava feliz demais com novas aquisiçōes, e enchia nosso whatsapp de fotos.
Arrumar sapatos e tirar manchas de roupas brancas eram passatempos.

Meu pai trabalhou dupla jornada até se aposentar, em 2010. Ele acordava às 5 da manhã, pegava ônibus para ir dar aulas. A tarde começava no outro trabalho, e ia até o começo da noite. Ele trabalhou bastante! Quando eu era criança ele chegava a trabalhar nos três períodos, dando aula. Ele sempre foi muito estressado! Na minha cabeça eu achava que meu pai iria embora um dia durante uma aula, teria um ataque de coração, e pronto. Eu nunca, nunca achei que ele iria assim, de forma tão calma, tão lenta, tão anunciada.

Ele teve quase quatro anos depois de se aposentar para acalmar. Mesmo doente, ele queria viver muito mais! Ele sempre dizia que pedia para Deus dar a ele um pouco mais de tempo, tempo com qualidade, para ele aproveitar mais as coisas. O  tempo foi curto! Mesmo com as dores e mal estar, ele nunca quis desistir. Ele gostava demais da vida, e das pessoas que compartilharam com ele este mundo.

Esta semana fui em Ubatuba. Acredito que tenha sido a primeira vez nos meus 27 anos que fui sem ele. Não chorei nem uma vez. Não consegui ver a ausência. Me lembrei sim da última vez que eu tinha ido, no comecinho de 2013. Fomos só eu e ele, logo depois de passar por São Paulo, onde ele fez os primeiros exames no Hospital do Cancer. A gente já sabia que ele estava doente, mas ele estava bem. Meu irmão foi também se encontrar com a gente, e aproveitamos! Esta semana voltei para o mesmo lugar, e vi muita vida. Vida por todos os lados. Muito sol, azul, paz. Não havia silêncio, havia o mar, bonito do mesmo jeito. Lembrei que uma amiga me mandou uma mensagem dizendo que o mar pra ela é renovação. É estranho, porque é renovação, mas também continuação.

Então lembrei de um outro texto que achei há poucos dias: “Somos como crianças construindo um castelo de areia. Enfeitamos com belas conchinhas, galhos e pedaços de vidro colorido. O castelo é nosso, fora do alcance de outros. Somos capazes de atacar se outros ameaçarem destrui-lo. Ainda assim, além de qualquer apego, nós sabemos que a maré vai inevitavelmente subir e destruir nosso castelo de areia. O segredo é aproveitá-lo, mas sem extremo apego, e quando for a hora, deixá-lo se dissolver de volta ao mar”. (Ani Pema Chodron).

Como é dificil aceitar mesmo, de verdade, as mudanças, e a dissolução do nosso castelo! A gente constrói, planeja, acreditando que tudo vai seguir um plano. Bobagem! Coisas ruins vão acontecer. Se a gente estacionar, se entregar à escuridão, desistir, acaba a nossa vida. O tempo que nos foi dado é precioso. Minha mãe teve 46 anos, meu pai 60. A mãe da minha mãe teve pouco mais de 30. O sobrinho da minha amiga teve 3 anos.

Eu quero realizar muitos sonhos! O maior dele é ser feliz no tempo que me for dado. Não quero ficar num trabalho sem sentido, que me faça infeliz. Não quero mais viver me preocupando com o que vão achar se eu dizer não. Não quero juntar roupa, nem papel. Não quero viver na ilusão de que algo aqui me pertence. Não quero esperar tudo estar 100% para poder dar uma festa. Hoje eu gargalhei algumas vezes, nem lembro o porquê. Não é fácil gargalhar, mas é preciso. É estranho pensar em ser feliz sem meu pai e minha mãe, morando longe de toda minha família. Mas não tenho outra escolha!

Algumas pessoas me olham estranho, e não sabem o que dizer. Não sei se é pena, ou espanto. Quase quero dizer: “Calma, eu sou forte. E você também é”.

Durante o dia sou mais forte ainda. O barulho de carros, cachorros, conversas, tudo preenche um pouco o silêncio que meu pai deixou. Meu pai falava bastante, escrevia bastante mensagens. A vida perto dele era barulhenta! Mas a noite, na hora de dormir, o silêncio grita alto! Ai parece que quero dormir com a TV ligada, quero fazer como ele fazia. 

Quero plantar as orquídeas que ele não pode plantar.
Quero preencher a estranha solidão que a ausência deles traz, com luz, com todas as conchinhas e vidros coloridos possíveis. E que a maré leve tudo de volta ao mar quando for a hora.

Para ser feliz de verdade mesmo temos que aceitar que a vida é difícil, que as coisas vão mudar, que a inconstância é a única constante.

