sexta-feira, 22 de julho de 2016

Viaje bem ai no alto

(Para o Lê)

Vai lá viajar pelo mar, pelo rio, pelas pedras da pedreira, pela areia da Vermelhinha, pelo céu tão azul quanto seus olhos. Vai se misturar com as nuvens, com os beijos de chegada e despedida, com as manhãs preguiçosas. Viaje pelo Itaquera, bem no meio da torcida. Vai lá ser parte das conversas mais felizes dos seus amigos, das maiores zueiras, de todos os casamentos, todas as festas. Viaje feliz por ter sido a maior lição da vida de tanta gente, sobre o que é importante, o simples dessa vida curta que traz felicidade: amigos, rio e mar. Lição sobre o que não importa, sobre o que é temporário: as vaidades, as manias, as conversas sem sentido. Lição que dar as mãos e olhar com carinho cura dores físicas. Que um filho nunca cresce, e quer a mãe e o pai por perto o tempo todo. Que tem amigo mais chegado que irmão, e tem irmão tão chegado que é quase metade de nós mesmos.

Viaje bem ai no alto, sem cinto, sem preocupação. Deixe todas as dores e angustias do seus últimos meses pra trás. Eu sei que você queria mais tempo, foi pouco, tão pouco. Queria mais jogos de tênis, mais corridas em Cruzeiro, mais idas a Ubatuba, mais tardes com a Sara, mais dias, mais anos, muitos anos. Você queria aproveitar cada minuto, eu sei. Parece que você até sabia, porque sempre viveu assim, fazendo o que gostava. Que bom!

Viaja bem, e não se chateie se um dia parecer que estamos tão triste. Aqui ficou um buraco, que não se fecha, pois é feito de matéria infinita: saudade e amor. É que vamos sentir tanto a sua falta! Do seu jeito de andar, a forma como chamava seu irmão, sua voz de descontentamento quando ficava frustrado, seu riso tão largo que fazia seus olhos ficarem pequenininhos! Queríamos ver tantos dos seus dias mais felizes! Mas fique tranquilo, que sabemos que o sonho que tínhamos para você, agora é o sonho que você tem para nós: vamos sobreviver. Com este amor e com essa vontade de vida que você deixou. Hoje seguimos num mundo quase novo, uma nova vida, com menos risos, e mais coragem. Você nos ensinou que somos tão fortes, capazes de suportar o inimaginável. Guerreiros como você.


Viaje em paz, porque aqui você cumpriu sua missão de tornar as pessoas melhores, que não desperdiçam os dias, que sabem que quando a fé e a esperança parecem acabar, o amor sobrevive, forte, gigante, cruzando o caminho entre os mundos. Va em paz, que esse amor será nossa força, todos os minutos, até o dia lá na frente, nem tão longe assim, quando nos encontraremos. Voaremos juntos, do seu lado novamente, e você nos contará tudo que aprendeu, e todos os segredos, e todos os porquês que hoje não entendemos. E naquele dia seremos todos lembranças, ligados por laços feitos somente de amor, dor, e saudade.


Foto de hoje a tarde, 22 de julho

quarta-feira, 20 de julho de 2016

1988

Seis netos, dois de cada filho. Filhos do Valdir, Valter, e Valéria. Netos da Gilda e do Luiz. Uma família "intensa", vamos dizer assim. Com mães super mães, que fazem o possível e impossível pros filhos, mas que também cobram. Família ciumenta, falante.

Os filhos casaram todos em um ano, e os primeiros netos foram chegando assim, um atras do outro: novembro de 1985, maio de 1986, e junho de 1986. Menos de 2 anos depois, veio a segunda leva: janeiro de 1988, janeiro de 1989, julho de 1991.

Fizeram muitas coisas juntos: natais, aniversários, festas, brincadeiras, dormir um na casa do outro, aprender a andar de bicicleta, pular fogueira, brigar, brincar, brincar na piscina, passar ferias na praia em casas que acabavam superlotadas. Uma pequena grande confusão. Fogos no bombril. Andar em Ubatuba fingindo bater a cabeça no orelhão. Dinheiro no sabão. Tudo foi bem, muito bem. Quando tudo vai bem, as vezes a gente se esquece que a regra não é essa.

