"Não se esqueça da sua mãe". Tem sido assim, emails e mais emails. Quase fiquei brava. Sabe, eu tento disfarçar, tento seguir, até consigo. Sou essa dor, mas sou também essa força. Mas ai vem vocês, assim, me lembrando do buraco de dimensões infinitas. Eu não me esqueci.
Ah, eu a procuro, em todo lugar.
Posso ser feliz? Apenas nos dias cotidianos, comuns, insignificantes. Num dia especial, cade você? E passam rápido, em 3 segundos, cenas desse filme: infância, quintal, abacateiro, cachorrinhos, arroz e feijão, olhar com disciplina, palavras de amor, reunião da escola, paredes pintadas, sorriso orgulhoso, descontos, lasanha, coxinha, ônibus, marmitinha, hospital, bolsinhas de sangue, bolsinhas de quimio, macas, olhar triste, olhar assustado, palavras sem nexo, sono, silêncio.
Silêncio. Silêncio.
Nos dias cinzas, lágrimas, que duram menos, mas ainda duram. Quase 8. De tanto silêncio. Você me pediria para parar. "É...é a vida". "Olha eu e meus irmãos? Foi assim, tão cedo, tão mais cruel". Talvez me olharia com aquele olhar desconcertado que me olhou quando chorei por horas quando não passei no meu primeiro vestibular. "Agora você estuda, tem tempo de tirar a carteira, passa mais um ano aqui". Ah foi mais um ano com você.
Nos dias de sol, nuvens lindas, céu azul. Flores. Cade você? Em tudo isso. "De volta a atmosfera com gotas de Jupiter em seus cabelos, ela age como verão, e anda como a chuva". Olhos perdidos, sorriso tímido com a boca fechada, brava, ciumenta, forte, fala alto, diplomas, "como é bom dormir". Cade você? Em mim. Na pétala que acabou de nascer, e na que acabou de cair. No bebê que riu na estação. Naquela música nova. Quando durmo. No Japão, em Roma, em Lisboa. "Sua mãe mora em SP?" Não, mas não se sinta mal. Gosto de dizer, ela mora em todos os lugares. E ela vê tudo isso, os dias de chuva e os dias de sol. E ela se orgulha, dos dois.
sexta-feira, 6 de maio de 2016
segunda-feira, 2 de maio de 2016
Minhas mais sinceras faltas de sentido
Outubro 9,
2015
https://www.youtube.com/watch?v=BW9Fzwuf43c
Talvez chamem
de coragem, talvez desapego, talvez até falta de consideração. Falta de raízes?
Confiança? Vontade de largar tudo? Vontade de levar tudo? Imigrar, me
lembram pássaros, que quando o tempo fica frio decidem voar. Mas voltam, quase
sempre.
Ha pouco mais
de 4 anos decidi sem pensar que iria entrar no avião. Meu pai não se
conformou. Na verdade não tive coragem de contar pra ele. Falei bem aos
poucos, disse que seria por um tempo. Meu primeiro ano foi terrível: remorso,
saudade, falta de liberdade, burocracia. Acostumar com a língua, acostumar em
ser o outro, não pertencer. Alguns dias eu não acordei. Um dia fui na
prefeitura, assinei um papel, casei. Foi uma das coisas mais estranhas que fiz.
Não parecia um selo de amor, parecia um contrato em que eu concordava em deixar
pra trás quase tudo.
Então veio os
piores tempos. Meu pai, no Brasil, descobriu uma doença sem cura. A decisão de
morar longe pra sempre já não tinha um “para sempre” tão longo, era curto. Me
contorci. Fiquei no Brasil o máximo que pude. Tive que ficar um tempo longe do
meu pai. Acabei voltando para suas ultimas semanas. Assisti sua ida, dia apos
dia, até o ultimo suspiro. Nos despedimos pra sempre. Com ele foi embora a menina em mim. Me desfiz do que tinha de material no Brasil. Me desfiz de tanto. Entrei no
avião e trouxe comigo tudo o que eu sempre tive.
Então veio a
fase mais fácil. Sonho, conquista. Por um ano estudei numa das mais renomadas universidade do
mundo, conheci pessoas parecidas comigo, fiz amigos. Vi sentido em estar aqui.
Agora, depois
dos baixos e altos, chegou a época do meio, do morno. Os dias de rotina,
trabalhar, juntar dinheiro, comer, viajar. E ai?
Me incomoda
quando vejo reclamarem que hoje as relações estão baseadas em redes sociais. É
tudo que tenho.
Me incomoda quando leio que o sentido da vida é família. Porque
se for, eu deixei tudo isso pra trás. E as vezes não sei exatamente o porquê.
Eu sempre sonho que meu pai esta super bravo comigo. Desconfio que seja eu
mesma brigando comigo, no assunto que meu pai mais discordava comigo: onde eu
devia morar. Onde eu deveria morar?
