quinta-feira, 29 de maio de 2014

Sobre os lutos

Esses dias li um texto sobre como superar a tristeza (http://tinybuddha.com/blog/7-steps-to-move-through-sadness-and-what-we-can-learn-from-it/) que falava que o luto é um processo físico que ocorre em nosso cérebro depois de uma grande mudança. A energia necessária para reconstruir uma outra imagem da nossa vida faz a gente ficar em um estado de choque, de tristeza, de letargia. Tentar pular os sentimentos ruins do luto pode trazer sofrimento la na frente, pode fazer com que a reconstrução dentro de você não seja completa.

Cada pessoa reage às mudanças e perdas da vida de um jeito. E ainda além, a mesma pessoa reage de forma diferente em cada momento da vida.

Meus lutos foram/são bem diferentes. Venho no processo de luto pela morte do meu pai desde 2012. Quando eu soube da doença já sabia que era terminal, já comecei a me preparar.  Foi muito diferente do choque que senti quando descobrimos o câncer da minha mãe. Era uma daquelas historias que a gente ouve por ai, que acontece com os outros, que acontece nos filmes que faz a gente chorar sem parar. Como assim era real? E em choque continuamos por quase três meses, em que quase nos enganamos, acreditando que do mesmo modo que o pesadelo podia acontecer na vida real, o milagre também podia. Mas ai aprendi que milagres são bem mais raros.

O luto da morte da minha mãe foi muito dificil. Meu cérebro (assim como do meu pai, e do meu irmao) teve muita dificuldade em criar uma nova imagem pra vida. Por muito tempo eu não conseguia dormir no silêncio. Fiquei muito mais preguiçosa, menos animada.

Meu pai vinha ficando doente desde então. Todo mês ia em medico, cada vez era uma coisa diferente. Ele ja vinha apresentando sintomas da doenca por meses (e por erro medico nao foi diagnosticado antes!). Quando apareceu no exame que era uma neoplasia maligna secundaria eu chorei muito, mas foi quase como uma tragedia anunciada. Os sinais estavam la. O luto pela minha mae ainda estava la tambem. Foi como se a vida me jogasse bem pra baixo, depois levantasse um pouquinho, e então jogasse pra baixo de novo. O tombo foi menor.

Meu pai ficou doente mais tempo. Tempo suficiente para a morte dele ficar menos escancarada na nossa frente. Tempo para mais arrependimentos. Me arrependo de não ter insistido em conversar com ele sobre a morte, nas vezes em que ele desconversou.  O fato de eu estar morando em outro país trouxe tambem muitos outros fatores. Muitas decisoes, muitas incertezas. Tive ate tempo de brigar com meu pai, de ter aqueles sentimentos contraditorios super normais de cuidadores. O luto da morte do meu pai tem muito mais remorso que o da minha mae. Quando minha mae morreu eu realmente nao senti nenhum remorso, nao tinha nada que podia ser feito que nao fizemos. Nada na nossa relacao me fazia ter sentimentos ambiguos ao lidar com sua ausencia. Mas deixei sim de fazer muitas coisas pro meu pai. E isso nao quer dizer que eu faria coisas diferentes. A verdade é que a gente so pode fazer o possivel ne?

Eu passei o natal e o ano novo com meu pai, mas na primeira semana de janeiro peguei o aviao de volta pra NY. Dois dias antes nós discutimos! Recebemos a visita de um casal amigo da familia, e meu pai comecou a reclamar que eu teria que ir embora. Eu perdi o controle, e falei muitas coisas. Fiquei brava mesmo! Eu ficava chateada que ele nao entendia que eu nao podia simplesmente ficar la em Cruzeiro com ele. Ele queria que eu ficasse pra aproveitar com ele enquanto ele ainda estava bem. E eu deixei bem claro que ele ainda ia precisar mais de mim, quando ficasse pior. Eu e ele estávamos errados. O momento que ele precisou de mim era aquele, e ele nao teve mais forças para aproveitar nada. Na mesma semana ele teve uma internação, a primeira de três.

Quando eu voltei para o Brasil, na ultima semana de Janeiro, no meio da segunda internação, ele estava na UTI. No mesmo dia saiu. Ele teve alguns dias de muita energia e risadas, antes da ultima internação. Sou muito grata a ele por ter falado com todas as letras para mim e meu irmao que a gente nunca se sentisse culpado por não ter ficado mais com ele, que ele entendia os nossos motivos, e que estava feliz de ter a gente ali com ele, naquele momento. Os olhinhos dele, quando viu eu e o Tiago na UTI, nunca vamos esquecer! Sou muita agradecida a vida também, de ter permitido que eu ficasse com ele em suas ultimas semanas. Tudo isso diminuiu um pouco o remorso das minhas ausências.