2008
E começou com a mulher do Valdir, nora da Gilda, cunhada da Valéria. Foi cancer, foi um susto, foi rápido. As coisas mudaram. Foi a perda, e foi também o tempo passando. Os netos crescendo. As vezes é dificil criar asas, difícil ver os filhos criando asas. Cada um criou asas da sua forma.

2014
Um tempo depois, foi o Valdir. Cancer, de novo. Batalha perdida. No mesmo ano, a Valeria perdeu o sogro. Um senhor tao forte, vivo, saudável, falante, engraçado. Foi cancer, foi rápido.

2015
Um ano e meio depois, foi embora o vô Luiz, dessa vez foi a idade, era sua hora. Ficou pouco não resolvido, pouco não vivido. No mesmo ano, o Valter também perdeu o sogro. Também de idade, um senhorzinho que até o ultimo segundo sabia de tudo que acontecia, não perdeu a noção do mundo, nem por um minuto.

Em 2016, foi ontem, foi o Leandro, filho da Valéria, meu primo. O quarto neto, 28 anos. Quanta vida, quantos sonhos, quantos dias felizes. Neto que mais soube aproveitar a vida, que mais se divertia. Talvez o que menos se preocupava com o futuro, que bom. O mais bonito. Corinthiano. Batalhou por pouco mais de 1 ano. Foi cancer, foi rapido. Batalhou tantas quimios, cirurgias, prognosticos ruins, a angustia, dores, mal estar. E lutou com ele seus pais, seu irmao, sua namorada, tantos amigos. Como tinha amigos! Amigos da hora da bagunça, amigos da hora da dor. Não pude me despedir (essa ideia que eu tive que morar longe...).

O pai dele foi quem dirigiu meu pai de volta de Sao Paulo a Cruzeiro quando minha mãe se foi. Depois, repetiu comigo, quando foi a vez do meu pai. Eu sinto uma dor de pensar que em menos de três anos, seria com ele, com um filho. Dor que esta longe do meu entendimento.

Lê, voce deixa um vazio que se junta a tudo da minha infância que ja foi embora. Seu jeitinho de andar, seu jeito de chamar seu irmão, sua voz de descontentamento quando ficava frustrado, as caronas muitas que peguei pra SP. No Natal te vi tao bem, carequinha, mas forte, brincando. Achei que tudo iria terminar bem. Me disse que tinha que vir conhecer "essa Boston ai", queria ver jogo do Tom Brady. Te falei que da próxima te levava uma camiseta. Sinto não ter tido tempo, sinto não poder ver seu filho de olhos azuis. Sinto tanto, e ate agora não sei como isso pode ter acontecido.

Mas acima de tudo sinto pela sua familia, esses que estavam com voce nas noites de dor e angustia, que fizeram tudo por voce. Que pararam a vida, que nao pouparam dinheiro, nem tempo, nem idas e vindas, nada, nada. Eles nao desistiram da cura. Hoje meu maior pedido é que seus pais achem novamente o animo, a alegria de dias simples. Que a lembranca sua seja o amor, que nao acaba, que é sim mais forte que a fé e esperança, porque elas acabam, quando o que resta é o amor. Que eles encontrem sentido nessa dor, que a tomem pra eles, que a carreguem e a controlem todos os dias, para que ela nao os paralizem, mas que os facam seguir em frente por voce. Que o sonho que eles tinham para voce, seja agora o sonho que voce tinha para eles: que eles sobrevivam. É uma tarefa dura, tarefa de uma vida inteira.

E que venha logo a cura, por vocês todos. Cansamos tanto. Que todos nós, 5 netos, 2 filhos, genro e  nora da dona Gilda estejamos aqui para ver. E vamos suspirar, com alivio e saudade.



