Fiquei muito tempo sem escrever
simplesmente porque fiquei um bom tempo fingindo que tudo estava bem. Fingi tão
bem que me convenci. Mudei-me para Nova York com meu marido, passei quatro
meses aqui, trabalhando bastante, conhecendo a cidade, fazendo pequenas
compras, e principalmente inventando outros problemas para ocupar minha
preocupada cabecinha.
Ajudou que meu pai passou alguns
meses muito bem. Assim que eu sai do Brasil, ele arrumou ânimo não sei de onde. O
médico decidiu parar com as quimios, que estavam fazendo mais mal do que bem.
Conclusão: a anemia acabou, e meu pai teve alguns meses bons! Independente,
saindo para fazer compras, mudando coisas na casa, comprando coisas de decoração.
Meu irmão até pode vir me visitar. Isso me deixou muito bem. Percebi que minha
decisão de voltar pros Estados Unidos foi certa. Comecei até a pensar na
possibilidade dessa doença estacionar de vez, e de ele ir levando por um bom
tempo.
A verdade é que entrei num
processo longo e profundo de negação. Me fiz acreditar que tudo estava bem, de
verdade. Levei uma vida bem normal nesses meses. Desloquei toda a energia da
minha ansiedade para problemas que não são de vida e morte: tentando arrumar
mais trabalho, me tornando uma esposa bem ciumenta, gostando novamente de
cidade grande e metro cheio, etc etc.
Até que marquei minha passagem
para passar o natal no Brasil. Foi incrível, marquei a passagem, a realidade
caiu na minha frente. Não posso negar que coincidiu com o começo do frio (que
odeio, e me deixa naturalmente pra baixo) e com uma certa piora do quadro do
meu pai. Ele começou a comer menos, ficar anêmico de novo, perdeu o ânimo que
tinha.
Na última semana, de repente ele
passou a ter visão dupla. Foi no oftalmo, que descobriu que uma parte do nervo
do olho esquerdo está trabalhando menos, e não acompanha o outro olho no foco.
Agora ele ficou ainda mais debilitado com isso, não pode dirigir, e fica
constantemente tonto, sem equilibrio. Ainda não sei se isso tem a ver com o
câncer (infelizmente metástase cerebral é sempre uma possibilidade), ou se é
alguma coisa independente. Hoje ele ia no oncologista.
Na última semana não consigo
dormir, e não consigo acordar. Domingo que vem pego o voo pro Brasil, e só de
pensar nisso tenho quase uma crise de ansiedade. Encarar a situação de frente
não é fácil. E o fato que eu moro em outro país traz MUITAS complicações. Por
mais que seja dificil para muitas pessoas entenderem, eu não posso simplesmente
ficar no Brasil o tempo que eu quero. Não existe isso da gente poder parar
tudo, por mais que a situação seja grave. Tenho trabalho, tenho contas. Minha
vontade era sim ficar com meu pai, ajudar, passar tranquilidade, mas largar
tudo aqui não vai me ajudar a lidar com o que virá depois que esta história
acabar. Isso é racional, mas emocionalmente me sinto muito culpada.
As vezes eu nem acredito que
essa situação toda acontece. Quando eu decidi me mudar para cá foi uma decisão
que veio junto com todas as consequências possíveis. Morar em outro país é
muito dificil. Aprender como tudo funciona e ficar longe de todas as pessoas da
sua vida é dificil. Mas realmente eu não esperava essa situação, ter meu pai
com uma doença grave, sem cura, ele precisando de pessoas lá, e eu longe.
A principio vou passar duas
semanas no Brasil. Quero ficar o tempo todo com meu pai. Quero aproveitar
qualitativamente esse tempo. Não sei o que vai ser depois. Tenho trabalho na
segunda semana de janeiro, pessoas contando comigo. Mas me parece que meu pai
piorou muito nas últimas semanas. A vida não é fácil.