No luto que comecei em 2008 eu tinha muitas pessoas comigo! Minhas amigas em SP, na faculdade e em casa, me ouviam muito! Eu tinha uma rede de pessoas que estavam sempre prontas e me ouvir. Desta vez meu luto esta bem mais meu. Estou longe, as poucas vezes que falo sobre isso é com meu irmão, que compartilha dessas dores comigo. Acho que aqui nos EUA existe mais uma cultura de esconder a dor, com a qual não concordo.

Ando até com medo de estar disfarçando muito minha dor, pra ninguém achar que estou depressiva (tristeza no luto é normal!). Tenho medo de reprimir angustias, e deixa-las maiores! Ultimamente eu ando tendo crises de tristeza. São meio estranhas. Num dia comum, em que pareço bem, de repente me vem uma tristeza profunda, que tira meu ar. Vem cenas do meu pai doente, coisas bem aleatórias. Tenho que respirar profundamente, e parece que passa. Alguns dias tenho umas mais fortes, que me fazem chorar por dois minutos, e passa. Essas ultimas são sempre desencadeadas por algum coisa, as vezes bem nada a ver: uma musica do Frank Sinatra, um video de um casamento de uma conhecida com depoimento dos pais dela, um artigo na internet sobre organização de gavetas (um exemplo de uma coisa nada a ver que me fez sentir muitas saudades do cotidiano de anos atras), etc.

Na ultima semana tenho tentado deixar essas crises de lado. Fujo de qualquer coisa que possa me fazer lembrar meus pais, cancer, hospital. Quase todo dia finjo que nao vejo titulos de videos no facebook, como: "Pai com cancer terminal deixa mensagem para a filha", "Mulher com doenca terminal recebe homenagem dos amigos", etc etc. Tenho certeza que sao videos muito bonitos, que fazem as pessoas pensarem que devem ser mais gratas pela vida. Eu nao assisto. Lembro bem quando eu gostava de ver filmes tristes. Mas de repente tudo ficou tao real. Tenho cenas desse filme na minha cabeca o tempo todo.

Eu lembro bem que o mesmo acontecia com minha mae. As cenas se repetem na cabeca. Ainda parece impossivel que foi tudo de verdade, e que meu pai ja nao existe. Mas acredito sim no poder do tempo.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

quinta-feira, 8 de maio de 2014

A história de um oncologista que perdeu a mulher para um cancer

Estou adiando para escrever aqui, embora ja tenha um texto pronto na minha cabeça, vindo de varios pensamentos aleatórios durante os dias em que tudo pode ser resumido em: saudades de um tempo.

Por enquanto vou colocar o link de uma historia que acabei de ler. É o texto de um oncologista que escrevia para o New York Times em 2011, sobre como era acompanhar a própria mulher num tratamento de cancer de mama. Acredito que ele parou, assim que o tratamento parou. Ela parecia curada. Ano passado uma metástase apareceu, e ele conta neste texto como foi lidar com a mulher, agora com um cancer terminal, em seus últimos meses.

O texto me fez chorar em vários momentos, porque é profundamente familiar. Várias cenas, procedimentos, os momentos de esperança e desesperança. Os sentimentos contraditórios. Estranho como neste mundo tao grande podemos estar ligados a pessoas que a gente nem conhece. Quantas pessoas por ai estão cantando musicas antigas, sorrindo ao lado de alguem querido, tentando disfarçar o terror da imagem dos ossos saltando nas costas e do abdomem cheio de liquido? Quantas pessoas estao saindo do consultorio medico com uma pergunta entalada na garganta? Quantos acompanham um pai no hospital, sem conseguir dormir imaginando como será o ultimo minuto? Tantas pessoas passam por tudo que minha familia passou. Outras pessoas com outras dores, tao proximas a de outras pessoas, mesmo distante. No velório do meu pai havia pessoas que no mês seguinte estavam la velando seu proprio pai. Neste outro velorio estavam pessoas que ontem estavam la velando uma sobrinha.

No final somos todos ligados pela mesma mistura de dores, alegrias, surpresas e medos.

O texto:

http://nymag.com/news/features/cancer-peter-bach-2014-5/#comments