"E amanhã posso chorar por não poder te ver
Mas o seu sorriso vale mais que um diamante
Se você vier comigo, aí nós vamos adiante
Com a cabeça erguida e mantendo a fé em Deus
O seu dia mais feliz vai ser o mesmo que o meu
A vida me ensinou a nunca desistir
Nem ganhar, nem perder mas procurar evoluir
Podem me tirar tudo que tenho
Só não podem me tirar as coisas boas que eu já fiz
Pra quem eu amo
E eu sou feliz e canto e o universo é uma canção
E eu vou que vou
História, nossas histórias
Dias de luta, dias de glória"


sábado, 16 de julho de 2016

Sobre as maiores abominações

18 de junho de 2016

Eu ando triste, um triste meio novo. Eu quase sempre sou feliz mas sempre preciso de um dia aqui, e outro ali pra ser triste. Ja fui triste sem razão, ja fui triste por saudade doída, ja fui triste por dúvida, já fui triste por raiva da vida. Já fui triste de doer entre o estômago e a garganta, já fui triste pra perceber a beleza de céu tão cotidiano. Mas ando triste diferente. Ando triste com o mundo. Choro com a dor do personagem inventado. Choro com o filho chorando no velório da mãe que se colocou entre ele e o doido com armas. Triste com o caminho do mundo, que ao invés de andar pra frente, cambaleia como nunca, retorna a passos largos. Todo mundo compartilha sem partilhar. Todo mundo ta certo, e ponto! Quero ver só o que eu quero, e me deixe aqui na minha santa ignorância. O mundo dos injustos, dos racistas, dos machistas, dos homofóbicos, todos de bem, pessoas de bem, que odeiam. O mundo do ódio.

Minha fé me permite odiar. Odiar meu irmão, minha sobrinha, meu tio. Que Deus os perdoe! Quanto pecado! "Não atire a primeira pedra". Minha fé remove montanhas, e as coloca bem aqui, entre eu e você, para que eu não te veja. Para que eu me veja, e só, e ache que sou o centro do mundo. Não Deus, não as crianças, não os animais, não aquele que ama, não aquele que se doa, não aquele que vive uma vida justa sem julgar ninguém, não aquele que não vai na igreja porque cansou de ser parte de um grupo que em essência exclui. O centro do mundo sou eu, eu e minha interpretação completa e única do que Deus quis dizer quando disse "ame o seu proximo". A fé move montanhas, e as coloca entre eu e meu próximo. "A fe é a certeza daquilo que não vemos". Minha fé, a certeza que estou certo mesmo sem estar. E fecho os olhos e os ouvidos, e abro a boca e falo sem parar, e sem pensar. E em nome de Deus alimento o ódio, o rancor, a violência, a falta de cuidado com quem não tem o que comer. Em nome de Deus faço tudo, menos ser uma pessoa melhor.

"Estas seis coisas o Senhor odeia, e a sétima a sua alma abomina: olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, o coração que maquina pensamentos perversos, pés que se apressam a correr para o mal, a testemunha falsa que profere mentiras, e o que semeia contendas entre irmãos." Provérbios 6:16-19.




A grande negação


Julho 15, 2016

A Terra gira estranha, empurrando todo mundo, que segue aos trancos e barrancos. Com as dores de ser gente que sente, que pensa, que rumina, que significa. Que ao ver o final do ciclo da vida perde o sentido em viver. Que tem na distância física não apenas um numero de quilômetros, metros, e milhas, mas também um buraco, que queima e congela, tudo junto, ao mesmo tempo. Que vive segundos que são horas, e horas que são sua vida inteira. Ao ver gente virar pétala a gente cai na terra, aos prantos, sem entender nada. É a nossa grande negação, que nos mantém vivos, saltitantes e sorridentes por ai, é a ilusão necessária. Que esconde o maior segredo que seu coração de gente, fraco e sem ritmo, fingi que esqueceu: um dia, todos, de gente viramos flores, e planetas, e pedaços de nuvens. De seres pensantes e cheios de vontades, viramos uma lembrança, um buraco na vida de alguéns. Buraco, sem quilômetros, nem metros, nem milhas. Infinito. Quem não se engana, chora a cada esquina. Não quer levantar. Sente o peso. Que isso menina! Olhe seus minutos, é contagem regressiva: vai sorrir também!