quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Sobre o peso do passado nos objetos



               
                Meus pais construiram esta casa do chão. Em 1994 nos mudamos para cá, com a sala, a cozinha, um banheiro e um quarto prontos. Por algum tempo, meus pais, meu irmão e eu dormiamos no mesmo cômodo. Até que a escada e um quarto foram construidos, e meus pais se mudaram para lá. Depois mais um quarto, para onde eu e meu irmão nos mudamos. Depois, com os três quartos prontos, cada um já tinha seu cantinho. Depois de todos os cômodos já habitados, ainda faltavam muitos detalhes. Eu dormia sob telhas. E o chão era só cimento. Depois de alguns anos, colaram piso e os forros de madeira. Cresci numa casa em construção!
                A casa ficou pronta em passos de formiga. Por alguns momentos, por falta de dinheiro, meus pais paravam a obra. Em outros momentos, era só bagunça, pó, tinta, cimento, pedreiros, pintores.
                Minha casa ficou pronta, 100%, quando enfim foi pintada por fora e a área da churrasqueira no quintal ficou pronta. Em 2007, treze anos depois de nos mudarmos para ela. Naquele ano, o natal e o ano novo foram na minha casa. A primeira e última vez. Em 2008 minha mãe foi embora.
                Em 2005 eu tinha ido morar em São Paulo, e já comecei a construir uma estranha relação com minha casa. Meu quarto estava la, inteirinho, cheio de tranqueiras que eu guardei por anos para servirem de lembrança algum dia. Mas eu dormia ali 4 noites no mês.
                Em 2008 meu irmão foi estudar em Sao Paulo também. E consigo imaginar a angustia da minha mãe em ver a casa vazia. Vejo hoje como os pais do interior precisam aprender a lidar com isso, quartos vazios, que são ocupados por alguns dias no mes, e só.
                No fim meu pai ficou sozinho aqui, nesta casa grande. E nada mais mudou. O que foi quebrando, ficou quebrado. Nada foi repintado.
                Cheguei a pouco dia dos Estados Unidos, depois de um ano e meio fora. Como minha casa me causa estranheza! Tem, claro, o silêncio, terrivel, que ficou depois da morte da minha mãe, com o qual até hoje não me acostumei. Além disso, minha casa é uma representação física da perda, da passagem do tempo, das mudanças.
                Ontem revirei meu guarda-roupa e separei muitas roupas que eu tenho por anos. Ainda preciso jogar fora muita coisa por ali. Minha familia tem aquela mania de não jogar coisas foras (O que não é tão ruim, quando não se tem a mania de comprar muita coisa também). Isso faz minha casa e tudo dentro ter muito significado, muita história, marcada em cada cantinho. Ainda temos a mesma mesa, o mesmo sofá, o mesmo fogão, de quando nos mudamos para esta casa em 1994! Além disso, muitas coisas que nem são usadas foram ficando, aquário vazio, esteira, quadros, televisões, rádio.
                Ando com vontade de pegar tudo que nao tem utilidade, e jogar fora, doar. Começando pelo meu quarto. Sempre guardei tudo que pudesse um dia servir de lembranças, roupas, objetos, papéis, coisas que já tem 10, 15, 20 anos. Como uma criança nostálgica, mesmo com pouco passado, eu sempre achei que um dia eu iria me deliciar, sentada com filhos ou antigos amigos, olhando para todos aqueles objetos que contavam minha história.
Mas eu não sabia que o passado poderia pesar demais. Registrar assim tão fortemente o caminho das mudanças, enchergar como fomos perdendo amigos, pessoas, fé, coragens, é doloroso.
Ando com uma super inveja boa das pessoas que, ao contrário de mim, ficaram. Pessoas que moram em Cruzeiro, crescem, trabalham, tudo por aqui. Alguns se mudam da casa dos pais, mas estão sempre por perto. Alguns acabam criando suas novas famílias na própria casa onde cresceram.
Mas minha maior inveja boa é das pessoas que foram em busca de seus sonhos, se mudaram, mas tem lá, uma casa, com seus pais juntos, envelhecendo. Tem, talvez, uma caixa com coisas que deixou por ali mesmo, para serem guardadas.
            Acho que quem me vê, de fora, deve me achar bem desapegada. Até de país me mudei. Mas na verdade, sofro demais com esse processo de deixar para trás, sejam histórias, sejam pessoas, sejam objetos. A vida tem constantemente tentando me ensinar a deixar ir embora o passado. Acho que a vida está agora querendo que eu me desapegue desta casa, de vez.

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