Esperança que a vida prevaleça sempre!





quinta-feira, 6 de março de 2014

As pessoas não ficam nos objetos

Como é estranho uma pessoa sumir de repente. Assim como todo mundo, meu pai se foi e deixou tudo para trás. Todas as coisinhas que ele gostava - as plantinhas, os tênis e bermudas moderninhas, os óculos de sol (sua mania), o aparelho de medir pressão, os enfeites do banheiro - tudo ficou para trás, no mesmo lugar em que ele deixou.

Passei uma semana nos Estados Unidos, onde comecei a aprender uma grande lição, desapegar. Fui pra la porque vamos nos mudar de Nova York para Boston, mas pela falta de onde deixar as coisas precisamos nos desfazer de muitas coisas. Tivemos poucos dias para arrumar a mudança, entao no susto me desfiz de roupas que eu guardava por mais de uma década, que eu nem usava, guardava por guardar.

Lá tive sentimentos muito ambiguos com relacao a tudo que aconteceu com meu pai. As vezes eu sentia meu coracao parar quando eu me lembrava que meu pai nao estava mais aqui, mas ao menos tempo sentia um alivio de nao existir mais aquele preocupacao gigante que eu tinha estando longe. Estranhamente eu me senti muito próxima dele, como se ele realmente estivesse ido comigo.

Chegar de volta na minha casa em Cruzeiro foi dificil. Minha cada dói. Com a morte do meu pai vai com ele uma casa inteira. Meus pais contruiram esta casa e colocaram tudo que está aqui dentro. Escrevi um post sobre isto ano passado, quando eu já me preocupava com este momento, desfazer de quase tudo que faz parte da minha vida (http://esperanca-sempre.blogspot.com/2013/01/sobre-o-peso-do-passado-nos-objetos.html)

Semana passada, durante o carnaval, meu irmao esteve aqui, e ja separamos muitas coisas! Juntamos 10 sacos de lixo, separamos as coisas de cozinha que vamos guardar e o que vamos doar, ja fizemos mentalmente uma separacao entre os moveis tambem. Tiramos tudo do guarda-roupas do meu pai, ja doamos algumas roupas. É um processo dolorido. A gente nao tem espaco para guardar muitas coisas. Meus pais gostavam das coisinhas que tinham, nao eram muito de comprar coisas novas, eram mais de conservar o que tinham. É estranho desfazer das coisas que ele guardavam por tanto tempo. Mas ai vem a maior verdade de sempre: as pessoas nao ficam nos objetos.

Nao ficam!

Vamos sim manter coisas que vamos usar. Alguns moveis, coisas de cozinha, algumas roupas. Mas a maior parte da casa vai embora para outras pessoas usarem.

Amanhã ja faz 3 semanas que meu pai descansou. Estou aqui na nossa casa. Acho que estar lidando com esta ausencia 24 horas por dia esta me ajudando a acostumar com a dor, porque dói o tempo todo. Meu pai gostava muita de coisinhas do dia a dia, assistir certos programas, ficar num certo lugar, dormir naquele horario. E ele se comunicava bastante! Expressava tudo que sentia, contava das coisas que gostava, do que nao gostava. Por isso sua presenca é tao forte em cada cantinho daqui.

Estou perdida no meio de burocracia, decisoes, buracos, silencios. Hoje a tarde parei para colocar tudo num papel, parece que nao vou dar conta. Espero que eu consiga usar o tempo que tenho no Brasil, e tentar deixar tudo da melhor maneira possivel.

Quero realmente fazer o melhor possivel desta situacao. Eu e meu irmao, enquanto arrumavamos as coisas, falamos muito sobre como realmente é a maior bobagem nossas preocupacoes com as coisas materiais. Meus pais se preocupavam bastante em nao ter como pagar contas, ou ficar sem dinheiro. Fizeram milagre com o salario de professor do meu pai. Fico com pena em pensar que eles foram embora, e deixaram tudo aqui. Ate queria que eles nao tivessem se preocupado tanto. Que tivessem aproveitado mais para eles mesmos. Os dois foram embora muito cedo, podiam ainda ter vivido decadas mais, sem preocupacao em criar os filhos, viajando, vendo eu e meu irmao mais velhos.

Não deu. Acho muito triste que com menos de 30 anos ja nao tenho meus pais, que eram tao tao presentes. Quero muito que eu e meu irmao sigamos em frente, que a gente consiga ir atras dos nossos sonhos, que a gente viva da melhor maneira possivel. Nao é facil. No dia a dia, ocupados, resolvendo problemas, tudo é mais facil. A dor aparece quando a gente esta sozinho, na hora de fechar o olho pra dormir.

Pai, a saudade já está imensa! Saudade de ouvir sua voz. Às vezes acho que la do seu quarto você vai me chamar. Até deixo a TV ligada na hora de dormir, como você fazia.

Mas o tempo ajuda, eu sei.