Na verdade, já
não tenho escolha. Pai, mãe, netos, almoço de domingo. Nunca, não importa onde eu
esteja. Talvez por isso o lugar onde eu more hoje me traga uma paz estranha que
nunca senti antes, talvez seja exatamente por me proteger na distancia. Para
não ficar sozinha, escolho eu mesma me tornar sozinha. O que te parece um
extremo desapego, pode ser apenas uma forma de auto proteção. E o sentido da vida?
Criar listas
de coisas pra fazer, e o sentido da vida passa a ser completar cada uma. Me
peguei fazendo listas de coisas pra comprar, e quando faço o “check” me sinto
feliz. Mas mais tarde, na hora de dormir, me bate que na verdade nada tinha sentido
algum, era vazio, era oco. Será que eu trabalho pra ficar feliz quando compro caixas
para organizar a casa, ou quando compro um brinco?
Também passei
a fazer listas de coisas saudáveis pra comer. Fico animada, mas logo cansa. Cadê
a alegria de comer coisas gostosas? Faz sentido ir atrás da saúde quando na
verdade verdadeira esta cada vez mais difícil prever o que pode causar o que?
Faz algum
sentido fazer tudo isso e não poder almoçar com meu irmão? Sentido nenhum.
Tento achar
sentido nos encontros com outras pessoas, os desconhecidos. Quando alguém me
agradece uma gentileza no transito, ou quando dou risada mega alta no meu local
de trabalho.
Mas será que
faz sentido isso tudo, se não posso tomar café da tarde com minhas tias? Não,
não.
Ai tento ir
atrás do sentido no que me resta. Preciso me colocar na posição de alguém que
não esta com os seus, mas que assim como todo mundo faz parte de um maior. Ver
sentido na descoberta de como somos humanos, no encontro com pessoas que
cresceram a milhares de quilômetros de mim, mas com tanto em comum. Talvez o
sentido disso tudo seja não apenas em compreender como quem cresceu na mesma
cidade que você pode se tornar tão diferente, mas entender também que alguém que
cresceu no sul da Asia pode ser exatamente como você que cresceu na América do
Sul. Encontro sentido em fazer listas de lugares do mundo que quero ir, e
talvez quando “checar” o próximo da lista eu me sinta mais completa. Não estar no meu lugar, mas conquistar novos lugares, pra também chamar de meu. Sera que serão meus?
Sinto uma
dorzinha de acompanhar tudo por fotos. Perdi o casamento de 3 amigas. Tenho
super amigos com bebês que ainda nem conheço. Mas eu gosto da expectativa dos
encontros raros, e da alegria do avião descendo. Eu gosto da mudança das
estações, uma super lição de resiliência e transformação, da qual nunca me
canso. Eu gosto da força que carrego com todo mundo em mim. Meu mundo interno é
super povoado.
E ai não
importa onde eu esteja, esse mundo vai comigo. Será?
Existe uma pergunta que
sempre ronda por ai: o que você estaria fazendo se soubesse que iria morrer
amanha? É nessa pergunta que me esbarro, tropeço. Eu não estaria onde estou
hoje, eu estaria no Brasil. Mas que pergunta mais besta! A gente não deve viver
como se fosse morrer amanha. A gente tem que achar o meio termo, aquela linha
tênue entre fazer o melhor, pensando num futuro e não deixando o hoje passar.
Agora se não for assim, tudo bem, quem sabe quando será ne? Escuto de pessoas
que moram aqui, também imigrantes, como é triste ter os pais envelhecendo
longe. Os meus não estão envelhecendo sem mim. Alivio, ou desamparo? E os
outros? E minha serra, está envelhecendo sem mim?
E ela, com
tanto medo, avião descendo, pronta para os encontros raros, almoços, e cafés da
tarde, escreveu uma carta honesta ao seu pedaço de mundo depois de quase 2 anos
ausente. E faltou sentido, fechou os olhos com vergonha, e começou assim:
“Vim com um
medo danado. É difícil ver meu povo, meu sangue, apenas de tempos em tempos. Meu lugar
vai me reconhecer? Serei uma estranha quando olhar nos seus olhos?
Primeira vez que venho sem ter uma casa. (Pausa para respirar, porque essa
constatação me rouba o ar por 3 segundos). Eita Tempo, te ver assim na minha
frente, que medo! Desde a ultima vez ela cresceu 10 cm. Ela virou mãe de
duas meninas. Ja me decepcionei com eles. Ela se casou e já comemorou um ano de casamento. Ela ja fez
18 anos. Ela esta terminando a faculdade. Ele já foi e voltou de uma imensa
batalha: venceu. Ninguém está se tornando mais jovem. O tempo passou, e cortaram a primavera. Fecharam algumas
lojas, pouquíssimas abriram. Meu vozinho descansou.
A tia da minha mãe também. Eu não estava aqui. Foi tudo bem rápido, me
ausentei, a vida continuou, parou, aqui e la. Quem viu? Quem entende? Algumas dores
continuam. Outras novas surgiram.
Respondi algumas questões, criei novas perguntas. Obrigada pelo verão mais
quente, minha terra! Que eles descansem bem em você. Que um dia eu também me junte a você, porque, na verdade, a gente sempre sabe a que lugar pertence. Não se esqueça de mim.”
Assinar:
Postagens (Atom)