Meus pais construiram esta casa
do chão. Em 1994 nos mudamos para cá, com a sala, a cozinha, um banheiro e um
quarto prontos. Por algum tempo, meus pais, meu irmão e eu dormiamos no mesmo
cômodo. Até que a escada e um quarto foram construidos, e meus pais se mudaram
para lá. Depois mais um quarto, para onde eu e meu irmão nos mudamos. Depois,
com os três quartos prontos, cada um já tinha seu cantinho. Depois de todos os
cômodos já habitados, ainda faltavam muitos detalhes. Eu dormia sob telhas. E o
chão era só cimento. Depois de alguns anos, colaram piso e os forros de
madeira. Cresci numa casa em construção!
A casa ficou pronta em passos de
formiga. Por alguns momentos, por falta de dinheiro, meus pais paravam a obra.
Em outros momentos, era só bagunça, pó, tinta, cimento, pedreiros, pintores.
Minha casa ficou pronta, 100%,
quando enfim foi pintada por fora e a área da churrasqueira no quintal ficou
pronta. Em 2007, treze anos depois de nos mudarmos para ela. Naquele ano, o
natal e o ano novo foram na minha casa. A primeira e última vez. Em 2008 minha
mãe foi embora.
Em 2005 eu tinha ido morar em
São Paulo, e já comecei a construir uma estranha relação com minha casa. Meu
quarto estava la, inteirinho, cheio de tranqueiras que eu guardei por anos para
servirem de lembrança algum dia. Mas eu dormia ali 4 noites no mês.
Em 2008 meu irmão foi estudar em
Sao Paulo também. E consigo imaginar a angustia da minha mãe em ver a casa
vazia. Vejo hoje como os pais do interior precisam aprender a lidar com isso,
quartos vazios, que são ocupados por alguns dias no mes, e só.
No fim meu pai ficou sozinho
aqui, nesta casa grande. E nada mais mudou. O que foi quebrando, ficou
quebrado. Nada foi repintado.
Cheguei a pouco dia dos Estados
Unidos, depois de um ano e meio fora. Como minha casa me causa estranheza! Tem,
claro, o silêncio, terrivel, que ficou depois da morte da minha mãe, com o qual
até hoje não me acostumei. Além disso, minha casa é uma representação física da
perda, da passagem do tempo, das mudanças.
Ontem revirei meu guarda-roupa e
separei muitas roupas que eu tenho por anos. Ainda preciso jogar fora muita
coisa por ali. Minha familia tem aquela mania de não jogar coisas foras (O que não
é tão ruim, quando não se tem a mania de comprar muita coisa também). Isso faz
minha casa e tudo dentro ter muito significado, muita história, marcada em cada
cantinho. Ainda temos a mesma mesa, o mesmo sofá, o mesmo fogão, de quando nos
mudamos para esta casa em 1994! Além disso, muitas coisas que nem são usadas
foram ficando, aquário vazio, esteira, quadros, televisões, rádio.
Ando com vontade de pegar tudo
que nao tem utilidade, e jogar fora, doar. Começando pelo meu quarto. Sempre
guardei tudo que pudesse um dia servir de lembranças, roupas, objetos, papéis, coisas
que já tem 10, 15, 20 anos. Como uma criança nostálgica, mesmo com pouco
passado, eu sempre achei que um dia eu iria me deliciar, sentada com filhos ou
antigos amigos, olhando para todos aqueles objetos que contavam minha história.
Mas eu não sabia que o passado poderia pesar demais.
Registrar assim tão fortemente o caminho das mudanças, enchergar como fomos
perdendo amigos, pessoas, fé, coragens, é doloroso.
Ando com uma super inveja boa das pessoas que,
ao contrário de mim, ficaram. Pessoas que moram em Cruzeiro, crescem,
trabalham, tudo por aqui. Alguns se mudam da casa dos pais, mas estão sempre
por perto. Alguns acabam criando suas novas famílias na própria casa onde
cresceram.
Mas minha maior inveja boa é das pessoas que
foram em busca de seus sonhos, se mudaram, mas tem lá, uma casa, com seus pais
juntos, envelhecendo. Tem, talvez, uma caixa com coisas que deixou por ali
mesmo, para serem guardadas.
Acho que quem me vê, de fora, deve me achar bem
desapegada. Até de país me mudei. Mas na verdade, sofro demais com esse
processo de deixar para trás, sejam histórias, sejam pessoas, sejam objetos. A vida tem
constantemente tentando me ensinar a deixar ir embora o passado. Acho que a vida está
agora querendo que eu me desapegue desta casa, de vez.
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